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O Jango de Porto Velho - Por Luiz Leite de Oliveira


O Jango de Porto Velho - Por Luiz Leite de Oliveira - Gente de Opinião

O maior movimento popular na redemocratização do Brasil, entre 1983 e 1984 /Fotos Jornal do Brasil

 

Professor nascido no Bairro Olaria, grande artista e intelectual contemporâneo, desapareceu precocemente. Atualmente, o maquiavelismo político manobra até com censura para que a Associação de Preservação do Patrimônio Histórico e Amigos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (Amma)não instale o Museu Dreams and Tracks – Trilhos e Sonhos.                                                         

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Por Luiz Leite de Oliveira

Foi num comício da Diretas Já (*) em Porto Velho. Jango foi um grande artista e intelectual contemporâneo, de fundamental importância para a Capital de Rondônia. Desapareceu precocemente. Ao ver essa bela imagem dele no extinto jornal O Estadão do Rondônia [antigo nome do falecido O Estadão do Norte], nos anos de 1980, notei a sua aparência como a de um Cristo, quem sabe? Hoje ninguém sabe sobre ele. Ao ver o seu rosto, emocionei-me.


No Clube Internacional, no começo da Avenida Central, Sete de Setembro, surgiu a Associação Dramática Recreativa e Beneficente de Porto Velho. A partir de 1915, um grande e elegante prédio de madeira, sob pilotis, em volta de largas varandas, um grande salão abrigava também o restaurante para o pessoal da primeira categoria da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM).

Algum tempo depois fora arrendado pelo pessoal da ferrovia ao italiano Marcos de Paningai, que explorou e agenciou naquele local, cassino, cinema, e teatro. Labibe Bártolo, atriz porto-velhense, poderia ter surgido no Internacional Club. Muito mais tarde, nos anos 1970, Jango resgatou o que aconteceu naquele local nos primórdios do teatro. 

E o fez com expressão livre, de forma consciente e democrática. Os tempos eram outros. Ainda naqueles anos de chumbo (será que teve mesmo?), na Porto Velho Capital do extinto Território Federal.  Já nos silenciavam, a exemplo do que ocorre hoje, quando chegam ao cúmulo de impedir ou “desconvidar” entidades de participar de audiências públicas.  

 Certo dia, juntamente com os atores e artistas plásticos Sílvia Regina e Xuluca, eu, Jango e outros fomos esculpidos como caveiras para participar de um evento público. Como personagens, viramos bonecos e caveiras.

Vestimo-nos, ou melhor, interpretamos um papel quixotesco no dia [em 1984] do comício das Diretas Já, em plena Praça das Caixas-d’água, sobre carrocerias acopladas de dois caminhões.


Naquela tarde denunciamos os deputados vagabundos que votaram contra o restabelecimento de eleições diretas no País. Levamos um sonoro e dolorido cacete. Correram atrás de nós, a mando dos políticos, queriam nos linchar.

Lá estavam, entre outros, o deputado Ulisses Guimarães, o senador Tancredo Neves, o ex-governador paulista Franco Montoro, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, a cantora Fafá de Belém, o locutor Osmar Santos, o autor da emenda parlamentar por eleições diretas, Dante de Oliveira. Quando perceberam o aparecimento de três caveiras assustadoras, com um estandarte contendo nomes dos deputados de Rondônia que votaram contra a redemocratização, o bicho foi solto. 

Nós, as caveiras – eu, Cristina Ávila e Vilma Lopes –, entre vaias e aplausos, nos escondemos dos grupos de irados políticos. Nossa salvação? Ficamos debaixo dos caminhões que serviam de palco... Chegavam ao ponto de impedir que nos socorressem ou de nós se aproximassem.  

 
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Jango Rodrigues, artista de Porto Velho, teve expressiva participação na cultura local
Foto/Telmo Fábio - O Estadão de Rondônia, 1983

Cutucavam com varas. Torturante! Perguntavam:

“Quem são vocês?”. Cristina, entre sorrisos e soluços, respondia: “ Uh...viemos de outro planeta”. 

Foi emocionante. Até aquele momento ninguém nos socorria mesmo.  

Foi emocionante. 

Até aquele momento ninguém nos socorreu.  

 De repente vieram Cloter Mota, Martínez, Luciano de Lucca e Montezuma Cruz. Escoltaram-nos, salvando a nossa pele. E assim foi encabeçada nossa segurança. Saímos ilesos. Ufa! Cristina chorava, chorava, afinal, a emoção se misturava a uma dose de apavoramento. 

Não pensávamos ser reprimidos nesse momento inesquecível em que o povo de Porto Velho gritou Diretas já! na praça e no campo do 13 de Setembro. 

Escapamos de ser linchados por um grupo dos primeiros petralhas de políticos traíras que votaram contra eleições diretas no Brasil. Esse grupo, encabeçado por políticos não deu guarida. Fez um curral, chegou à Prefeitura, ao Governo e não vem respeitando os ideais da população.  

Para nós que trilhamos o caminho da abertura democrática restou nos apelidarem de ser “contra o progresso e o desenvolvimento”, e “inimigos da Madeira-Mamoré”. A safadeza chegou ao ponto, de sermos condenados à prisão. 

Jango vivenciava intensamente aquele momento de euforia, com o professor e ator Xuluca, e outros mais. O período coincidia com o movimento pela reativação e tombamento da EFMM. Da euforia, do “Amanhã será outro dia”, por todo tipo de resgate entrava-se de cabeça. Não nos incomodávamos naqueles últimos anos do regime militar, fomos a pouca resistência. De quê? De uma cidade que teve a ousadia e a participação de Jango.  

Com os cinemas e teatros fechando, passando a sediar igrejas evangélicas, o grupo do jovem professor e ator resistia, transformava qualquer salão ou auditório em palco de teatro. Fazíamos nossos happenings. Quem entendia o que nós queríamos? 

  

Havia movimento para tudo, de arte, de cultura, da reativação da ferrovia e outros mais, até mesmo em defesa das prostitutas nas páginas do meteórico jornal Barranco

 
O Jango de Porto Velho - Por Luiz Leite de Oliveira - Gente de Opinião
Capa da edição do JB em 26 de abril de 1984: a derrota da emenda que restabelecia eleições diretas no País

Claro, alguns poderosos – felizmente não todos – demonstravam preocupação conosco, Para eles, tudo aquilo era considerado “coisa de subversivos”. Aos poucos ficava cada vez mais claro que precisávamos nos conter e silenciar. Força estranha. Mordaça. 

E se tivéssemos respeito muito grande por esse momento, ignorado por rondonienses? Na verdade, planejavam e manobravam contra os porto-velhenses, para fazer calar e amordaçar aos mais esclarecidos. Sim, fomos ludibriados por políticos e governos a partir dos anos de 1980.

Gláucia Lira, Montezuma Cruz, Jorcêne Martínez, Cristina Ávila, Glória Dantas, Luciano de Lucca, nenhum de nós nascidos aqui, apenas o Jango e o Xuluca. Martínez e de Lucca, também artistas e intelectuais. O primeiro morreu pobre este ano, em Ceilândia Sul (DF). O segundo se doou inteiramente à recém-nascida Universidade Federal de Rondônia (Unir).  

Achávamos que tudo seria possível revolucionar por meio do resgate à cultura, do patrimônio histórico e a democracia trazida de volta com a Madeira-Mamoré. Nos bastidores do teatro, da cultura e da impressão quase clandestina, também trabalhavam intensamente Ângela Cavalcante, Alejandro Bedotti, Auxiliadora (Índia), Mado (Bar do Canto) e Fernando Benicasa. 

Sem querer, estávamos revolucionando. Para outros poderíamos ser, subversivos. Eles queriam assim. 

Retornamos, nos tornamos amigos, no mesmo momento entre 1978 e 1980, como na música do Betinho: “Estou Voltando”, cantada mesmo por quem não era de Porto Velho. Era Brasil. Uma farra. Porem, algo de maquiavélico começava para a imposição do silêncio. Curiosamente, um silêncio determinado quase depois do pior período ditatorial no País.

Hoje fica mais fácil entender, o porquê de governos e da Prefeitura de Porto Velho, de muitos vereadores, deputados e senadores subirem ao poder, a tudo se permitindo, menos conceder o devido espaço para que alguns se sentissem realmente filhos desta terra e cumprissem o seu papel para o desenvolvimento. Nada!  

Funcionou assim: ou aderia ou caía no ostracismo! Muita gente caiu feio. Profissões foram destruídas e sonhos desfeitos. A ponto de colocarem uma hidrelétrica dentro de Porto Velho; rasgarem a Constituição de Rondônia, como fez um ex-governador botinudo; paralisarem e desaparecerem com o movimento pela reativação da ferrovia Madeira-Mamoré; e criarem sordidamente o estado de sítio região do Alto Madeira, principalmente no Distrito de Abunã, onde o trem pernoitava rumo à estação de Guajará-Mirim. A ferrovia submergiu, o barro invadiu a igreja, os moradores serão expulsos brevemente. Dói. 

Eu voltei para cá arquiteto no final dos anos 1970 e, antes de mais nada pensador. A jornalista Cristina Ávila, o Montezuma e outros naquela multidão espalhada pelo comício pelas Diretas Já, juntos, não podíamos nos situar apenas na condição de vacas de presépio

Então, certo dia, uma multidão calculada em mais de dez mil pessoas desafiou o silêncio imposto não com exclusividade do regime militar, mas pela patrulha ideológica de políticos e da camarilha de puxas sacos e paus-mandados que dominavam os três poderes em Rondônia. Pior de tudo era a traição contra os ideais populares hoje tão evidentes.  

A dor mais recente acumula-se à de outrora: é a censura macabra para que a Associação de Preservação do Patrimônio Histórico e Amigos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (Amma) não instale o Museu Dreams and Tracks – Trilhos e Sonhos, um rico acervo do qual a sociedade não pode prescindir. Saiba governador Confúcio Moura, o boicote é patrocinado pela Superintendência de Desenvolvimento (SEDI), ex-Suder, e por sua Casa Civil. 

O Jango de Porto Velho - Por Luiz Leite de Oliveira - Gente de Opinião
Prédio na Rua Euclides da Cunha para sediar exclusivamente o Museu de Imagem e Som: depredado e invadido /Arquivo Amma

O projeto está atrasado pelo menos três anos e contra ele há conspiração bem visível de seus aliados políticos. Perceba, se quiser. 

É que a sua Suder, governador, embora tenha a palavra desenvolvimento no nome peca pelo atraso. Vem protelando o documento autorizativo para a Amma ocupar o prédio, na Rua Euclides da Cunha, esquina com Rua Henrique Dias, no Centro Histórico de Porto Velho. 

Trata-se do Decreto nº 3263/2013, obrigando, exclusivamente, a ocupação do prédio com a instalação do Museu de Imagem e Som Dreams and Tracks – Estrada de ferro Madeira Mamoré.

Ressalve-se, Senhor Governador, que esta foi uma de suas prioridades confiadas à antiga Suder e à Casa Civil, entretanto, superintendente e sua assessoria jurídica descumprem o Ato Governamental, deixando de expedir portaria autorizativa. 

Por quê? Qual a justificativa? – Não há, e o que existe e está em curso é mais uma manobra daquelas bem macabras, ao gosto do Iphan, do SPU, da Prefeitura e sua Funcultural, contumazes transgressores das Leis de Tombamento. 

A Amma já denunciou e volta a denunciar: os atuais ocupantes do prédio o tornaram imundo. E o danificaram, criminosamente. 

Volta ao tempo: os primeiros vagabundos políticos maquiavélicos surgidos por aqui se encostavam, parte da Arena, outra no ex-combativo MDB, esse arremedo atualmente disfarçado de partido. Tudo de forma até certo ponto oculta, não demonstravam, mas evitavam nossa bandeira de luta encimada pelo resgate do Patrimônio Histórico.  

Cuspiam na democracia e se infiltravam com seus sotaques estranhos em tudo o que viam pela frente, impondo uma cartilha pela qual mentiam aos ribeirinhos e  categas,  porto-velhenses sofisticados, alta categoria da sociedade, e sua importantes raízes.  

Na realidade, já queriam votos e em seguida se elegiam como os primeiros deputados, senadores, vereadores e deputados, governadores e prefeitos, e logo ignoraram a nós todos. Hoje sentimos saudades do tempo do Território Federal. Somos fora da Lei? 

 Em nome da democracia pela qual lutamos nos anos 1980, a Madeira-Mamoré significava esperança e euforia... O horizonte nos parecia clarear, resplandecer. E na moita, esses políticos nojentos investiam a seu modo na situação, tirando proveito, nos acusando displicentemente, e ao 5º Batalhão de Engenharia de Construção (BEC), “pintando-nos” como “destruidores da Ferrovia do Diabo”. 

Falso. Fraude. A bem da verdade, alguns militares passaram a ser caluniados, como se fossem os responsáveis pelo abandono do acervo ferroviário. Eles paralisaram o trem, em 10 de julho de 1972. Depois deles, falsos, incompetentes e interesseiros civis fizeram muito pior. E seguem fazendo, da maneira como agem Iphan, Ibama, e os diabólicos DER e SPU, usurpadores do bem histórico público e descumpridores das Leis de Tombamento. 

Jango, inesquecível professor e ator, tem que ser lembrado. Ele é o símbolo de uma luta pelo resgate de nossas raízes e da Amazônia. Seus feitos são completamente desconhecidos, uma injustiça. 

Liderou a partir de 1977 a 1986, grande movimento pelo resgate da arte e s cultura. Tinha esperança. Era normal ter alto estima naquele momento, do “Amanhã será outro dia”. Se estivesse entre nós, estaria abalado com o papel que nos está sendo exposto e o que nos ficou reservado na história. 

Jango, ferroviários da EFMM, e os já mencionados parágrafos atrás, desafiamos o regime, porém, não conseguimos impedir que políticos se ocultassem em pele de ovelha, iniciando a grande traição. É bom que se diga que, na segunda parte de dos anos de 1980, surgia um grupo de civis que não queria a democracia. Esses camaleões foram os grandes traíras.

São seres que hoje posam na frente de um trem sequestrado da EFMM, transformado em bibelô do espaço alternativo. Talvez ignorante das lutas dos anos 1970 e 1980, quando nem sequer existia, o Ministério Público considere tudo normal. Não vê agressão. Lastimável.

Resta-nos louvar quem lutou. E o resgate da inesquecível da arte do Jango se impõe. Por que não?

Jango merece um lugar no panteão da arte e da cultura do patrimônio histórico, tão difícil de ser conquistado.

(*) Diretas Já foi um movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil ocorrido em 1983-1984. A possibilidade de eleições diretas para a Presidência da República no Brasil se concretizaria com a votação da proposta de Emenda Constitucional Dante de Oliveira pelo Congresso. Entretanto, a Proposta de Emenda Constitucional foi rejeitada, frustrando a sociedade brasileira. Ainda assim, os adeptos do movimento conquistaram uma vitória parcial em janeiro do ano seguinte quando Tancredo Neves foi eleito presidente pelo Colégio Eleitoral.

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