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Gente de Opinião

Hugo Evangelista

O bairro SANTA BÁRBARA


 

Hugo Evangelista da Silva*

Oespaço onde está assentado o bairro de SANTA BÁRBARA acomoda, hoje, pouco mais de uma dezena de quadras, em que se acham edificadas algumas centenas de residências que abrigam, talvez, alguns milhares de moradores. Está circundado pelo centro da cidade e os bairros: do Areal, do Mato Grosso, do Km1 e o Nossa Senhora das Graças, sendo dentre todos, indiscutivelmente, o menor deles. De suas poucas artérias, destacam-se como principais, as ruas: Campos Sales, Marechal Deodoro, Joaquim Nabuco, Avenida Brasília e Getúlio Vargas que o corta em sentido norte-sul; e, Almirante Barroso, Bolívia, Avenida Amazonas e a Jacy-Paraná que o transpassa em sentido leste-oeste.

Odocumental histórico compulsado e os depoimentos colhidos junto aos vários moradores, para o fim de embasar os relatos aqui trazidos, corroboram a afirmação de que o bairro de SANTA BÁRBARA embora tenha começado a ser formado a partir dos primeiros anos da década de ‘40, do século passado, ainda na administração do Prefeito Municipal BOHEMUNDO ALVARES AFONSO (1938-1944), a sua ocupação definitiva ganharia significativo impulso a partir da criação do Território Federal do Guaporé, quando nossa capital experimentou a gestão do Prefeito MÁRIO MONTEIRO (1944-1946) e, depois, com a transferência e instalação do Batuque de Santa Bárbara (1944) aqui para a Rua Joaquim Nabuco, que, àquela época, delimitava a periferia leste da cidade, emprestando, ademais, o nome de sua santa padroeira à designação do espaço, que viria a se constituir em um novo bairro da cidade.

Aadministração municipal se via, àqueles tempos, compungida à imediata adoção de uma política voltada à criação de novos espaços habitacionais à conta de pressões sociais provocadas pelo crescente aumento populacional, advindos, sobretudo: a) da criação do Território Federal do Guaporé – 13.09.1943 – com a expectativa de geração de muitos empregos, conseqüência da criação de órgãos e cargos públicos necessários à execução dos serviços que, a partir daquela data, passariam à responsabilidade da gestão pública da “unidade territorial”, atraindo uma leva considerável de pessoas de outras regiões, o que provocou o processo migratório em direção ao nosso chão; e b) a chegada de constantes levas dos ”soldados da borracha” – os chamados “arigós” – recrutados em terras nordestinas para trabalhar nos seringais amazônicos, acontecidas a partir de 1943, os quais, muitas vezes, renunciavam ao trabalho extrativista e optavam por permanecer em Porto Velho.

Encontrei, por ocasião das minhas entrevistas, alguns moradores que me afirmaram residir na área que circunscreve o nosso bairro em tempos anteriores à relatada transferência do barracão de Santa Bárbara e outros tantos, aqui chegados anos depois, que foram unânimes em afirmar – todos – que a instalação do Terreiro de YANSÃ foi um dos fatores determinantes para a definição do bairro e, sobretudo, para a sua conseqüente denominação: SANTA BÁRBARA. Disseram-me mais: foi a partir daquele instante de mudança, que as autoridades municipais passaram a ocupar-se do traçado de suas ruas e avenidas, da demarcação dos terrenos e da formação de um cadastro municipal que serviu para definição da titularidade de cada imóvel em favor do seu ocupante. Por tudo isso, é incontestável afirmar que o bairro de SANTA BARBARA seja conseqüência das atividades desenvolvidas pelo Terreiro da Irmandade que, por decisão de “seu” IRINEU DOS SANTOS e da “mãe” ESPERANÇA RITA, foi transferida para o espaço chamado, hoje, bairro SANTA BÁRBARA.

Conversas mantidas com antigos moradores revelaram-me que o caráter beneficente da irmandade SANTA BARBARA foi um dos fatores determinantes na ocupação do espaço territorial do bairro conquanto as ações benemerentes praticadas pela ASSOCIAÇÃO incluíssem, com regular freqüência, o abrigo de pessoas ou famílias vindas, sobretudo dos seringais, em busca de conforto espiritual ou de cura para seus males, nos barracões integrantes do complexo habitacional que compunha o TERREIRO. Essas mesmas pessoas, quando curadas de seus males, decidiam, muitas vezes, permanecer na cidade, quando, então, contavam com a colaboração do pessoal da IRMANDADE que lhes ajudavam a adquirir um “pedaço de chão” nas cercanias do bairro, por meio de gestões junto às autoridades municipais.

Há que ser destacado, ademais, que a ocupação do espaço embora feita de maneira desordenada, aos moldes do que acontecia àqueles tempos, quando ainda não havia por aqui quaisquer políticas de assentamento, nem a municipalidade contava com os maquinários suficientes ao trabalho de abertura das vias, tampouco, os instrumentos tão comumente usados para delimitação dos lotes urbanos, fez-se de maneira harmoniosa e participativa de modo a contemplar a cada novo morador com um quinhão de terras suficiente a si e aos seus, num espaço que então poderia ser considerado o “fim” da Cidade. Ainda, que o aporte das pessoas aqui chegadas com o animus de permanência definitiva não estava limitado aos nacionais sendo, também, território livre para os irmãos bolivianos e peruanos, que para aqui chegavam à maneira menos legal como a que hoje fazem os irmãos haitianos.

Acresça-se, aos vários fatores que efetivamente contribuíram para a formação e consolidação do bairro SANTA BÁRBARA, a sua excepcional localização geográfica porquanto estando localizado à cabeceira da elevação que molda o terreno onde está assentada Porto Velho, o que já àqueles tempos permitia aos seus moradores uma visão privilegiada da parte mais baixa da cidade, incluída a deslumbrante vista da enseada do nosso rio Madeira que se forma logo abaixo da Cachoeira de Santo Antonio. Era bem ali – no bairro Santa Bárbara – que o lençol freático, provindo da parte superior do terreno, convergia para a formação de uma fonte de águas cristalinas – verdadeira água mineral – que vertendo o precioso líquido por minúsculos furos existentes no barranco da elevação formava veios d’água, a que chamávamos “bica”, os quais concorriam para a formação de um amplo espaço alagadiço chamado “grutião” onde nascia um pequeno córrego cujas águas eram despejadas no nosso caudaloso rio Madeira.

A“bica” ou “grutião”, como chamado o local, teve significativa importância aos moradores do bairro sendo utilizado, primeiramente, como alternativa principal e mais fácil para a obtenção da água necessária às suas necessidades domésticas, numa época em que inexistia um sistema de abastecimento nos moldes hoje disponível à nossa população; depois, como espaço de trabalho das lavadeiras moradoras do bairro e adjacências – atividade muito comum àqueles tempos – que ali lavavam as roupas de seus clientes trabalhando sobre pranchas, assentadas à beira dos veios d’água. Assistia-se, àqueles tempos, um frenético movimento de pessoas que subiam e desciam as ladeiras da “bica”, umas com latas à cabeça procurando prover o abastecimento de seus lares; e, outras, ocupadas na lavagem das roupas a prover os seus sustentos, o que era feito em meio a bastante animação. A outra finalidade dada à nossa “bica” me fora contada por jovens de então, garantindo-me alguns deles que em horas avançadas da madrugada costumavam utilizar-se das pranchas das lavadeiras para outras finalidades, considerada a inexistência dos motéis, hoje tão abundantes em nossa cidade.

Aárea onde existiu o “grutião” seria aproveitada, tempos mais tarde, pela estatal responsável pelo fornecimento de água potável às nossas residências - a CAERD - que instalou um moderno sistema de captação e distribuição de água, mandando construir um tanque de consideráveis dimensões para ali armazenar a água que chegava através de tubulações coletoras instaladas em pequenos poços escavados nos vários veios d’água existentes, alimentados pelo lençol freático, abastecendo o reservatório de água que, depois, era disponibilizada à população via estação de bombeamento montada em espaço contíguo ao tanque, que por muito tempo foi operada por dois abnegados funcionários da empresa: o “seu” Mazinho e o “seu” Conceição.

Oprogresso – sempre o progresso – encarregou-se da destruição dessa dádiva natural, conseqüência do adensamento populacional do bairro e da desorganizada ocupação do solo, sobretudo, com a construção desmedida e irregular de fossas sanitárias, o que em pouco tempo provocou a contaminação do lençol freático, tornando imprópria a água antes servida à nossa população, ocasionando a suspensão do seu fornecimento aos moradores do bairro, quando, então, alguns residentes passaram a dar uma destinação abjeta ao espaço transformando a nossa outrora majestosa “bica” em repositório do lixo doméstico, o que agravou ainda mais as condições sanitárias do ambiente e provocou a expulsão dos moradores da parte mais baixa da “bica” para um novo espaço da cidade – a Vila Tupy – estando, hoje, ocupado por edificações clandestinas e ilegais, que transformaram o antes paradisíaco “grutião” numa minúscula favela.

Os festejos populares, sobretudo, as festas juninas e o carnaval, sempre mereceram especial destaque no calendário festivo do bairro. Nenhum deles, entretanto, teve mais esplendor do que os acontecidos em homenagem a YANSÃ, realizados pelo Batuque de Santa Bárbara, que se iniciavam, todo ano, a 26 de Novembro em ensaios preparatórios para as celebrações do dia 04 de Dezembro – dia de Santa Bárbara – e se prolongavam até o dia 20 de Janeiro, por ocasião das homenagens que se prestava a OXÓSSI, o São Sebastião, quando, então era descerrado o mastro fincado à frente do TERREIRO, popularmente conhecido como “pau do Albertino”. Festejos ocasionais relacionados aos campeonatos de futebol e as disputas mundiais, como a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas sempre compuseram o calendário festivo do bairro, chegando a ser constituída uma comissão com o objetivo específico de promover esses eventos.

Dos festejos juninos realizados no nosso bairro resta-nos, por agora, a lembrança dos eventos que por tantos anos fizeram nossa diversão, notadamente: a) a quadrilha junina organizada e mantida pela GEZY, filha do saudoso ZÉ RAMOS, que se apresentava, primeiramente, na esquina da Rua Almirante Barroso com a Rua Marechal Deodoro, e, depois, na esquina das Ruas Joaquim Nabuco e Bolívia; b) o boi-bumbá do Caxiado, o premiadíssimo “Brilhamante”, que tinha seu curral ali na Rua Almirante Barroso quase à esquina da Rua Getúlio Vargas; e c) o arraial que, anualmente, acontecia na Rua Joaquim Nabuco onde eram montadas diversas “barracas” que vendiam toda sorte de guloseimas e bugigangas e realizava-se um tradicional concurso de canto e dança infantil com a participação das crianças do bairro, onde brilhavam: a Sandra do Manuel Balança e a Fátima do Passarinho, que se alternavam como vencedoras do concurso de “twist” e “yê-yê-yê”, acontecidos no bar do João Vareta.

Cessados os festejos dedicados a YANSÃ em razão da mudança do TERREIRO, acontecida no ano de 1972, vimos reduzidos os momentos festivos que aqui tomavam lugar, até quando os sambistas Oscar Knightz e o Waldemir “Bainha” convidaram o Bloco “MISTURA FINA” a integrar-se ao bairro, o qual passou a “sair” em desfile por nossas ruas a todo dia 31 de dezembro, despedindo-se do ano velho e saudando a chegada do ano novo. Ao início, o bloco MISTURA FINA concentrava-se no bar do CASSIMIRO, ali no cruzamento das ruas Joaquim Nabuco e Almirante Barroso, vindo, depois, a transferir sua concentração para o bar do ANTONIO CHULÉ de onde sai, em dias atuais, em desfile pelas ruas do bairro confirmando nossa vocação à alegria e à descontração, sendo ali, também, onde se realizam os eventos em comemoração à passagem das datas festivas alusivas às mães, organizada por Da. Raimundinha, dentre outras igualmente populares.

Tempos mais tarde, se achegaria ao “pedaço” para compor com a nossa alegria a Escola de Samba “O ASFALTÃO”, trazida com a interveniência do Neymar e do Reginaldo Makumbinha, além da colaboração do Zigo, do Waldyson Pinheiro e sua esposa, a Sylvia, estando hoje instalada na Rua Jacy-Paraná, no espaço batizado como Tenda do Tigre, que convive em perfeita harmonia com o Bloco CALIXTO & Cia., criado pelo Eudson, o Eli Feitosa e o Toninho Tavernard, com a ajuda do Chicão, do Roberto Magal e outros abnegados foliões, que se reúne na calçada do Bar do CALIXTO, transformando o trecho da Rua Jacy-Paraná, compreendido entre a Rua Getúlio Vargas e a Avenida Brasília, no espaço mais animado do bairro.

* Advogado, escritor e memorialista, conta histórias que viu ou ouviu sobre nosso estado, nossa cidade e do bairro em que nasceu e reside: o Santa Bárbara. e-mail: [email protected]

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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