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Lúcio Flávio Pinto

RESERVA DE COBRE E A DESINFORMAÇÃO SOBRE A AMAZÔNIA - Por Lúcio Flávio Pinto



O senador Randolfe Rodrigues, da Rede Sustentabilidade do Amapá, subiu à
tribuna no dia 23 para denunciar “o maior crime contra a floresta
amazônica desde 1970”, quando foi iniciada a construção da rodovia
Transamazônica. Em tom apocalíptico, o senador oposicionista identificou
a ameaça: o decreto 9.142, que o presidente Michel Temer sancionara
apenas horas antes.

Seguiu-se uma série de manifestações e matérias pela imprensa, com
destaque para a Folha de S. Paulo. O jornal desencadeou uma campanha
junto à opinião pública, para protestar contra a iniciativa do governo
golpista de Temer, o mais impopular da história republicana, e a ameaça
da invasão de uma área de 4,6 milhões de hectares, entre o Pará e o
Amapá, por multinacionais e garimpeiros à cata de ouro, cobre, manganês,
ferro e tantos minérios quanto os de Carajás, do outro lado do rio
Amazonas, a maior província mineral do planeta.

A simples existência do decreto seria motivo para colocar em grave risco
várias unidades de conservação espalhadas por essa área e a existência
de grupos indígenas, que até agora pareciam viver num paraíso intocável,
a dar-se crédito às descrições dos que atacaram a medida como autêntico
ato de lesa-pátria – ou mesmo lesa-humanidade, por sua dimensão
catastrófica.

O decreto maligno extinguiu a Reserva Nacional de Cobre e Associados no
dia 22 de agosto. Ela foi criada em 1984, último ano do derradeiro
governo da ditadura militar, chefiado pelo abúlico general João Batista
Figueiredo. Antes de chegar à presidência da república, ele foi chefe do
SNI e integrante destacado da comunidade de informações, subordinada ao
Conselho de Segurança Nacional, a voz categórica no coro entoado no alto
do poder sobre temas amazônicos.

A paternidade da reserva foi do contra-almirante Roberto Gama e Silva.
Ele também chefiou o SNI, na agência de Manaus. Em 1980, foi colocado à
frente do Gebam (Grupo Executivo do Baixo-Amazonas), irmão siamês, na
margem esquerda do grande rio, do Getat (Grupo Executivo de Terras do
Araguaia-Tocantins), do lado oposto.

Ao Getat cabia a ação executiva do governo militar, sob o império da
doutrina de segurança nacional, nos conflitos fundiários e tensões
sociais na expansão da fronteira econômica nacional pelo sertão
amazônico. O Gebam devia impedir que as multinacionais se apossassem das
abundantes riquezas minerais do outro lado de Carajás, como acontecera
com o manganês de Serra do Navio, um dos mais ricos depósitos de
manganês do mundo.

A Bethlehem Steel, através da Icomi, uma empresa nacional de Augusto
Antunes, o explorara até só deixar o osso, na forma do minério mais
pobre, depois de quatro décadas de atividade, exportando para os Estados
Unidos o melhor manganês. Isso não podia mais se repetir. E já se
repetira em Carajás, a princípio de propriedade exclusiva de outra
grande siderúrgica americana, a United States Steel.

O perigo agora era o milionário americano Daniel Ludwig. Em 1967 ele
comprou uma empresa extrativista paraense, a Jari, que se dizia
proprietária de 3,6 milhões de hectares entre o Pará e o Amapá,
justamente em área parcialmente superposta à Renca. Nacionalista duro e
intransigente, Gama e Silva teve experiência desastrosa na sua primeira
visita à imensa propriedade onde Ludwig plantara floresta, produziria
celulose, extrairia caulim, cultivava arroz e criava búfalos. Quando ele
chegou ao aeroporto da empresa, divisou a bandeira brasileira de cabeça
para baixo. Exigiu a reparação da ofensa com o hasteamento correto do
pendão nacional. Mas não perdoou o erro, para ele deliberado.

Quando Ludwig quis explorar sua grande jazida de bauxita (minério do
alumínio), a oeste da futura reserva de cobre, o Gebam não permitiu. Com
o veto, o milionário acabou por vender a jazida para a Alcoa, a maior
produtora de alumínio do mundo, que com esse trunfo impôs a sua posição
no circuito do alumínio na Amazônia.

A descoberta, em Carajás do maior depósito de minério de ferro de alto teor da Terra,
um dos mais notáveis feitos da geologia em todos os tempos, aparentemente tão fácil
que sugeria a existência de uma conspiração internacional, acionou o
alerta no Conselho de Segurança nacional. Era preciso impedir o saque
internacional da maior fronteira de recursos naturais do país e do globo.

Dizia-se que uma grande área no Amapá, entre a concessão da Bethlehem, a
leste, e os domínios de Ludwig, a oeste, seria uma nova Carajás. Gama e
Silva mobilizou o CSN e conseguiu a criação da reserva em 1984. Antes,
induziu a Companhia Vale do Rio Doce, ainda estatal, a requerer a área,
preservando os direitos adquiridos antes da decretação da reserva. Com
isso, nenhuma mineradora poderia nela penetrar. O interesse nacional
estava assegurado.

O problema é que nenhuma amostra de cobre foi encontrada na ampla
pesquisa realizada pela também estatal Companhia de Recursos Minerais.
Outros minérios realmente há, mas ainda sem dimensionamento físico e
comercial. Quanto a ouro, não há dúvida. Calcula o DNPM (Departamento
Nacional da Produção Mineral) que 28 garimpos tenham sido abertos por
mais de mil garimpeiros ao longo dos anos.

Nesse mais de 30 anos, a atividade dos garimpeiros foi ininterrupta.
Ninguém pediu que eles fossem impedidos de entrar nesses locais enquanto
eram criadas as nove unidades de conservação, de vários tipos e uma área
indígena. Mas nenhuma mineradora, nacional ou estrangeira, se apresentou
com um projeto, mesmo porque os direitos minerários continuam a ser da
Vale, agora como empresa privada. A BP, que parecia em vias de se
instalar, desistiu.

Com a extinção da condição de reserva, essa enorme área será invadida
por multinacionais, que estão nos bastidores, com apetite voraz, desta
vez dispostas e investir na prospecção de minérios para extração? Pode
ser. É o que o governo Temer pretende, carente que se encontra de novos
recursos privados para tentar reanimar a economia, a mineral em
particular. Mas é pouco provável que haja um boom imediato de novos
minérios, em função de “mapas da mina” em mãos poderosas, nem que as
reservas de proteção da natureza sejam destruídas.

Carajás é exemplo oposto. O que resta de vegetação nativa se concentra
nos platôs onde estão depositados os minérios que a Vale explora desde
1985. Toda área em torno foi devastada por fazendeiros, agricultores,
madeireiros e projetos de assentamento. E ninguém protestou, ao menos
com a veemência atual.

É verdade que as unidades de conservação de Carajás surgiram como cordão
de proteção institucional das jazidas. As reservas são públicas, mas sob
gestão privada. Ainda assim, ali está a última concentração da mata
original do que já foi um verdadeiro Éden. E os índios Xikrin do Cateté
convivem amistosamente com a mineradora. Não poderá vir a ser assim na
extinta reserva?

Feita a gritaria em torno de um fantasma remanescente da era da doutrina
de segurança nacional na condução dos assuntos amazônicos (embora ela
continue em vigor), o momento agora é de reflexão. Ela inevitavelmente
afastará os absurdos e todo besteirol que surgiu em torno dessa histeria
sobre a maior ameaça à floresta amazônica. Ou então os que combateram
essa geopolítica vesga e infrutífera, quando ela foi aplicada,
endoidarão de vez com esta reinterpretação absurda em plena democracia.

A questão exige um debate sério, com as informações corretas e
propósitos claros. Ou mais uma vez a vítima será a Amazônia – e, mais
uma vez, de pessoas tão bem intencionadas quanto desinformadas sobre a
sua história.

Onde estava a Fafá em relação ao crime que o agronegócio está fazendo na
Floresta Nacional do Jamaxim (esta sim uma reserva florestal)…

Ou quanto ao crime que foi o desmatamento de Carajás pelo agronegócio,
principalmente pelos grileiros da pecuária?… Só restaram as áreas
criadas, e preservadas pela mineração, que sempre é tratada como a vilã
da destruição da Amazônia…  

Há muita gente, bem intencionada, ou não, querendo aparecer com a
RENCA…. O que será que está por trás dessa campanha da mídia? (Globo,
Folha, etc.)….

Se é só para criticar o Temer, há dezenas de motivos mais sérios que esse…

A RENCA nunca foi uma reserva florestal e não impedia o desmatamento…
Apenas impedia a pesquisa geológica e a mineração.

Depois da RENCA, foram criadas reservas ambientais e indígenas, no seu
interior, e que agora não foram revogadas… A geologia e a mineração
convivem bem com as reservas florestais e indígenas de Carajás… O
agronegócio sempre as está questionando….

Uma grande mina, como as de Carajás, que são enormes, desmata algumas
dezenas de quilômetros quadrados… A  atividade das empresas é
fiscalizada, e são responsáveis pela sua recuperação…

O agronegócio, principalmente a pecuária, já desmatou centenas de
milhares de quilômetros quadrados na Amazônia, e poucos cientistas,
intelectuais ou artistas se manifestaram… E na maioria dos casos sem
respeitar matas ciliares e de encostas…

Todos veem aquele pasto verdinho, muitas vezes dominado pela juquira e
pelo babaçu, e acham que a natureza foi preservada, mas esquecem das
centenas de espécies da fauna e  da flora que foram destruídas.

Não sou contra o agronegócio, mas sou contra o que o agronegócio está
fazendo com a Amazônia, ocupando áreas extensas. sem sustentabilidade
social e ambiental… Sem falar na poluição dos agrotóxicos…

*Nota: *O artigo já estava escrito quando o governo modificou o decreto
para garantir que a abertura da extinta reserva do cobre não prejudicará
as unidades de conservação e reserva indígena. Trata-se de um
complemento à iniciativa, que não muda a sua finalidade, nem me obriga a
atualizar o texto, que permanece com a mesma validade.

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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