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Gente de Opinião

Hugo Evangelista

O INTRÉPIDO Zé BOSSA


 

Hugo Evangelista da Silva*

Qualquer referência criteriosa que se faça a respeito de pessoas que vivem ou viveram no bairro Santa Bárbara esta passará, inexoravelmente, por um morador muito especial: o Sr. José Ferreira, popularmente conhecido por Zé Bossa ou Bossinha, como era chamado pelos mais íntimos, exceção feita à sua mãe d. Maria Ferreira que, no trato maternal dispensado ao seu único descendente varão, preferia chamá-lo de uma forma bem mais carinhosa: Zézinho!

Bossinha e sua mãe moravam ali na Rua Almirante Barroso numa casa modesta edificada em meio a tantas árvores frutíferas, em um grande terreno localizado entre a Rua Marechal Deodoro e a Avenida Joaquim Nabuco, onde costumavam ser apontados pelos demais moradores da vizinhança por suas distintas qualidades: Ela, d. Maria Ferreira, uma excepcional benzedeira, a quem recorriam mães aflitas em busca de cura aos males que atormentavam suas crianças, notadamente o quebranto, o mau-olhado e as tantas erisipelas tão comuns às nossas gentes, conseqüência de uma precária política de saúde pública então dispensada à nossa população pelas autoridades de saúde do Território Federal. Ele, o Zé Bossa, por suas irreverentes e incorrigíveis atitudes.

Jota Ferreira, como o Bossinha se autodenominava, era, sem dúvidas, uma figura singular dentre os moradores do bairro Santa Bárbara. Cultivava hábitos comuns às gentes de seu tempo, notadamente o prazer pela caça e pesca que praticava com alguma regularidade, vez que não existindo ainda o rigoroso controle hoje observado pelas autoridades ambientais com vistas à preservação de nossa fauna e flora. Desenvolveu algumas habilidades mecânicas, porém, sua especialidade era mesmo os serviços de soldas que realizava com indiscutível qualidade, o que lhe rendia convites e remunerações privilegiadas provindas das diversas empresas de extração do estanho por aqui estabelecidas.

Duas “histórias” relacionadas ao Bossinha são particularmente hilárias: Uma contou-me seu grande amigo e companheiro de pescarias e caçadas Raimundo Marinho, o “mano velho”, assim: Certa vez, chegado a Porto Velho depois de uma longa permanência de trabalhos em alguma mineradora, botou sua melhor roupa – calça e camisa em puro linho “hj” caprichosamente engomadas por sua mãe – e se mandou rumo ao baixo meretrício que, naquela época, ficava ali na Rua Afonso Pena, entre a Rua Marechal Deodoro e a Avenida Joaquim Nabuco, onde esperava encontrar os amigos de sempre e recuperar o tempo perdido relacionado aos “prazeres da carne” do qual há muito estivera privado, mormente, a ausência de mulheres “profissionais do sexo” em locais onde ele exercia o seu labor. Entre tantos tragos e muita conversa com os amigos no afamado “Tambaqui de Ouro”, Bossinha já um tanto “alto”, resolveu patrocinar suas graças invocando de pronto suas inconvenientes atitudes.

Insultou a um e outro frequentador que o ignoraram, até chegar num crioulo de estatura avantajada, no melhor estilo quatro por quatro, que ele não conhecia e foi agindo: enfiou o indicador, com alguma força, no peito do moço e falou: - Ei você que eu não conheço, vá logo dizendo seu nome, de onde veio e para onde vai! O rapaz quedou-se imóvel. Bossinha deu uma volta pelo ambiente, tragou mais uma pinga de um só gole ao pé do balcão e voltou-se para o moço, repetindo a cena: - Ei você que eu não conheço, vá logo dizendo seu nome, de onde veio e para onde vai! O rapaz manteve-se inerte. Crente que estava a fazer enorme sucesso com suas peraltices, Bossinha rodopiou pelo salão tomou mais uns tragos e veio em direção ao moço, fazendo a mesma indagação: - Ei você que eu não conheço, vá logo dizendo seu nome, de onde veio e para onde vai! O rapaz, já possesso com as graças do Bossinha, desferiu-lhe uma bem aplicada “bolachada” que fez o Zé passar lotado pela porta do boteco, levando várias mesas e uns tantos clientes de roldão, caindo estatelado no meio da rua, só recobrando os sentidos por completo alguns minutos depois. Levantou-se ainda um tanto grogue, bateu a poeira, deu uma cusparada ao chão, limpou aos beiços e foi em direção ao crioulo que o esperava em posição nada receptiva. Zé Bossa parou, olhou ao moço e logo percebeu a dificuldade da empreitada, se acaso resolvesse encarar o “bicho”. À falta de recursos físicos mais eficientes, disse: - Pois é, comigo não tem choro não, chegando aqui tem que dizer logo qual é o nome, de onde veio e para onde vai! Entendeu? Deu meia volta e se mandou!

Aoutra história me foi contada por meu primo Francisco de Assis, o Tico, sobrinho do Bossinha pelo lado materno. Aconteceu assim: Numa das curtas temporadas que passava em Porto Velho, após longa permanência nas minerações, Zé Bossa conheceu, no baixo meretrício, uma “garota” de habilidades indescritíveis e predicados inconfessáveis, de quem logo se apaixonara perdidamente. Viveu, com a moça, momentos de desmedida paixão, até que exauridos seus recursos financeiros, viu-se obrigado a retornar ao trabalho, à busca de mais numerários. Permaneceu em seu trabalho na mineradora o tempo suficiente para acumular uns tantos “trocados”, numa espera angustiante e na expectativa do momento de voltar aos braços da amada que, supunha, estaria à sua espera.

Aqui chegando foi direto à procura da moça e, para sua surpresa, ficou sabendo que sua grande paixão estava, agora, repousando em outros braços e não pretendia mais qualquer relacionamento amoroso com ele. Foi o caos: Bossinha mergulhou, de pronto, em profundo desconsolo, recorrendo, nessa hora, a cachaça. Tragou sua bebida em sofrível lamento até que, esgotadas suas forças físicas, resolveu voltar para casa, amargando sua derrota, assaz inconsolável. Até a chegada já estava em prantos. Adentrou ao lar - onde o esperava sua mãe - em estado lamentável, gemendo e gritando, a reclamar de uma dor insuportável. Dona Maria Ferreira, aflita com o estado do filho quis saber logo o que o incomodava. Ele disse-lhe: - Estou com uma dor horrível, mamãe! Ela, um tanto aturdida, insistiu na pergunta: O que é que você tem Zezinho? A resposta foi a mesma: Estou com uma dor horrível, mamãe! D. Maria sem saber que providências tomar, perguntou-lhe: E que dor é essa Zézinho? Respondeu: É a dor mais doída do munnnnnnndo, mamãe! D. Maria, na busca desesperada de encontrar um paliativo para a dor do filho, quis saber mais, perguntando: E qual é essa dor mais doída do mundo, Zezinho? Ele com voz embargada, pela dor ou pelo álcool, respondeu: É a dor de corno, mamãe!!!

* Advogado, escritor e memorialista, conta histórias que viu ou ouviu sobre nosso estado, nossa cidade e do bairro em que nasceu e reside: o Santa Bárbara. e-mail: [email protected]    

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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