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CONVERSA DE URUBU



Por Simon Oliveira dos Santos

_Bom dia Uru! Bom dia Bu!, Arrumando as malas?

_Sim Bu, tô de partida para a cidade, irei me alojar no alto de um prédio ou mesmo em um poste da fiação elétrica e ficar de boa, esperando a carniça passar. Lá a comida é farta, os homens adoram jogar lixo na rua, nos quintais e nos terrenos baldios. Fiquei sabendo desse oásis, por um primo meu que mudou-se para a cidade no ano passado, e de tanto comer, já está  obeso,  e vive lá empoleirado na sombra de uma ingazeira, dando-se ao luxo de escolher entre uma carcaça de cachorro ou tutanos de ossos de boi, que os açougueiros jogam nas entradas das cidades. Ele me disse ainda que prefere tutano, rico em colágeno para manter a pele sempre jovial.

_Mas Uru, você está desafiando uma lei da natureza que determina desde tempos remotos, nossa condição de bicho da floresta, e que devemos obedecê-la e repassá-la aos nossos descendentes, infinitamente. Sei que a vida na floresta tá barra pesada, “ estamos vendendo o almoço para comprar a janta”,  encontrar carniça  está ficando cada dia mais difícil, mas não podemos esmorecer e nem nos acovardar perante a “ crise  carniçal”. Veja só, mesmo correndo riscos de contaminação, é possível encontrar sem muito esforço, carniças de pássaros e pequenos animais às margens das pastagens e roçados,  vítimas dos herbicidas e pesticidas aplicados pelos homens.

_Sei muito bem disso Bu. E sei também que nossos antepassados estavam certos. Eles viveram na fartura, nunca faltava comida. Comiam caitutus, veados, pacas, antas  e até suculentos e apetitosos guaribas.  Desfrutavam e se davam ao luxo de escolher qual carniça comer. Eram sadios, fortes e viviam nas alturas se divertindo nas correntes de ar, sem bater as asas, plainando para cima e para baixo.

Viveram em uma época de abundância, de comida farta em florestas imensas povoadas por bandos de queixadas, quatis e guaxinins, sem contar os mutuns, jacus e jacutingas, iguarias  das  mais finas, destinadas aos mais velhos do clã. As florestas eram imensas, a perder de vista, o clima era agradável, ameno e as árvores se projetavam rumo ao céu como se fossem imensas catedrais góticas. Era um paraíso a céu aberto onde não faltava “Leite e Mel”,  e a palavra “ crise”, não existia em seus dicionários e nem contava em suas enciclopédias. Os tempos agora são outros, “ são tempos de vacas magras”, e quem não migrar para as cidades, corre o risco de definhar e morrer à espera de um milagre.

_Bu! Não temos escolha. Quem insistir em ficar no que sobrou das florestas terá um destino trágico. Milhares de nossos irmãos já vivem nas cidades. Adoram a vida urbana. Vivem perambulando pelas  ruas, avenidas  e nos lixeiros a caça de comida. É certo que o trânsito nas cidades é infernal. De vez em quando, um dos nossos morre atropelado ou é vítima de bala perdida, coisa comum em alguns centros.

_ Bu! A vida urbana é muito sedutora. Além de não faltar comida, podemos nos divertir á beça. Coisa rara na floresta, onde só ouvimos os ruídos dos pássaros e o monótono balançar das árvores. Na cidade, o “batidão” é doído, as minas piram e há  diversão em cada esquina. Meu primo disse que já comprou um Iphone 5, com o contrabando de carniça para a Bolívia, “ só leva iguaria fina”, tipo tutano de boi, resto de marmitex, sobras de coxinhas, empanados e pastéis. 

_Temos que nos apressar mano, pois todos os dias chegam urubus nas cidades. Daqui uns dias  não terá mais espaço para tanta gente em busca de fartura e vida mansa. Bu! Deixa de ser sentimental e cai na realidade. Vamos partir. Esqueça essa onda de floresta. isso é coisa do passado. Nosso mundo agora é outro. Vamos nessa. Mergulhar de cabeça em outras vibrações e tomar de assalto todas as cidades do mundo.

_Bu! Estou ansioso. Não vejo a hora de encontrar meu primo. Marcamos o encontro no lixão da cidade, onde estão alojados milhares de urubus a espera dos caminhões de lixo que despejam diariamente toneladas de dejetos, onde  garimpam o pão de cada dia. Chegando lá, vou adotar  uma dieta light para não correr o risco de engordar como o meu primo. O coitado, de tanto comer porcaria, só vive fazendo dieta. Ah! Tô louco para navegar na internet. Diz o meu primo que é show. Lá, a gente encontra  o ranking das cidades mais sujas do mundo. Conforme for, passo uns dias em Nova Mamoré e sigo vôo para Guajará-Mirim.

Autor: Simon O. dos Santos

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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