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Paulo Saldanha

Literatura surreal - Por Paulo Saldanha


Hoje a minha escrita vai silenciar e uma página em branco vai emergir a partir do caos deixado por minhas lembranças.

Será?

Nenhuma letra, nenhuma sílaba, palavra, frase, parágrafo, capítulo, enfim, nada haverá de passear nos jardins da minha vã literatura, posto que ninguém andará de mãos dadas com a surrealidade dos meus devaneios.

Vou vagar à esmo, sem me preocupar com a coerência, sem desejar controlar as minhas lógicas, mas jamais desejaria agredir a estética, muito menos a razão e a moral...


É que me recolhi numa introspecção e fiz um retiro lítero-espiritual na tentativa de me encontrar com um personagem especial: eu mesmo. Afinal, através de seus discípulos, Sócrates legou o conceito de "conhece-te a ti mesmo"...


E resolvi que nem vou me procurar já que estou fugindo de compromissos e de encontros previsíveis nos quais não deverei ser acusado de omisso e negligente, mas, ao contrário, meus algozes haverão de encontrar virtudes que eu sempre detestei saber existir na minha personalidade, certamente tão bem formada.

Nesse retiro “vou à procura do nada, preocupado com a minha nada forma magra, vou pensando no meu destino do qual tenho tanto medo”... Não me processe por plágio “seu” Augusto dos Anjos...

Hoje nem à Pasárgada, do Manuel Bandeira, desejo ir, pois se lá a existência é uma aventura, me tornei inimigo do rei; briguei com Manuel Bandeira porque lá é lugar diferente de Paradísia, onde fui feliz, lá não mora Joana, a louca de Espanha, mas é terra afortunada...

Pasárgada, que se traduz como “campo dos persas”, não me comoveu! Paradísia, sim, pois quer dizer paraíso... sítio aprazível... felicidade... bem aventurança, segundo o dicionários.

Já fui nômade, retirante e brasileiro errante, já fui herói, nesta e noutras encarnações! Fui salvo e socorri náufragos agarrados apenas a um remo. Sou sobrevivente de diversos quebrantos que alguém com mal olhado me endereçou.

Mas, ao contrário de Pasárgada, por ser ribeirinho, beradeiro mesmo, prefiro a Paradísia de Coelho Neto, um pedaço de área que Deus extraíra de uma estrela, quando concebeu o mundo: solo rico, águas límpidas, matas verdejantes, aves multicoloridas e cantares harmoniosos, flores matizadas com diversos tons celestiais, animais mansos... a fertilidade das terras era tão fecunda e pródiga que as safras simbolizavam grande produtividade; o ouro, tão à flor da superfície pavimentava o chão de amarelo e os brilhantes e as esmeraldas jorravam do leito esverdeado dos igarapés; o clima, em torno dos 20 graus tornava o exercício e as caminhadas uma delícia, além de prazeroso o sono da sesta vespertina e as noites mais abençoadas em qualquer estação do ano. Por isso, valei-me Coelho Neto e me autorize repetir: “Paradísia chamava-se a ilha afortunada”...

E, nessa terra celebrada nas minhas memórias adquiridas através da leitura de contos, lembranças que tanto me comovem, aonde “fui feliz e recebido com nobreza” e aonde vi “o meu nome, pouco a pouco, crescendo, crescendo, até chegar aos píncaros da glória” – licença Vicente Celestino– que invoco nesta hora para dizer em alto e bom som, no sentido figurado, que fui “me apresentando nos teatros de alta categoria até que corri o risco de cantar num picadeiro de um circo”.

Vou desejar um caminho (o mesmo percorrido por Herivelto Martins) nessa minha vida já tão comprida, “essa estrada alongada em que vou à procura de alguém, à procura de nada vou indo, caminhando sem saber aonde chegar, quem sabe na volta te encontre no mesmo lugar”...

Como poderão ver, ando perdido nas minhas divagações e agora compreendo que Sócrates, o gênio, não o jogador do Corinthians, tinha razão: “o maior bem do homem é a busca da sabedoria”... E, desolado, confirmo – ando bem distante dela!

Por essas e por outras é que as letras, juntadas umas às outras, não aparecerão nesta crônica, salvo se um milagre de Ente Superior falar mais alto, a partir destas reflexões.

Milagre! Será que virei daltônico e uns caracteres azuis, vermelhos e amarelos passaram a ser substituídos pela cor negra, que ficou exuberante ao vê-la na tela do meu computador emoldurando os meus sonhos, as minhas utopias personalíssimas, formando frases que vou tentando ler neste pequeno lago cheio de letrinhas?

Ou será que o surrealismo de André Breton e do Louis Aragon, qual entidade espiritual, está querendo incorporar nos meus sentidos, só porque li algo de Mário de Andrade, autor de Macunaíma, na semana que passou?

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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