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Yêdda Pinheiro Borzacov

UM NOME QUE NÃO PODE SER ESQUECIDO


 

* Yêdda Pinheiro Borzacov

Há, em nossa História, esquecimentos indesculpáveis. Um deles é a falta de lembrança do trabalho do médico sanitarista Rubens da Silveira Britto. É oportuno registrar um resumo biográfico desse personagem – um dos pioneiros que marca os serviços médicos da E.F. Madeira-Mamoré, a partir de 1938, e da organização administrativa do setor de saúde quando o Território Federal do Guaporé foi criado em 1943. Pelo Decreto nº 2 de 25 de fevereiro de 1944, Aluízio Pinheiro Ferreira, nomeado pelo presidente Getúlio Vargas, governador, cria o Departamento de Saúde e nomeia diretor, Rubens da Silveira Britto. Esse Departamento de Saúde era composto do Serviço de Saneamento e Malária; Postos Itinerantes; Centro de Saúde, Assistência Técnica; Hospital São José, Posto de Saúde de Guajará-Mirim e Postos Sanitários.

Rubens da Silveira Britto, com uma vocação excepcional para a causa pública, além dos interesses pessoais e em pleno ardor da juventude, elaborou com sua equipe um plano de assistência médico-social tendo como parâmetro os estudos e pesquisas efetuados sobre as condições sanitárias da área, iniciadas quando médico recém-formado pela Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, turma que colou grau no dia 8 de dezembro de 1937, e contratado para integrar o corpo médico pelo Diretor da E.F. Madeira-Mamoré, Aluízio Pinheiro Ferreira, visando prestar assistência médica aos ferroviários e seus familiares. Dessa turma, também foram contratados os médicos Ary Tupinambá Penna Pinheiro e Renato Clímaco de Medeiros. Outro médico paraense contratado foi Ernesto Laudelino de Almeida.

Os também médicos Rubens da Silveira Britto e Ary Tupinambá Penna Pinheiro, após estudos detalhados, iniciaram os trabalhos de saneamento urbano, com a obstrução e drenagem dos pântanos circundantes nas cidades de Porto Velho e Guajará-Mirim, onde proliferavam os terríveis anofelinos, transmissores da malária, diminuindo, assim, consideravelmente a incidência da moléstia.

Acriano, nascido em Sena Madureira, em 10 de dezembro de 1911, memoráveis foram os serviços prestados pelo médico Rubens da Silveira Britto à comunidade ferroviária, como também ao povo da terra que escolheu para iniciar sua profissão, sempre testando a si mesmo e sempre vencendo, crescendo, ultrapassando desafios, nos exemplificando com uma dedicação solidamente fundamentada num compromisso com a sociedade ferroviária e a comunidade do recém-criado Território Federal.

Convém destacar que foi Rubens da Silveira Britto, o médico que primeiro aplicou a penicilina no Brasil, durante a 2ª Guerra Mundial, quando um “soldado da borracha” chegou a Porto Velho, vindo de um seringal, com grave infecção. O Dr. Rubens havia lido em uma revista sobre os miraculosos poderes curativos dessa nova droga – a penicilina –, utilizada pelos norte-americanos na 2ª Guerra Mundial. Comentou o fato com um norte-americano residente em Porto Velho, e esse imediatamente entrou em contato radiofônico com os Estados Unidos, solicitando a remessa urgente do precioso medicamento. Dessa forma o doente foi salvo. Este curioso relato consta em uma edição do jornal “Alto Madeira”, de 1942 e me foi contado em 1987 pelo próprio Rubens Britto em uma ocasião em que fui sua hóspede, na Rua Benjamin Constant, Bairro Nazaré, em Belém.

Em 1942 foi fundado o Serviço Especial de Saúde Pública – SESP, posteriormente Fundação SESP, em decorrência do acordo entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos, visando principalmente à assistência médica ao pessoal recrutado para a 2ª Batalha da Borracha. Sua ação caracterizou-se pela adoção de metodologia própria com iniciativas pioneiras, como o controle da malária pelos inseticidas de ação residual e a experimentação de novas drogas para o tratamento das endemias locais. Em 1943 iniciava em Porto Velho a campanha antimalária e por razão do convênio celebrado com o Território Federal do Guaporé, a Divisão de Saúde assumiu, em 1945, as responsabilidades de medicina preventiva.

Rubens da Silveira Britto e José Cerqueira Cotrim forneceram após pesquisas, novos dados do coeficiente para morbidade da malária em Porto Velho, era de 293, 62% em 1945, caindo para 62, 30% em 1950, queda atribuída por esses médicos ao início da dedetização residual em 1946 e, em 1947, ao emprego terapêutico do difosfato de cloroquina.

O Hospital São José a cargo dos salesianos, quando passou para a administração da Divisão de Saúde do Território Federal do Guaporé, informa Antônio Cantanhede, em “Achegas para a História de Porto Velho”, “possuía duas enfermarias de seis leitos cada e seis pequenos quartos para pensionistas”. Em 1950 possuía 94 leitos e o Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Guajará-Mirim, 22 leitos. Havia a enfermaria da 3ª Companhia de Fronteira, do Exército, em Porto Velho, criado como Contingente em 1932, com 10 leitos.

Rubens da Silveira Britto observa em relatório, “que o índice de leitos de assistência hospitalar geral por mil habitantes era para o Território de 3,41%, sendo de 4,48% para a 1ª Região de Saúde de Porto Velho e de 2,27% para a 2ª Região de Guajará-Mirim”.

Obteve liberação de verba junto ao Serviço Nacional de Lepra, Ministério da Saúde, para a construção da Colônia de Hansenianos “Jayme Aben Athar”, para atender 150 enfermos.

O exercício profissional da medicina não impediu Rubens da Silveira Britto de exercer outras atividades, dentre elas destacam-se: membro fundador do Aeroclube (ACEPEVÊ) criado em 12 de agosto de 1942, visando estimular a aviação civil na região e membro do Conselho Penitenciário, representante do Governo do Território de Rondônia junto ao Conselho Executivo do Banco de Crédito da Amazônia. Sua presença na área cultural amazônida foi atuante e sua produção histórica e literária o conduziram ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará, entidade onde serviu a comunidade oferecendo-lhe o melhor de sua intelectualidade. De sua autoria, destacamos as obras “De Hábitos e Tabus Alimentares, Higiênicos e Terapêuticos na Tradição Amazônica”, trabalho apresentado em parceria com o médico Camilo Martins Vianna, membro da Sociedade de Preservação aos Recursos Naturais e Culturais da Amazônia e Professor Adjunto de Clínica Médica da Universidade Federal do Pará. Na I Reunião Amazônica e II Reunião de Professores de História, em Belém, em 1967, também em parceria com Camilo Martins Vianna, em 1982, publicou “Cultura e Nutrição na Amazônia sob Hábitos e Tabus”.

Conhecer o conjunto da obra de Rubens da Silveira Britto é importante para todos os que integram a saúde pública e aqueles que se interessam pela cultura amazônida, nos mais diferentes setores.

Existe uma dívida de gratidão que precisa ser resgatada no processo histórico de Rondônia, pois, ainda que figura de projeção amazônica, principalmente em sua atuação como médico da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos ferroviários da Madeira-Mamoré e como Diretor da Divisão de Saúde (cargo equivalente à Secretário) do Território Federal do Guaporé, Rondônia não lembra o seu nome em uma rua, avenida, praça ou posto de saúde. Certamente, seria o nome de meu compadre (padrinho do meu primeiro filho, Eduardo Borzacov Júnior) Rubens da Silveira Britto que homenagearia o logradouro ou a repartição pública.


* Yêdda Pinheiro Borzacov, da Academia de Letras de Rondônia, do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia, vice-presidente do Memorial Jorge Teixeira e colunista do site Gente de Opinião.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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