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Matias Mendes

A VOLTA DO TESOURO PERDIDO: Ladrão Ajuizado


                 Por MATIAS MENDES

                Eu costumo dizer que há coisas que só acontecem comigo e com o meu Botafogo, tomando de empréstimo uma expressão usada pelo saudoso botafoguense de origem acreana Armando Nogueira. E é a pura verdade, acontecimentos inusitados costumam atingir-me, felizmente a maioria deles de forma positiva como a minha recente sobrevivência em um acidente com voadeira no rio Guaporé, quando escapei ileso do quadro acidental no qual em cem casos pelo menos uns noventa e nove morreriam fatalmente. Eu, porém, não morri, não fiquei ferido, tive apenas insignificantes escoriações e nem mesmo o barco do acidente sofreu qualquer tipo de dano. Eu ainda me nego a dizer que escapei por milagre por não me considerar merecedor de um milagre de tal porte, mas que salvação foi miraculosa não há dúvida nenhuma, foi de fato coisa pra gente de corpo bem fechado, eu só não sabia que o meu ainda era tão fechado assim.

                No entanto, meu artigo de hoje não é para tratar de nenhum acidente, mas sim de um curioso caso de natureza policial. Acontece que há seis meses, no período tumultuado de obras de reforma no Château de la Liberté e operações de mudança de Porto Velho para Guajará-Mirim eu tive uma coleção muito especial de CD’s furtada de casa por um determinado elemento que trabalhou nas obras. Eu sempre soube quem era o ladrão, ainda fiz uma operação na tentativa de recuperar os objetos levados, mas não consegui apanhá-lo em sua casa e tive de registrar a ocorrência na Polícia. Ao entregar o caso para a Polícia eu sabia perfeitamente que estava perdendo em definitivo os meus objetos, não pela incompetência da Polícia, mas sim pelas limitações impostas pela lei em relação aos interrogatórios de suspeitos de furtos, que não podem ser maltratados, não podem ser exaustivamente interrogados, bastando-lhes apenas negar a autoria do furto. Como entre o meu bote no mocó do malandro e a queixa registrada na Polícia havia transcorrido uma noite inteira, era mais que evidente que o safado se livraria dos objetos incriminadores antes da chegada da Polícia até a sua casa. E foi de fato o que aconteceu, na batida que a Polícia deu no dia seguinte na casa do suspeito nada foi localizado dos meus objetos. Conduzido à Delegacia, o elemento simplesmente negou a autoria do furto e o inquérito policial seguiu o seu curso sem nenhuma elucidação do furto. Eu tive de me conformar em perder minha preciosa coleção de músicas.

                No entanto, como o meu aprendizado de investigação veio de vertente militar, eu tenho um certo domínio de questões psicológicas e contrainformações. Arrisquei, sem muitas esperanças, um método bem usual, vazei uma informação no sentido de que, transcorrido o devido tempo e esquecido o inquérito policial, eu iria proceder a um simples queima de etapas, daria ao ladrão devidamente identificado o castigo capital, em justa troca, eu ficaria sem os meus CD’s de estimação e ele perderia misteriosamente a vida, caso no qual eu adotaria a sua mesma postura, simplesmente negando a autoria e apresentando o mais incontestável álibi de que não poderia haver estado na cena da sua trágica morte.

                O meu lúgubre recado chegou por certo ao ouvido do ladrão. Como eu já havia feito uma operação noturna na sua casa, ele certamente não duvidou da seriedade da sua trapalhada, pois na verdade quando ele fez o furto nem sequer imaginava as coisas que eu seria capaz de fazer. O transcorrer do tempo por certo aumentou o seu terror de morrer a qualquer tempo. Certamente muitas noites de sono ele perdeu imaginando como se safaria da encrenca em que se havia metido. Ele terminou por chegar à conclusão que não poderia descartar os objetos simplesmente, atitude que o livraria dos rigores da lei, mas não do rigoroso castigo do dono das preciosidades musicais. A dispersão que por certo ele já havia feito dos vários objetos certamente deu-lhe algum trabalho, mas ele, depois de seis meses, conseguiu reunir a parte mais significativa dos meus raros CD’s de Nélson Gonçalves, Altemar Dutra, Orlando Silva, Cauby Peixoto, Ângela Maria, Núbia Lafayete, José Roberto, Paulo Sérgio, Roberta Miranda, Reginaldo Rossi, Nana Caymmi, Carlos Alberto, Seleção de Boleros Castelhanos, todos incluídos em uma lista que forneci à Polícia no ato do registro de ocorrência. Pois bem, embora o suspeito tenha negado a autoria do furto, um total de 38 CD’s acondicionados na mesma caixa em que se encontravam foram devolvidos à minha casa sem que fosse preciso qualquer diligência para recuperá-los. O ladrão revelou-se um tipo ajuizado, não quis mais arriscar a própria pele para conservar o tesouro musical roubado.

                Como meus principais CD’s foram devolvidos, os poucos que não apareceram são de valor irrelevante porque podem ser encontrados no comércio, de minha parte eu suspendo a sentença de pena capital contra o indigitado. A devolução da parte mais significativa dos CD’s é a mais eloquente confissão de culpa que se poderia obter nas atuais circunstâncias. O inquérito policial vai continuar pesando no seu lombo pela vida afora, ele ainda precisa dar conta das armas furtadas junto com os CD’s, precisa entender-se com o Ministério Público, depois com o Judiciário, tem ainda muita água para rolar sob a ponte das suas desventuras. De mim ele está livre, cessaram as razões que eu tinha para castigá-lo, mas a encrenca com a Justiça ele terá de resolver, para aprender a nunca mais mexer nas coisas de quem ele não conhece, para ele deixar de ser espertinho e aprender de uma vez por todas que a esperteza sempre vai fenecer quando se encontra com a inteligência, com direito ao trocadilho que a expressão envolve.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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