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Matias Mendes

TESOUROS DO GUAPORÉ: A Tradição Proibida


MATIAS MENDES

Os níveis da insegurança pública no Estado de Rondônia chegaram ao ponto de que até mesmo já não se possa tratar de nenhum assunto que envolva alguma notícia de riquezas, sob pena de ser censurado por estar expondo as pessoas à sanha de eventuais criminosos. E eu fui duramente censurado pelo simples fato de haver tocado no assunto da lenda urbana do fabuloso tesouro do Coronel Paulo Saldanha, tio-avô do Paulo Cordeiro Saldanha, atual patriarca da famosa família Saldanha cuja saga perpassou pelo Vale do Guaporé, a exemplo de outro lendário capitalista de nome Balbino Antunes Maciel e o Capitão da Guarda Nacional Antonio Rodrigues, notabilizado no Guaporé como Totó Rodrigues. E no Guaporé, durante o primeiro e o segundo ciclos da economia da borracha houve outros notórios milionários como Américo Casara (italiano), Tito Koeller (alemão), Hernán Herrera (boliviano), João Psuriadakis (grego), Demetrius Mella (grego) e Bader Massud (árabe), não constituindo, portanto, nenhuma novidade falar de fortunas fabulosas na região do Vale do Guaporé, exatamente onde se localizam as fabulosas minas de São Simão que durante séculos inundaram as comunidades ribeirinhas com o ouro dos seus inesgotáveis filões que produzem até hoje.

Pouca gente sabe disso, mas o antigo povoado de Vizeu que os portugueses fundaram no Guaporé no século XVIII estava localizado exatamente onde hoje se localiza o povoado boliviano de La Cruz, nas proximidades da embocadura do rio Corumbiara, região que integrou os domínios do pioneiro italiano Américo Casara. No século XVIII, as fabulosas minas de São Simão eram tão cobiçadas por portugueses e espanhóis que o Governador Luiz Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres chegou a se apossar de uma vasta área da margem esquerda do Guaporé somente para poder explorar o ouro das minas de São Simão, sem falar na prata que também era dali extraída com abundância. As minas foram originalmente descobertas e exploradas pelos Jesuítas, que dali extraíram fabulosas fortunas em prata e ouro, parte das quais ainda hoje permanece enterrada em determinados pontos das barrancas do Guaporé, tesouros vez por outra denunciados pelas reações químicas do ouro fundido sob a terra em forma de fogos fátuos não poucas vezes vistos por ribeirinhos. Há um determinado ponto, acima do antigo povoado de Vizeu, onde existe, a julgar pelas evidências das reações químicas, uma grande quantidade de ouro fundido enterrado na margem do rio. Tal tesouro já foi objeto de buscas, mas nunca foi encontrado. Os guaporeanos sempre conviveram com essas lendas, mitos ou fatos de tesouros enterrados sem nunca fazerem disso nenhuma obsessão pela busca à fortuna.

De tal modo, em razão do ouro farto na região, todas as famílias guaporeanas tinham em seu poder algumas ricas joias de ouro, quase todas confeccionadas pelo magistral ourives Barnabé, meu tio-avô por parte de pai. Inclusive eu mesmo conheci ainda em poder de minha mãe algumas requintadas peças de joias de ouro fabricadas por esse antepassado meu, não há nenhum mistério sobre isto. A única diferença é que lá no Guaporé não havia a cultura da gatunagem, ninguém gostava de ladrão por lá e não se tem notícias de que alguma família tenha sido assaltada em razão dos pequenos tesouros domésticos que por lá havia em abundância. Nem mesmo os famosos baús, supostamente recheados de ouro, que Balbino Maciel fez seus empregados atirarem nas águas na boca da Baía do Boi, em Santo Antonio, nunca foram objeto de buscas empreendidas por gente do Guaporé, pois o ponto indicado sempre foi conhecido como um poção habitado por gigantesca cobra-grande, local prudentemente evitado por todo mundo. Até hoje, mesmo com os modernos equipamentos de mergulho disponíveis no mercado, ninguém se arriscou a mergulhar lá para procurar o tal tesouro confiado à guarda da grande cobra. Muita gente duvida da existência de cobras-grandes, mas ninguém se arrisca a mergulhar nas águas profundas de suas supostas moradas.

Assim sendo, as posições algo alarmistas em relação ao mito do tesouro do Coronel Saldanha não procedem, pois muito antes que tal mito fosse divulgado assaltantes já acometeram a família Saldanha na sua propriedade rural da embocadura do rio Pacaás Novo, os ladrões já vasculharam tudo, levaram o que puderam levar e já sabem perfeitamente que não há ouro nenhum por lá além das joias da família que já surrupiaram. Como a rede de informações do submundo do crime funciona muito melhor que os próprios serviços de inteligência da Polícia, é mais que evidente que assaltante nenhum vai querer se arriscar em uma operação de alto custo e altíssimo risco para procurar uma coisa que sabidamente já não existe, que talvez nunca tenha existido da forma como a lenda propagou.

O Paulinho Saldanha nunca viu nem ouviu falar de tal legado lendário, que muito provavelmente se originou da imaginação de alguma jovem amante do velho Coronel da Guarda Nacional deslumbrada com a sua abastança inusitada na visão de pessoas que viviam em uma região tradicionalmente pobre, desprendidas da cobiça, da ambição e da inveja em relação aos bens alheios. Talvez tudo nunca tenha passado de mera pabulice de alguma jovem amante (parece não ser mito que o velho Coronel era um grande apreciador de ninfetas) com o único objetivo de fazer inveja às outras mulheres que não tinham o privilégio de frequentar as redes e a alcova do galante Coronel da Guarda Nacional. Não nos esqueçamos de que até mesmo Dom Francisco Xavier-Rey, o santo homem que levou educação às comunidades ribeirinhas do Guaporé, foi também alvo do maldoso mito de que tinha uma grande prole espalhada pelos barrancos do rio, simplesmente pelo fato de que as primeiras alunas que ele recrutou para torná-las professoras nas comunidades ribeirinhas ficaram sendo conhecidas como as filhas de D. Rey. Todos os grandes homens são cercados por lendas. Coube ao Coronel Saldanha ser alvo da lenda dos lingotes de ouro, bem menos injusta que a lenda urbana sobre o legendário Bispo que mudou os destinos das comunidades do Guaporé...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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