Sexta-feira, 8 de agosto de 2014 - 20h20
Hugo Evangelista da Silva*
Faz algum tempo cultivamos, eu e meu filho Victor Hugo, um passeio semanal quase rotineiro que incluiu uma parada no “shopping”, onde, entre um cafezinho e outro, divagamos sobre assuntos que nos desperta o interesse. Dia desses, depois de conversas, resolvemos passar na livraria que ali recém foi instalada, a qual ainda não conhecia e, no caminho, encontrei alguém que conheço desde antigamente. A par de largos sorrisos nos cumprimentamos sem cerimônias, com abraços e beijos. Ela estava ali a trabalho enquanto ciceroneando alguns visitantes e, por isso, curta foi a nossa conversa e despedimo-nos à conta de novos abraços e outros beijos. Já na livraria meu filho quis saber: “Quem é aquela senhora?” – perguntou-me. “Uma amiga de muitos anos” – respondi-lhe. Ele deu-se por satisfeito e eu, entre livros, pus-me a remexer o meu baú de recordações.
Nos tempos de minha juventude fui levado a freqüentar uma “entidade” religiosa e lá conheci a tal “amiga de muitos anos” que, à época, era pouco mais que uma menina. Em curto tempo e demoradas conversas achamos que podíamos ser mais que “bons amigos”. Estabeleci uma condição: era imprescindível o consentimento de seus pais. Ela assentiu e após a reunião dominical lá fomos nós à sua casa. Adentrei a sala, cumprimentei o seu pai e sentei. Ela atravessou a sala e foi falar com sua mãe. Voltou meio desconsolada, chamou-me a sair e lá fora me falou: “Mamãe não quer conversar com você. Disse para te mandar embora e se você não for, agora, ela vem já aqui ‘soltar os cachorros em cima de ti’”. Sai às pressas, fui-me sem olhar para trás. Ainda nos encontramos uma ou duas vezes, ocasiões em que ela me propôs levar a “coisa” às escondidas, o que não achei legal. Logo depois, fui a Manaus prestar vestibular para a UA, passei, e por lá fiquei fazendo o meu curso de direito, numa permanência que demorou mais de cinco anos, para, depois, retornar já casado e com uma filha: a Florinda.
Nas lides do dia-a-dia nos cruzamos por algumas vezes: ela não me viu ou não me reconheceu. Estando, certa vez, eu, minha esposa e nossos filhos – já eram dois – a passear numa praça avistei, de repente, aquela “potra” - no bom sentido, como dizia o amigo do Padilha – segurando a mão de uma criança. Falei a minha mulher: “Aquela senhora quase foi minha namorada. Acho que não me conhece mais”. Ledo engano! Aproximou-se de nós e com um largo sorriso cumprimentou-nos, afagou a cabeça de meus filhos, depois se despediu e foi-se a passear com sua criança. Vimo-nos, depois, em fila de banco a pagar contas, foi quando soube que “minha amiga de muitos anos” era, então, empresária.
Sobrevindo minha separação e, à falta de opção, fui morar com meu pai; depois, comprei um terreno e pus-me a construir a casa para aonde me mudei sem que plenamente construída. Precisei comprar algum material e fui parar, por pura coincidência, na loja de minha “amiga de muitos anos”, onde a encontrei ao balcão em companhia de seus pais, no atendimento aos clientes. Entre conversas, ao momento da compra, falamos de várias coisas, incluso do credo que não mais professávamos: nem eu, nem ela, nem seus pais. Paguei a conta e fui para casa esperar a entrega, que pedi fosse com brevidade.
Surpreendi-me com a entrega do material: pela rapidez e pela motorista do caminhão de entregas. Justificou-se: “Dada a tua urgência, resolvi eu mesma trazer”. Mostrei-lhe a casa ainda inconclusa, sobre a qual teceu considerações e elogios. Pediu preferência na compra de mais materiais e, já a saída, confidenciou-me: “Minha mãe quis saber de você”, dei-lhe suas referências e ela observou: “Me pareceu um senhor muito distinto”. Sorrimos a lembrar de seus “cachorros”. Deu-me, em seguida, o número de seu telefone para eventuais urgências e pegou o meu número para o acaso de precisar de um advogado – tornamos a sorrir. Dias depois telefonou convidando-me a participar da festa de lançamento da candidatura de um amigo, e lá compareci. Senti, à ocasião da festa um reacender da velha chama, mas como já estava bastante envolvido em outra história, resolvi aquietar-me. Passaram-se mais anos e voltamos a nos encontrar, desta feita numa aula inaugural de vários cursos de pós-graduação que estava sendo promovida por uma Faculdade local. Achamo-nos no corredor que dava ao Auditório, cumprimentamo-nos com certo entusiasmo e ela, em seguida, apresentou-me a uma de suas amigas, dizendo: “Gostaria de te apresentar uma pessoa muito especial”. E acrescentou:“Foi meu primeiro namorado”. A moça, após cumprimentos, observou: “Vocês parecem ser tão amigos, por que não deu certo? Respondemos quase em uníssono: “Coisas da vida!”.
Minhas recordações tão verdadeiras de pronto descambaram para a ficção e fiquei a imaginar um epílogo para essa história de desencontros. Logo pensei no Florentino Ariza a quem o gênio criativo do mestre Gabriel Garcia Márquez fez esperar cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias para, afinal, ter em seus braços a amada Fermina Daza, mas achei a conclusão inadequada para tantos desencontros. Por estarmos em período eleitoral, imaginei que convidava minha “amiga de muitos anos” a ir a festa de lançamento da candidatura de algum amigo e lá, reacendida a velha chama, rumaríamos felizes para sua casa, adentrávamos a sala e nos deparávamos com um de seus filhos. Não o garotinho da praça que ela segurava à mão que vi adolescente e pareceu-me um “gentleman” a toda prova, mas um filho imaginário, “bombadão”, bíceps à mostra, no melhor estilo “pitboy”, que transpirando exagerado ciúme maternal, chamaria sua mãe a um canto, e determinaria: “Diz para esse velho gordo e feio procurar rumo, agora!”. Ao que teria acrescentado: “Se demorar muito, vou lá e solto os cachorros em cima dele!” Desatei a rir. Meu filho que estava, agora, ao meu lado, perguntou: “De que ri um velho pai?” “Nada de interessante”- respondi. “Estava somente a imaginar qual seria o final mais adequado para uma antiga história”, disse-lhe.
* Advogado, escritor e memorialista, conta histórias que viu ou ouviu sobre nosso estado, nossa cidade e do bairro em que nasceu e reside: o Santa Bárbara. e-mail: [email protected]
SEU CALIXTO UM MODESTO TESTEMUNHO - Por Hugo Evangelista
‘SEU’ CALIXTO – UM MODESTO TESTEMUNHO Hugo Evangelista da Silva* O“bar do CALIXTO” é resultado da determinação conjunta de seus proprietários, o Sr. F
Hugo Evangelista da Silva* “Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pesso
Hugo Evangelista da Silva* O bar SERENO ou “bar da Deusa”, como popularmente chamado, era um misto de residência, de bar, de estância para muitas
Hugo Evangelista da Silva* Assisti, faz alguns dias, uma cena tão inusitada quanto hilária! Acabava de sair de um café com tapioca – o que faço pe