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Gente de Opinião

Hugo Evangelista

Histórias de Pescador



Hugo Evangelista da Silva*

Nenhuma história é tão carecedora de crédito quanto as contadas por “pescadores”, ainda que ditas com juras de serem verdades verdadeiras!

Já faz algum tempo que meu filho – o Hugo Vinicius – e o meu genro – o Alex – planejavam realizar uma pescaria. No afã de ajudá-los contatei alguns dos amigos que reputo conhecedores do “esporte” – dentre tantos o Rivero e o Varnaud, hábeis pescadores – que se dispuseram, ao programar uma pescaria, inclui-los no passeio! Estão os dois, por enquanto, à espera do convite de meus diletos pescadores!

Pois bem:

Dia desses encarreguei o Alex – que me assiste nas lides diárias – a “buscar” numa área rural, a pouca distância da cidade, um cliente para quem estou a compor os documentos necessários à instrução do pedido de sua aposentadoria e lá – no sítio – verificou “meu assessor” a passagem de um córrego de águas volumosas, o qual segundo “seu” Mário – o meu cliente – é farto de alguns de nossos melhores pescados. Assegurou-lhes: “aqui o cará, o pacu, a sardinha e o bodó são abundantes”!

Era chegada, enfim, a oportunidade de realizarem a tão esperada pescaria!

Armando-se dos apetrechos essenciais à sua empreitada – caniços, anzóis, iscas, etc. – foram-se os dois – num sábado – em grande expectativa e incontida euforia à busca dos pescados. Quando voltaram – já ao final da tarde - perguntei-lhes do resultado do passeio: Fomos mal! – responderam-me. Tinham pescado apenas um modesto “piau” e atribuíram ao fiasco “a má qualidade das iscais e a esperteza dos peixes”.

Achei suas explicações conversas de mal pescador!

Decidi por contar-lhes algumas de minhas bem-sucedidas pescarias que comecei a praticá-las – sem caniços, anzóis, iscas, etc. – nas lagoas existentes à frente da minha casa, que ficava bem aqui ao começo da Avenida Nações Unidas – àqueles tempos conhecido como o km1 da BR-29 – no mesmo espaço hoje ocupado por diversas lojas comerciais, várias agências bancárias, alguns restaurantes, além de igrejas de credos variados, razão pela qual mereceu olhares duvidosos de meus interlocutores. Entendi necessários alguns esclarecimentos. Ei-los:

Quando iniciada a construção da BR-29 – ainda em meados da década de 1950 - seus construtores entenderam necessário o alteamento da rodovia. Assim, removeram grandes quantidades das terras que margeavam a estrada e com elas realizaram a elevação do leito da via, deixando às suas margens acentuadas depressões, as quais ao primeiro inverno formaram várias lagoas que ali permaneceram por muitos anos: em tempos do verão, com poucas águas; em tempos chuvosos, com águas abundantes! Disse-lhes mais: ali ao invés do tradicional caniço, do anzol e da isca, nós meninos de então nos valíamos de sacos de sarrapilhas e quando nossa aventura fazia-se um pouco mais longe – na Cachoeira do Teotônio – pescávamos com peneiras. De novo os mesmos olhares céticos!

Expliquei-lhes: Quando as águas baixavam – no período junino – nós improvisávamos, a partir de sacos de sarrapilhas, pequenas redes das quais nos valíamos para fazer um arrastão nas águas das lagoas. O resultado se repetia: pescávamos sempre uma grande quantidade de pequenos peixes, sobretudo traíras, que tratadas e preparadas por minha prima – a Colô – eram servidas à hora do jantar. Uma verdadeira delícia!

Contei-lhes, ainda, um pormenor: Certa vez apareceu na “nossa” lagoa, quando as águas ainda volumosas, uma pequena tartaruga que talvez tenha escapado a algum criador descuidado. Percebemos que o quelônio costumava “pegar um sol” numa galhada que havia dentro da lagoa e, aí, começamos a fazer planos para capturá-lo. A frustração foi enorme quando soubemos que a tartaruga tinha sido capturada, à conta de mais recursos, por um intrometido vizinho: o Chico Fantasma! Quanta indignação!

E as peneiras? Perguntaram. Respondi-lhes: as peneiras eram usadas na pescaria que fazíamos na Cachoeira do Teotônio em tempos de piracema. Com as águas baixas os peixes, em cardumes, esmeravam-se em seus saltos para transpor a queda d’água e, não raro, caiam sobre as pedras que davam lastro ao acidente geográfico. Era a esse momento que se via garotos com peneiras à mão – alguns usavam até baldes – “aparando” os peixes ao momento dos saltos. Vi muita gente deixar o local com sacas cheias de peixes.

Asseguro aos meus poucos leitores – sob juras – que essas não são nenhuma “história de pescador”! Sobre aquelas - “histórias de pescador” – conto-lhes duas bem interessantes:

A primeira, contada por um ancião e exímio “pescador”, frequentador assíduo da taberna do “Seu” Valentin, que dizia, entre um trago e outro, possuir um método singular de pescaria, que dispensava o uso do caniço e dos anzóis e, mesmo assim, produzia excelentes resultados. Valia-se – dizia ela – apenas de iscas que fazia em forma de pelotas a partir de tiras de fumo-de-corda, as quais quando atiradas ao rio mereciam a preferência dos peixes, que ao pegando-as se punham a mascá-las para, depois, virem “cuspir” na margem do rio. Era a essa ocasião que eram por ele capturados às mancheias. A história pode até não parecer muito crível, mas sempre as ouvi contadas com juras de serem histórias verdadeiras!

A outra história dá conta de dois amigos que, à falta do que fazer, pararam, certa vez, à margem de um rio e ficaram a observar alguns pescadores. Passadas algumas horas sem assistir algo mais significativo, desistiram da contemplação! Já se retiravam quando avistaram na outra margem do rio uma sexagenária que estava a puxar um peixe a cada vez que lançava seu anzol. Ficaram incomodados, mas resolveram ir-se. Dias depois, voltaram à margem do mesmo rio e, dessa vez, avistaram a mesma velhinha acomodada entre tantos pescadores que, como da outra vez, fisgava um peixe a cada vez que jogava seu anzol, a despeito da pouca sorte dos demais pescadores que não obtinham o mesmo resultado.

Decidiram, então, por interpelar a idosa!

Ao indagarem sobre sua técnica tão produtiva, respondeu-lhe a idosa que tudo se devia a uma modesta “simpatia” por ela adotada. E explicou-lhes: “Toda vez que saio para pescar, costumo olhar ao meu velhinho que costuma dormir nu e observo: se o seu “pinto” estiver caído para o lado direito quando chego ao rio atiro as minhas linhas no lado esquerdo do rio; de outra sorte, se o ‘falecido’ estiver caído para o lado esquerdo, jogo minhas linhas no lado direito do rio. E essa simpatia que tem me rendido, sempre, boas pescarias!” Um quanto estupefato, um dos rapazes perguntou-lhe: “Vozinha, e quando a ‘ferramenta’ do seu velhinho resolve ficar bem tesa, apontando para o teto do quarto, de que lado do rio a senhora joga sua linha?”. Ela, sorrindo, respondeu: “Ah, meu filho, vc acha que nesse dia eu vou querer saber de pescaria?” E, à maneira de nossa maior autoridade, acrescentou: “eu não irei pescar nem que a vaca tussa”!

* Advogado, escritor e memorialista, conta histórias que viu ou ouviu sobre nosso estado, nossa cidade e do bairro em que nasceu e reside: o Santa Bárbara.e-mail: [email protected]

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