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Jéssica Frocel

FILOSOFIA CONSTITUCIONAL EM 2017: ou o ano do Técnico Jurista



O Estado é um ente evolutivo, mais do que mutável, ele se encontra num processo intenso, constante e ininterrupto de mudança. Da mesma forma é possível pensar o Direito e suas diversas subclasses ou áreas de conhecimento específico. Para tanto, seguindo essas premissas, infere-se que a Filosofia Constitucional – parte essencial do fazer e entender o Direito – comporta-se da mesma forma – se não, num ritmo ainda mais rápido, haja vista que o direito é, em suma, o pensar, o subjetivo e esse último acompanha a “corrida social-ideológica”.

Primeiramente, faz-se necessário criar uma imagem do que seria o panorama geral da Filosofia Constitucional anterior, até chegarmos aos dias atuais e a seus aspectos deturpados na Modernidade Tardia.

Como sua própria etimologia sugere, a área explorada nesta explanação se refere ao conhecimento pragmático da fixação normativa estatal e afins. Tendo seu enfoque no Texto Magno, a filosofia é um pilar do conhecimento constitucional que atinge toda a população. Porém, hodiernamente, não é mais do que um elemento criativo, ou mesmo comida ideológica e cultural que serve ao Estado, mais precisamente, ao Poder Legislativo.

Regredindo a tempos mais pretéritos, antes de mais nada, é possível observar que sua importância era não exatamente maior, mas que se inoculava com reconhecimento em escala mais significativa. Isto valia tanto para os técnicos quanto para a academia e que, baseando-se nos princípios e na filosofia que redigia a ética pública, viria a formar indivíduos e, consequentemente, técnicos e teóricos mais republicanos: ao menos em intenção promocional do Estado de Direito e da Constituição.

Acadêmicos como Robert von Mohl seriam o start constitucional, ainda que redigissem somente a garantia dos direitos individuais. Sabia-se, àquela altura, que os direitos fundamentais seriam a pedra angular do direito republicano. Um fenômeno jurídico (com força de natureza jurídica) deveras limado pelas reformas legislativas que anulam as conquistas de direito.

Na Modernidade Tardia, ao revés disso, forma-se um círculo em torno dos interesses capitalistas pré-programados e, certamente, não muito benéficos para não dizer, completamente prejudiciais, ao direito como um todo.

Há, então, o despertar de uma situação bastante complicada pois, ao se despender o conhecimento profundo e fundamentado (que advém da ciência filosófica), limitando-o no campo jurídico da aplicação prática e pura (característica do sistema jurídico brasileiro: Civil Law), compreende-se o distanciamento da realidade diante do clausura do direito na condição limitada da lei: lato senso, é taxativa a valorização do texto normativo e sua obediência, obtendo-se um Direito para o Estado (essencialmente o “dever ser”) e não para o povo (o justo).

Continuando nesta mesma linha de reflexão, é possível observar, mesmo que ainda não muito claramente, a raiz do problema: “a antropofagia legal”. Ocorre quando o povo é obrigado a regurgitar a cantilena de que é preciso obedecer à lei; ao passo que para o próprio Judiciário reza a máxima do regime de castas: “autonomia sem auditoria”.

Mas, o povo, como intérprete do bom senso, sabe reconhecer a falsidade ideológica e o abrandamento moral do poder. Pois, já estamos convictos de que “autonomia sem auditoria é autocracia”. Tal qual a mãe educadora que impõe limites ao filho.

Diga-se de passagem, o Brasil, dado principalmente seu processo colonizador (autoritário e autofágico), absorveu e tende ainda a absorver em diversas esferas o direito externo a si, sempre indiferente ao que é autóctone. Por fim, mesmo que nesse processo descontrolado se crie um sistema único, o Estado, não se refere ao um sistema unificador, capaz da universalização.

O poder instituído é, grosso modo sempre foi, essencialmente tecnicista, absorto em pragmatismo que leva crime famélico ao Supremo Tribunal Federal, por exemplo. Ou seja, ao invés de refletir (a realidade mais prosaica), de teorizar e de formular “para nós”, quedamos reféns de um sistema jurídico que só aprende e apreende “para si.

Disto resulta a sensação de que vivemos em descompasso com o processo civilizatório, em meio a fluxos involutivos, servidos como comida barata na linha de produção. Isto é, ao invés da pós-modernidade, revigorando-se a antiga modernidade de bunkers e de castelos de aço prontos para a guerra, somos servidos em aperitivo na modernidade bizarra que reconstruímos todos os dias.

Neste descompasso não é de surpreender que o direito cause indiferença, ojeriza, antipatia no homem comum em sua vida média. Que sabe ele do Texto Maior – além da bíblia que leva ao culto ou à igreja nos domingos? Praticamente nada, a não ser que a Constituição é mastigada todos os dias pelos ferozes dentes do capital hegemônico e dos senhores de antanho.

Além do celular que comprou a prestações e que, roubado, seguirá pagando por 12 meses. Sem ceia de Natal ainda se lembrará da insegurança jurídica que lhe furta direitos até nos Dias Santos. Sem se alimentar quatro vezes ao dia, este povo furtado ou roubado conhece apenas a lei que vem dirigida pelo famoso “Camburão” (ou rabecão).

Porém, ainda que seja letrado em direito e nas Belas Artes que alimentam a filosofia e a ética, sabe este povo – pela lida diária mesmo – que a Constituição deveria servir para lhe resguardar o peru nas festas e, antes disso, a saúde e a educação pública de qualidade.

E nesse contexto o Estado em face do Direito faz surgir mais uma de suas anomalias, a total judicialização das relações políticas, “ferramenta”, por assim dizer, que contraria a divisão de poderes de Montesquieu e leva a formação de um imperium dentro do próprio Império da Lei (Estado de Direito).

Ao deixar claro um poder que, embora não seja de más intenções, pode se tornar corrupto ou corruptível pela proximidade aos poderosos, acaba-se por conferir poder ao órgão judicial que não o deveria possuir (especialmente porque não cabe apelação a outros julgadores). O resultado fortalece o ideário mais cruel e recente de uma ditadura do Poder Judiciário no país que não sabe andar pela democracia.

Sobre a seguinte discussão fundamenta Barroso:

[…] um Estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. Nesse ponto se coloca uma questão que só mais recentemente vem despertando interesse da doutrina no Brasil, que é a da legitimidade democrática da função judicial, suas possibilidades e limites (2010, p. 385).

Na ausência de controle social sobre qualquer dos poderes, notadamente ao Judiciário – que é a quem se recorre normalmente contra os abusos de poder – resta falimentar a democracia, o Estado de Direito, a Constituição. Na República que só dá bananas – muitas vezes só com “bananeiras que já deram cachos”, sem controle algum, a justiça padece da “politização do Judiciário”: um torto viés do poder que bradou regularizar o país pela judicialização da política.

Desde a Lei do Ventre Livre, famélicos e famintos, negros, indígenas e brancos podres esperam por poderes que não sejam a mísera extensão do Poder Moderador e, assim, incapazes de moderar o apetite do poder altamente concentrador de riquezas.

Este é o povo, crente na ideologia autofágica de que, “neste país, em se plantando tudo dá”. Pode até ser uma verdade da agricultura, mas na cultura popular é evidente a desconfiança, ao menos porque se é sabedor que não se distribui com isonomia a energia do trabalho que transformou em lucro: se tudo ‘da, às pencas, por que nem todos comem em equivalência?

Sem escola e com pouco futuro, o povo pouco sabe distinguir a Política dos políticos profissionais, o Direito – como ciência – das mazelas do direito que fagocita suas esperanças. Todavia, é detentor do poder de parar isso tudo, a começar da Roda do Infortúnio – que de destino não tem nada.

O povo pouco distingue o Poder Político da mesma Constituição reguladora deste poder abastado ou não esteve tempo suficiente na escola regular pra diferenciar estratificação social de luta de classe. Por isso também não “apreende” claramente que a Carta Política – maiúscula como é a Política indutora da condição humana – é sua única salvação, para não ser “comido” com os restos de sua dignidade.

Mas, e a história dos vencidos está repleta de “mas...” e de “se...”, é possível que um dia acorde de sua indigestão e passe a reconhecer o direito não mais como prato feito dos Grupos de Poder Hegemônico; mas, sim, veja-se como o titular soberano do Poder Constituinte.

Um poder supremo capaz de lhe garantir alimento para o corpo e para o espírito – como a vontade de justiça –, um poder de dar nova e inaudita origem ao ser que é: social e político – ou social porque faz política.

Neste dia, nesta fase de sua história, o povo criará um “real estado de exceção” – como ensinou Walter Benjamim, um herdeiro da Ilustração sem sombras – e, como primeiro prato do dia, exigirá que lhe sirvam o Banquete dos Deuses – e que era servido aos gregos antigos que compartilhavam do poder. Neste dia, descobrirá que o Estado é um mito e que o direito requer uma crença para existir. Por fim, revelará que a ideologia que se serve à mesa não enche barriga.

Referência

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo – Os conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. 2º ed. Editora Saraiva: São Paulo, 2010.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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