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Tempos sombrios - Por Ricardo Bruno


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Aos poucos, um dia aqui noutro ali, a sociedade brasileira vai avançando numa caminhada sombria em direção à quebra do estado democrático de direito. Com ajuda de parte da mídia, setores do Judiciário arrogam-se o direito de flexibilizar o texto Constitucional em nome de uma suposta defesa dos valores morais - tão vilipendiados em nossos tempos. Imbuídos de uma questionável missão redentora, colocam-se a esfolar e prender, sem antes cumprir minimamente o direito processual e tampouco assegurar as garantias individuais do réu. Sentem-se autorizados a avançar pelo clamor punitivo da sociedade, que infelizmente se entregou à radicalização. O ar das ruas exala um acre gosto de sangue. Aceita-se o mal se ele vier supostamente em nome do bem.

O ordenamento jurídico, expressão do nosso pacto social, existe exatamente para evitar os exageros, impedir decisões definidas pela emoção, deslindar a razão em meio ao contraditório. Assim, em tese, evita-se a regressão, afastando-nos das barbáries comuns na Idade Média.  Seja por sua convicção conservadora ou mesmo por razão de mercado – afinal, a sociedade se mostra ávida por punições exemplares – a imprensa brasileira renunciou a seu  papel de guardiã da verdade. Pôs-se a fazer coro com os radicais, deixando de lado qualquer equilíbrio e bom senso na condução das versões entre as partes. 

Diante deste quadro, de evidente conluio entre a mídia e setores  conservadores  retrógados, o Judiciário encontrou terreno fértil para crescer na imposição de verdades. Numa evidente contrafação dos fatos, alguns juízes e promotores revoltam-se diante do que é absolutamente legal, e passam a agir flagrantemente à margem da lei, protegidos pelo senso comum da sociedade e os aplausos de uma imprensa absolutamente irresponsável. O movimento tem efeito deletério, confunde a opinião pública, pois seus atores, em tese, são homens ilibados e de reputação inquestionável – requisitos para o exercício da magistratura e do Ministério Público.

Indignada pela corrupção desmedida, a sociedade se mostra intolerante, exige punições sumárias e exemplares. Não se satisfaz com o rito da lei, cujo cumprimento exige a obrigatória concessão de ampla oportunidade de defesa, com a preservação plena das garantias individuais do réu. O caminho é um pouco mais longo no pressuposto de que somente assim os fatos e as responsabilidades estarão efetivas esclarecidos. Atropelar tais etapas eventualmente atende ao clamor popular, mas agride o Estado Democrático de Direito. 

Vejam, o caso da Assembleia Legislativa do Rio, que recentemente revogou a prisão de seu presidente e de dois outros deputados. A medida transcorreu em absoluta consonância com as regras constitucionais. Tanto é assim que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, após decretar a prisão dos parlamentares, enviou a deliberação para a Casa Legislativa a fim de que os deputados resolvessem – o texto é direto e está lá a expressão “resolvessem”, como aliás determina a Constituição. E assim fez a Alerj: resolveu revogar a prisão. Uma fato absoluto normal no ordenamento jurídico vigente. Ao invés de recebe-lo com naturalidade, alguns desembargadores se melindraram, mostraram-se indignados e chegaram a pedir intervenção federal no Rio. Neste caso, seria uma situação absurda: a intervenção porque a Constituição se fez cumprir. E todos – até o STF -  aceitam distorções desta natureza com uma certa normalidade. Afinal, o juiz Moro já disse que “vivemos tempos excepcionais”.

A professora de direito constitucional Carol Clevre, em artigo na Gazeta do Povo de Curitiba, dirime qualquer dúvida jurídica que poderia subsistir no caso. Diz ela:”O artigo 27, parágrafo primeiro da Constituição, prevê expressamente que se aplicam aos deputados estaduais, dentre outras garantias e vedações, as regras sobre inviolabilidade e imunidade”. E conclui: Por mais reprovável que a medida possa parecer, encontra-se legitimada por uma regra constitucional. E aqui vale lembrar uma frase do Ministro Marco Aurélio Melo: a sociedade almeja e exige a correção dos rumos, mas esta há de acontecer sem açodamento. Não se avança culturalmente fechando a Lei das leis da República, que é a Constituição Federal”.

Não há aqui a defesa de qualquer ato ilegal que tenha eventualmente sido praticado pelos deputados.  Mas a punição não poder atropelar o rito para atender ao clamor popular. Há que se ter serenidade para se avançar nas investigações, produzir correta instrução processual e, se for o caso, condenar os responsáveis por todo e qualquer desmando ou ato de corrupção.

Em tempos de Lava-jato, a serenidade parece ser mercadoria escassa. O Judiciário, que deveria ser exemplo,  também tem deixado de lado a imagem de equilíbrio, simbolizada mitologicamente pela deusa Têmis segurando a balança. Nesta semana, o juiz Marcelo Bretas postou uma foto, com cara de mau, portando um fuzil. Grosso modo, o que representa um fuzil? Instrumento de extermínio, arma de guerra, poder, capacidade de matar, enfim: uma força indômita, incontrolável. Nada que faça lembrar a balança de Têmis. O equilíbrio acabou. Vivemos, sim, tempos sombrios.

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