Terça-feira, 19 de março de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Hugo Evangelista

Dos RELÓGIOS e da PONTUALIDADE


 

Hugo Evangelista da Silva*
 

Os relógios de pulso foram, aos tempos de minha infância, o meu sonho de consumo. Comparo aquela obstinação à que muitos dos jovens de hoje devotam aos telefones móveis mais sofisticados - os chamados “i-phone e smartphone” – que lhes levam a formar gigantescas filas à entrada das lojas de departamentos na busca desesperada de comprar o lançamento da hora. Lembra-me, daqueles tempos, a crise de ciúmes que me abateu certa noite quando ao sairmos a passear no arraial que acontecia na igreja do bairro – a Nossa Senhora das Graças – meu pai, atendendo ao pedido de meu irmão mais velho, permitiu-lhe que desfilasse garbosamente com o seu relógio ao pulso. Senti-me demasiado preterido e fiz, àquele instante, uma promessa a mim mesmo: “um dia, quando bem remunerado, haveria de dar-me o relógio mais bonito do mundo!

Anos mais tarde, eu ainda um pré-adolescente – com idade ao redor dos quinze anos – tive concedido, por meus pais, o direito de sair sozinho à noite e vislumbrei na autorização a oportunidade de reparar a ”enorme injustiça” outrora sofrida. Digo-lhes: Sabendo que meu pai tirava do pulso o seu relógio à hora de dormir, esperei a ocasião de seu sono para apossar-me do “objeto do desejo”, para, colocando-o em meu pulso, desfilar entre os amigos na festa que tinha lugar na mesma igreja do bairro. N’algum momento alguém me pediu pelas horas e ao buscar atendê-lo fiz uma constatação que me apavorou: os ponteiros do relógio estavam parados! Voltei correndo para casa, acertei as horas, pus o relógio de meu pai no lugar onde o havia alcançado e fiquei a imaginar o ”pito” que ouviria no dia seguinte, o que, para minha surpresa, não aconteceu. O relógio, de certo, haveria de ter voltado à sua normalidade, presumi!

Ao tempo do meu primeiro emprego o sonho de consumo juvenil, acalentado por tanto tempo, já não integrava mais a lista de minhas prioridades. Essa a razão pela qual não sei precisar o momento exato em que comprei o meu primeiro relógio de pulso. Posso afirmar à margem de qualquer dúvida, entretanto, que todos que adquiri conduziram-me à mesma decepção final: funcionaram por um breve tempo, para, em seguida, sem mais nem menos – atrasaram-se nas horas ao início, para, depois, travarem seus ponteiros! Depois de tantas frustações e desnecessários estipêndios financeiros entendi conveniente desistir dos relógios!

Dia desses tentando colocar ordem a velhos alfarrábios encontrei um surrado diário de viagem no qual eu havia grafado em alguma de suas páginas: “Data: 09.05.2009 - a viagem entre Paris e Genebra passa por Lausanne, com chegada prevista para as 12:00hs. Dali rumaríamos ao destino final, com partida fixada para as 12:17hs. O TGV chegou e partiu – incrivelmente! – quando o relógio instalado à plataforma da gare marcava 12:00 e 12:17hs, respectivamente, nem mais nem menos”.

Aquela leitura trouxe-me à lembrança mais uma de minhas tantas teimosias. Conto-lhes:

Quem for a Genebra, em primeira visita, saltar-lhe-á aos olhos, certamente, a expressiva quantidade de relógios, colocados às ruas ou afixados à frente das lojas. Dentre algumas e com muita frequência, destaca-se uma marca muito comercializada em nosso país, a quem os publicitários nacionais resolveram por chamar seu relógio, em comerciais, de “o suíço mais pontual do mundo!”. Não há uma só esquina em que não sejam avistados relógios a indicar, com invejável pontualidade, as horas do dia. Não se tem motivos, estando-se em cidades suíças, para se “perder das horas”.

Ao fim da visita resolvi – como de regra – comprar algumas lembranças para presentear aos amigos mais próximos ao instante de meu regresso. Por sugestão da amiga que ali me ciceroneava – a Maria Vitória – comprei algumas peças de cutelaria, alguns artesanatos e variados chocolates. A minha sabida incompatibilidade ao uso dos relógios de pulso, contudo, não evitou que me encantasse com um belo exemplar do aqui chamado “o suíço mais pontual do mundo” e, não resistindo a seu encanto, o comprei.  Coloquei-o no pulso momento antes de iniciar o percurso de volta e ative-me aos trâmites alfandegários, para, logo depois, embarcar no TGV que me levaria a “cidade luz”. Durante a viagem, que leva horas, detive-me a apreciar a paisagem e não me ocupei do relógio, só o lembrando ao chegar ao Hotel. Ali verifiquei – surpreso – que o meu “suíço” não era “o mais pontual do mundo”, seus ponteiros situavam-se aquém das horas. Mais uma decepção!

Faz tempo fui presenteado por um amigo e cliente – o Ernesto – com um relógio de pulso de singular beleza. Era um moderno exemplar da afamada marca suíça. Por precaução não ousei sequer colocá-lo no pulso. Ao receber, olhei-o, agradeci ao amigo e mantendo-o no belíssimo estojo que o acomodava, guardei-o numa gaveta. Sabendo da enorme simpatia que nutre meu filho – o Emanuel – pelos relógios de pulso, aguardei uma ocasião apropriada e dei-lhe de presente. Sempre que o visito – ele mora em Manaus – peço-lhe notícias sobre o presente, sobretudo sobre sua pontualidade, e recebo de sua parte muitos elogios. Dia desses, em visita a meu primogênito varão, verifiquei que ele tinha ao pulso outro relógio ao que, incomodado, perguntei-lhe: “O relógio que te dei quebrou? Ele respondeu-me: “Que nada! Aquele é muito especial! Eu só o estou usando em ocasiões igualmente muito especiais!”

Ao tempo em que me dispus a escrever esta crônica busquei encontrar – na “maior enciclopédia do mundo” – uma resposta capaz de explicar essa minha inconveniente capacidade de danificar relógios de pulso. Dentre poucas que encontrei duas chamaram minha atenção: uma, com singelo ranço científico, leciona: “O ritmo do coração é muito lento, ou muito rápido, algumas pessoas possui mais negativos ou positivos magnéticos no corpo ou ainda tem muita eletricidade. O magnetismo e a eletricidade é um fator normal em cada individuo. Faça um simples experiência, se (em) um cidadão não funciona o relógio, deixe ele ficar descalço na grama, molhada e verá o relógio funcionar, se for a pilha ou bateria. Em caso for a corda idem, é só dar corda. Não estou brincando, vera, funciona”;e outra, com viés religioso, garante: “Encapetamento, do relógio ou da pessoa. Leva os dois na IURD para desencapetar”. Com a saúde um tanto fragilizada, a ponto de comprometer minha prática literária, decidi: Preciso, com urgência, consultar um cardiologista! Ou, quem sabe, adotar a segunda opção. Cruz, credo!

* Advogado e memorialista, conta histórias que viu ou ouviu sobre nosso estado, nossa cidade e do bairro em que nasceu e reside: o Santa Bárbara. E-mail:[email protected]

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoTerça-feira, 19 de março de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

‘SEU’ CALIXTO – UM MODESTO TESTEMUNHO - Por  Hugo Evangelista

‘SEU’ CALIXTO – UM MODESTO TESTEMUNHO - Por Hugo Evangelista

‘SEU’ CALIXTO – UM MODESTO TESTEMUNHO Hugo Evangelista da Silva* O“bar do CALIXTO” é resultado da determinação conjunta de seus proprietários, o Sr. F

COISA DE ESCREVINHADOR

COISA DE ESCREVINHADOR

  Hugo Evangelista da Silva* “Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pesso

'Mãe' ESPERANÇA RITA

'Mãe' ESPERANÇA RITA

Hugo Evangelista da Silva* Oinventário criterioso que se faça acerca das mulheres que, por suas tantas qualidades, foram decisivas para a formação e c

O 'bar' da DEUSA

O 'bar' da DEUSA

  Hugo Evangelista da Silva*   O bar SERENO ou “bar da Deusa”, como popularmente chamado, era um misto de residência, de bar, de estância para muitas

Gente de Opinião Terça-feira, 19 de março de 2024 | Porto Velho (RO)