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Gente de Opinião

Hugo Evangelista

A 'tia' CHIQUINHA



Hugo Evangelista da Silva*
 

Uma das mais antigas moradoras do bairro Santa Bárbara atende pelo nome de Francisca da Chagas Bezerra, a quem conhecemos como “d.CHIQUINHA”. Reside no mesmo endereço – Avenida Brasília nº. 1639 – desde que aqui chegou aos primeiros instantes da ocupação desse espaço e, por isso, sabe em pormenores das agruras por que passaram as pessoas aqui chegadas em suas primeiras horas quando ainda não estavam definidas sequer as próprias ruas do bairro. Eram dias imediatos à criação do Território do Guaporé, pelo que situo sua chegada entre os anos finais da década de 40 e os anos iniciais da década de 50, do século passado. A sua origem, segundo me informou: algum estado nordestino. Sua idade: (?) nunca me disse, mas, creio eu, já some uns noventa janeiros!

Quando me determinei a fazer os registros que comporiam o meu novo livro – o Santa Barbara – elegi algumas pessoas que, a meu ver, podiam dizer-me acerca da ocupação e da consolidação do bairro ao decurso de tantos anos e, por isso, saltou-me à mente o pioneirismo de alguns moradores, dentre os quais está a d. CHIQUINHA, quer por sua longevidade; quer pelos tantos anos de convívio entre nós. Por ser minha vizinha há muitos anos, conquanto, tenha chegado por aqui bem antes do meu nascimento, costuma dizer, com certa razão, que me conhece antes mesmo de eu ter nascido. Eu, carinhosamente, chamo-a de “tia”. A tia CHIQUINHA!!!

Nas primeiras conversas em que busquei saber a respeito da vida da “tia” CHIQUINHA ela, reticente, deu-me poucas informações e foram essas as únicas que obtive. Ao indagar-lhe, noutra ocasião, sobre o mesmo assunto, ela, espertamente, perguntou-me em tom agressivo: “Por que você está tão interessado em saber da minha vida?” Diante da informação de que pretendia que no meu próximo livro, no qual contaria histórias do bairro Santa Bárbara e de seus moradores, contivesse algumas páginas versando a seu respeito, d. CHIQUINHA, ainda em tom mais grosseiro, assegurou-me: “Minha história de vida não tem nada de interessante! Não serve para fazer livros!” Negar-se-ia, a partir de daí, a me prestar quaisquer outras informações sobre si e quanto aos seus.

Tudo que me contou cabe em poucas linhas: Chegou à região vinda do nordeste acompanhando o marido que, aos tempos da Guerra, fora mais um incauto a acreditar nas promessas do Governo Federal e, por isso, engajou-se no front como “soldado da borracha”. Vieram parar nos seringais, onde permaneceu por vários anos, de lá saindo sozinha com seus primeiros filhos, depois da morte do esposo. No caminho conheceu outro “soldado da borracha” a quem esposou e deu-lhe filhos: o Sr. João de Brito. Foi com ele que chegou a Porto Velho, depois da malfadada experiência nos seringais. Disse-me, também, que o terreno onde está edificada a sua casa conseguira a par uma troca realizada com a antiga proprietária. Contou-me: “A única coisa de valor que eu tinha àquele momento era uma espingarda. Linda! Seu corpo parecia o de uma “mocinha”! A proprietária do terreno não resistiu aos encantos da arma e se decidira pela troca – elas por elas. Tudo isso aconteceu por volta do ano de 1951. “Salvo engano!” – disse-me.

Soube, também, da sua condição de pensionista do INSS, enquanto viúva de soldado da borracha, pelo que recebe o “quantum” de dois salários mínimos, mensalmente. Como convive com vários de seus descendentes – filhos e netos – e, como nenhum deles tem emprego estável e nem renda fixa definida, é esse valor que basicamente se presta ao custeio de suas necessidades mensais. Com freqüência os seus minguados recursos se findam antes do término do mês, mesmo se estando a atravessar o mês de fevereiro que, embora sendo menor em dias, acomoda muitas festividades.

Exauridos seus tostões, d. CHIQUINHA usa recorrer, com freqüência, a seus vizinhos mais próximos para o fim de suprir-lhes, por empréstimo, a importância de que necessita. Vale-se, quase sempre, das mesmas pessoas: eu, o João de Deus e o Auterlito, que trabalhamos próximo a sua casa e, por isso, a temos acudido nas horas em que lhe faltam o gás ou algum alimento. O pagamento faz-se a uma pontualidade invejável. E, das vezes que nos recusamos ao recebimento do valor emprestado, até por sua irrisória quantia, escutamos a recusa veemente de nossa vizinha: “Negativo, esse dinheiro não me foi dado, foi emprestado! É minha obrigação pagá-lo, a sua é de recebê-lo!” - reagiu aborrecida.

Dos seus tantos filhos, de quem sou mais próximo, são: a Terezinha, o João Grilo, o Alfredo e a Raquel. Dos genros: o Freitas. Dos netos: o Duda, o Zógui, o Moraes, o Gabriel e o intrépido Adriano das Chagas – o popularíssimo “Nego Boy” – que é, para mim, particularmente, o mais próximo. A razão de tamanha proximidade – impagável honraria – decorre do fato do “Nego Boy” ter penetrado na minha família via de um relacionamento amoroso de curta duração com minha irmã – a Maria da Graça – o que só fiquei sabendo via de alguns “fofoqueiros” – dentre tantos o “Fininho” – quiçá por pura inveja da boa vida que estava levando meu ocasional cunhado, à custa da minha “sister”. Quando lhe cobrei explicações, ele, com inusitada sinceridade, disse-me: “É verdade, doutor! Infelizmente é a mais pura verdade!” Perguntei-lhe então: “Você teve coragem de fazer isso comigo?” Ele, abrindo os braços, como a gesticular um pedido de desculpas, respondeu: “É ela é quem pede! Eu só faço atendê-la, doutor!” Tive que reconhecer: a razão estava ao seu lado. Nada haveria, pois, a abalar nossa amizade!  

Pela proximidade que mantenho com os descendentes da “tia” CHIQUINHA, ou por suas habilidades, os tenho ocupado, com regularidade, na execução de pequenas tarefas, o que, por vezes, tem me causado sérios aborrecimentos. Eu, à conta de tanta convivência, insisto em manter a velha amizade. O Alfredo – também chamado “Cabinho” – e o Duda executam serviços de pintura de paredes. O Freitas – popular “Fininho” – é pedreiro azulejista e especialista em serviços de acabamento. Quando procurei saber de suas qualidades profissionais, avisaram-me: “Pense num pedreiro doido!” Eu, de imediato, não “captei” a mensagem! O Moraes executa serviços de limpeza. O Gabriel leva e traz recados e o “Nego Boy”, pelos laços familiares de outrora, só me faz raivas.

* Advogado, escritor e memorialista, conta histórias que viu ou ouviu sobre nosso estado, nossa cidade e do bairro em que nasceu e reside: o Santa Bárbara. e-mail: [email protected]

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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