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Luka Ribeiro

A SAGA SALDANHA; O CORONEL SALDANHA - Por Felipe Azzi


                                      

Felipe Azzi                  
         

                     A história dos Saldanha se confunde com as terras do Vale do Guaporé, fazendo eco nos primórdios de Guajará-Mirim. Há registros da presença desses pioneiros, ainda no alvorecer da cidade, na pessoa de seu patriarca Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha – o Coronel Saldanha – já nos idos de 1913, quando o povoado dava os seus primeiros passos ao receber os trilhos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. É que na ocasião, o Coronel Saldanha assumiu a gerência da empresa Guaporé Rubber Company, que, aliás, lhe impôs uma penitência em formato de tarefa desgastante, pois teria que trabalhar mediante as ordens de ingleses, embora já fosse amigo do americano Percival Farquhar.

A SAGA SALDANHA - O CORONEL  SALDANHA - Gente de Opinião
Em 1985, o patriarca da Família Saldanha, uma das mais tradicionais de Guajará-Mirim, vereador Paulo Saldanha discursava na abertura dos Jogos Escolares na Pérola do Mamoré. Fonte: Arquivo/SECEL

No caso, uma ironia, já que há bem poucos anos passados, ainda como Alferes, dera combate renhido aos “gringos”, em tempos do comando de sua primeira unidade militar, em Boa Vista do Rio Branco, hoje o atual Estado de Roraima. Ali travou pequena batalha contra os anglo-saxões que haviam invadido o território brasileiro e produzido mortes de seus leais comandados, num número de sete, quantidade menor de baixas ocorridas no ambiente dos estrangeiros invasores.

                      Outros documentos atestam que, em 1917, o Coronel Saldanha já era possuidor de terras às margens do rio Cautário, afluente brasileiro do rio Mamoré, onde vicejava a exploração do látex, matéria-prima originária dos seringais nativos, cuja comercialização, inclusive exportação, era monopólio da Guaporé Rubber Co.

                      Chegou à região, não como aventureiro ou caçador de riquezas naturais, mas como homem empreendedor, trazendo na bagagem de vida a experiência acumulada em Boa Vista, no comando de unidade militar de fronteira, e com singular passagem pela Capital do Estado do Amazonas, onde exerceu mandato legislativo.

                       O seu passado remonta a uma incidental interação com o lendário Antônio Conselheiro, na esteira dos acontecimentos que destacaram “Canudos” na história pátria.

                       De origem familiar cristã católica cearense acostumada a enfrentar desafios, não é de admirar que a sua trajetória de vida fosse marcada por lutas em todos os seguimentos sociais. Foi parlamentar, líder regional, comandante militar, executivo ousado e empreendedor.

                       Ao expirar o apogeu da era da borracha, a extinta Guaporé Rubber Co. motivou a criação da Empresa de Navegação do Guaporé, que acabou sendo de propriedade do Coronel Saldanha. Esta empresa marcou um tempo próspero da navegação fluvial na região, servindo com eficácia e reconhecida segurança, às localidades pioneiras e logradouros ribeirinhos, na época, de precárias condições de sobrevivência.

                      Cavalheiro, de proceder elegante, quando necessário. Dispensava especial atenção às damas de fino trato, a quem tratava com mesuras de encurvamento do corpo e sugestivo “beija mão”, sem desmerecer as outras, de aproximação comum, também destinatárias de seu bom gosto feminino.

                       Não refugava um combate, fosse na frente de fogo militar ou mesmo na calada de uma emboscada. Como da vez que desbancou a valentia de certo opositor político, ainda no tempo de Alferes, o que lhe rendeu fama popular quando transitava pelas ruas de Manaus, ouvindo o povo cochichar: 

                        –Esse é o tal Alferes que, a poder de socos e cachações, jogou por terra uma emboscada de maus bofes!

                       Houve até mesmo quem afirmasse que a arma usada na refrega fora  o recurso do “rabo de arraia”, habilidade que adquiriu quando em férias na capital baiana.

                      Não admitia desrespeito a autoridade, fosse no comando de tropa ou na defesa de seus direitos. Botou para correr um “menino de recado” do Alto Comando da Guaporé Rubber Co., ao encontrá-lo sentado e com os pés cruzados sobre a escrivaninha de seus despachos, esbravejando: 

                       – O comando é meu e dele não abro mão!... Diga aos seus companheiros  de vassalagem monárquica que, no Brasil, só prestamos mesuras de corpo arcado a Nosso Senhor Jesus Cristo... Que venham em termos, e não com mexericos  de mariquinhas. Fresco de uma figa!...

                      Era homem de iniciativas e encontrou em Monsenhor Francisco Xavier Rey o parceiro para grandes realizações no Guaporé. Ajudou o prelado na implantação de comunidades, escolas, capelas e outros melhoramentos que a região incipiente reclamava. Em Guajará-Mirim, construiu o Hospital Santa Teresinha, precursor do Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, bem como a primeira Capela, sob a inspiração também de Santa Teresinha que, mais tarde ampliada, se tornaria a Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, hoje carinhosamente chamada IGREJINHA por corações saudosos guajaramirenses.

                       A promoção inesperada ao posto de Coronel, em nada mudou a sua rotina pessoal. Em 1929, o Presidente Washington Luiz outorgou-lhe o título e as prerrogativas de Coronel da Guarda Nacional, medida que desde o tempo imperial o poder central adotava, como meio de manter a unidade nacional, reconhecendo o valor e a liderança de homens empreendedores e de notável fidelidade política ao Governo. O então Alferes se destacara defendendo interesses nacionais, primeiro nas terras do Rio Branco, quando expulsara intrusos ingleses, depois na fronteira de 1700 quilômetros que divide o espaço geográfico entre Brasil e Bolívia.

                      Por essa mesma época, recebeu, pelas mãos do próprio Presidente da nação boliviana, a Comenda com a medalha Condor dos Andes, em gesto de agradecimento e reconhecimento, pelos serviços prestados, com eficácia e interesse pessoal, no combate a surto semelhante a difteria que assolava o povo da cidade de Puerto Sucre.

                      Curioso, e mercê de seu aprendizado no combate a endemias junto ao médico Jaime Pereira, ainda na cidade de Boa Vista, mantinha nas dependências de sua empresa relativo estoque de medicamentos de uso e efeitos conhecidos. Assim, por vezes, ora era médico empírico, ora era prático de farmácia. A população Guapomamorense agradecia, pois profissionais de medicina por lá não passavam.

                        Mas a autoridade do Coronel Saldanha não se restringia apenas a seu mister político-administrativo. Ia muito mais além, desde a implantação do primeiro abatedouro bovino para abastecimento de carne à população, exercendo por vocação de comando as vezes de Conselheiro em questões do cotidiano das pessoas e, até mesmo, Juiz de Direito, de fato, na solução de querelas tão comuns no corriqueiro de um povoado nascente.

                      Certamente, como pioneiro no lugar, inaugurou o espírito galhofeiro dos Saldanha. Conta-se que certo cidadão, cativo de prótese dentária, pediu-lhe que o atendesse com uma porção de carne macia, dada a dificuldade de mastigar. De pronto, o Coronel Saldanha, com a mão direita afagando o próprio pescoço, determinou que fosse atendido:

A SAGA SALDANHA - O CORONEL  SALDANHA - Gente de Opinião
O livro “O alferes e o coronel” é um romance, baseado em fatos. Na realidade, o 'herói' tem para a história das regiões nomeadas como Roraima e Rondônia a mesma importância política que um Galvez e um Plácido de Castro tiveram para a história acreana. Na narrativa, produto do conhecimento real do terreno por onde trilharam o alferes e o coronel, buscou-se transportar para a imaginação do leitor, a visão dos cenários que a natureza de Roraima oferece.

                 – Antonio Felipe, entregue ao bom velhinho a cabeça do filé mignon, que é parte que melhor calha para um mastigar macio...

                       Caso pitoresco ocorreu com o seu compadre Melchiades Santos que, tomando o tempo do Coronel, com uma questão de somenos importância, ao se despedir, levou pelas costas uma “banana” solteira de penca. Melchiades, mesmo de soslaio, viu a consumação da remessa da “banana”, ao que instou o seu compadre:

                      – Coronel... Não faça isso comigo... Não me dê “banana”!

                        – Não imagine coisas, caro amigo!... Veja a situação de seu compadre – disse o Coronel. – E completando: – Ocorre que fui tomado de uma erisipela nojenta no braço e, ao coçar, faço esse movimento comprometedor!

                         Há muito folclore a respeito da atuação do Coronel Saldanha. Estórias e casos, muito interessantes, que deixam às claras a personalidade forte de enérgico administrador, de convivência fácil e agradável, e da responsabilidade pública desse militar que, em boa hora, aportou em nossas terras.

                           Esse breve relato, nem de longe tem a pretensão de uma biografia. Mesmo porque, biograficamente, o Coronel Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha vive nas letras da obra “O Alferes e o Coronel”, da lavra do escritor Paulo Cordeiro Saldanha, guaporense por inteiro, e não por acaso sobrinho neto do Coronel que, vindo das terras de Iracema, aqui criou raízes, enamorado que ficou das barrancas do Guaporé.

                            O Coronel Saldanha, de lembrança carismática, deixou para a região, além dos investimentos de seu trabalho e talento de homem público, uma herança familiar que, mais tarde, viria enriquecer ainda mais o histórico dos Saldanha.
 

                                                                                                                                     Continua...

                   

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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