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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CCCLXVII - Epopeia Acreana 1ª Parte - XIX Revoluções Acreanas - III


A Terceira Margem – Parte CCCLXVII - Epopeia Acreana 1ª Parte - XIX  Revoluções Acreanas - III - Gente de Opinião

Bagé, 15.12.2021

 


A Imprensa, n° 810

Rio, RJ – Quarta-feira, 19.12.1900

O Acre
Documento Importante
Propostas Rejeitadas

 

O nosso colega de redação, que acaba de regressar de Manaus, onde fora exclusivamente para acompanhar de perto os trabalhos da nova Expedição Acreana, e assistir ao seu embarque, recebeu uma carta do Coronel Rodrigo de Carvalho, datada do 16 de novembro último, contendo as seguintes revelações, cujo interesse os leitores julgarão:

 

Às 2 horas da manhã de 13, partiu o “Solimões” e às 3 deu-se o assalto à “Alonso” [hoje “Ruy Barbosa”]. O sucesso foi esplendido. Eu e o infatigável, Dr. João Araripe a tudo assistimos... A tripulação seguiu prisioneira. Às 7 horas da manhã de hoje, três dias depois de ter saído deste porto, o meu bom Orlando Lopes, Chefe da Força de Terra, deverá abrir a minha “carta de prego” ([1]) e tenho certeza que será totalmente cumprida.

 

O Purus será bloqueado, não se consentindo que adiante do “Solimões” naveguem lanchas ou vapores. Eu e os Drs. Deocleciano de Souza e Ribeiro de Castro, meus auxiliares no governo do Acre, assim como o Dr. Ayres, médico da Expedição, partimos hoje ao encontro do “Solimões”. Iremos a bordo do vapor “Isidoro Antunes”. Mudei de ideia relativamente a seguir no “Mucuripe”, porque o comandante Bandeira telegrafou-me dizendo que o Dr. Paes de Carvalho impediu a saída desse vapor, alegando ter recebido ordens expressas do Dr. Campos Salles. Haja o que houver, ou o Acre volta a ser brasileiro, ou os 300 homens que se acham a bordo do “Solimões” e mais os que vão nos Avisos de Guerra morrerão a meu lado. Havemos de mostrar ao Brasil que somos briosos e patriotas, e não políticos de campanário ([2]) ... Se perdermos na luta que vai ser travada, nunca mais o Amazonas será nada.

 

Enojam-me as traições, e tenho a registrar mais uma de pessoa altamente colocada no comércio do Pará, que sempre se mostrou muito amiga dos acreanos e que acaba de se pôr ao serviço da Bolívia, dizem-me que para obter uma comissão, que lhe renderá dez ou quinze contos de réis! Não sei explicar a atitude do Governador do Pará relativamente ao “Mucuripe”, que vem repleto de mercadorias, não para a Revolução, mas sim para serem vendidas no Acre, em nome e por conta de casas aviadoras do Pará. Não fossem estas notícias desagradáveis, partiria para o Acre, com o coração cheio de alegria. Nesta minha Expedição procurarei agir com prudência, evitando sempre o derramamento de sangue, desde que isso não prejudique a energia necessária quando se tem que ver com inimigo ardiloso...

 

A publicação destes artigos e a narração minuciosa feita nas colunas da “Imprensa” trouxeram ao conhe­cimento do Sr. Salinas Vega; Ministro da Bolívia, tudo quanto o seu Delegado Montes e os Vice-cônsules em Manaus e Pará ainda não tiveram ocasião de comuni­car-lhe, preocupados com outros gêneros de interes­ses. À medida que o diplomata boliviano se ia infor­mando da importância da nova Expedição Acreana; desde que provávamos com todos os detalhes a veracidade das notícias telegráficas que o nosso representante especial nos enviara do Pará e de Manaus, notícias que o mesmo Sr. Salinas Vega quali­ficou injustamente de inverídicas, em carta dirigida ao eminente diretor da “Imprensa”, foi se forjando no seu espírito a ideia que o ilustre governador do Estado do Amazonas era conivente na agitação acreana.Qual a razão que assim o impelisse a pensar, não conhece­mos. Entretanto, nada mais injusto.

 

O Coronel Silvério Nery, supremo magistrado do Amazonas, poderá parecer ao Sr. Salinas Vega um aliado dos acreanos, porque para S. Exª o são todos os que se não colocam incondicionalmente ao serviço da Bolívia, ou os que exercendo cargos públicos na Amazônia, não servem os interesses bolivianos, com prejuízo do Brasil, ou não se acomodam às exigências ou aos caprichos de S. Exª. O que não resta dúvida, porém, é que o Sr. Nery, tendo a perfeita noção dos deveres e das responsabilidades inerentes ao seu cargo e, tendo perfeita compreensão dos deveres que impõe o patriotismo, não precisa e despreza quaisquer advertências ou censuras que por ventura lhe sejam feitas, assim como soube rejeitar dignamente tentativas de diversos sindicatos e propostas do mencionado Sr. Salinas Vega, Ministro da Bolívia acreditado junto ao nosso governo, propostas relativas ao Acre, visando privar Governador do Amazonas de agir com independência.

 

E como o Sr. Salinas Vega chegou a formular queixas perante o Sr. Ministro das Relações Exteriores contra o Cel Silvério Nery, parece-nos a hora das reivindica­ções. Embora sem a competente procuração, agindo com espontaneidade e em defesa da justiça, a “Imprensa” defenderá com provas a atitude de inteira independência com que tem agido o governador do Amazonas perante a agitação acreana. Como se defenderá, porém, o Sr. Salinas Vega contra as insinuações contidas no artigo publicado no dia 16 do corrente na “Federação”, de Manaus, órgão oficial do Estado? Como contestará S. Exª a afirmação autoriza­da pelo Coronel Silvério Nery? É o que vamos ver e de que teremos a tratar em subsequentes artigos.

 

Antes de terminar, devemos contestar, a bem da verdade, um tópico da notícia publicada pelo “Jornal de Belém” na sua edição de 23 de novembro último, relativamente a terem feito parte da Expedição Acreana alguns súditos italianos. Não é exato que seguissem para o Acre, nos vapores da Expedição, estrangeiros, da qualquer nacionalidade. A Expedição compõe-se totalmente de cidadãos brasileiros. É verdade que alguns italianos, espanhóis e peruanos se alistaram. A Comissão, porém, agradecendo a espon­taneidade do concurso oferecido, dispensou os servi­ços dos estrangeiros alistados. Isto é o que realmente se deu. Podemos afirmá-lo. (A IMPRENSA, N° 810)

 

A Imprensa, n° 811

Rio, RJ – Sexta-feira, 21.12.1900

O Acre
Expedição Rodrigo de Carvalho
Prisão de D. Lucio Velasco

 

Enquanto reunimos e coordenamos os elementos de prova para a completa defesa do integérrimo Coronel Silvério A. Nery contra as injustas acusações formuladas pelo Sr. Ministro da Bolívia nesta capital, hão de permitir os leitores que chamemos a sua atenção para as últimas notícias do Acre, de que foi ontem portador o paquete “Alagoas”, do Lloyd Brasileiro. Ocupa o primeiro lugar, entre as notícias mais importantes, a da prisão de D. Lucio Velasco, atual Vice-presidente da Bolívia e um dos chefes superiores do Expedição Militar que o seu país mandou ao Acre, para ali garantir o seu domínio.

 

Na edição da “Imprensa” correspondente ao dia 13 deste mês referindo-nos às posições que ocupavam as Forças de D. Lucio Velasco, acampadas em Capatará e as de Gentil Norberto, o Chefe acreano incumbido da resistência à dominação boliviana, tivemos ocasião de escrever:

 

Gentil Norberto, a fim de cortar a retirada de Velasco, estendera uma linha de valentes soldados bem armados e municiados ao Sul de Capatará. Contra o próprio Vice-presidente da Bolívia expediu o Dr. Gentil Norberto uma ordem de prisão.

 

Sempre nos julgamos dispensados de provar a veracidade das notícias publicadas nestas colunas, ainda quando isso nos seja contestado por entidades superiores como o Sr. Salinas Vega. Por isso mesmo, não faremos maior número de comentários à notícia que ontem nos chegou do Amazonas, relatando minuciosamente a prisão de D. Lucio Velasco pelo Dr. Gentil Norberto, tal como este Chefe se propusera a realiza-la. É do “Commercio do Amazonas”, cuja fonte de informações é fidedigna, que transcrevemos a seguinte notícia, publicada em sua edição de 23 de novembro:

 

Por carta fidedigna vinda no “Antonio Olyntho” sabe­mos que o Dr. Gentil Norberto que é o chefe da Expedição Acreana, com dez companheiros, conse­guiu aprisionar D. Lucio Velasco, Vice-presidente da república da Bolívia, quando, este descia o Rio Acre, com pequeno séquito em demanda de Puerto Alonso, julgando achar-se tudo pacificado.

 

O Dr. Gentil Norberto, obtendo, porém, a palavra do prisioneiro de que não voltaria a Puerto Alonso, deu-lhe liberdade e aos seus companheiros. Consta, porém, que D. Lucio Velasco, desesperado com a façanha dos heroicos moços acreanos, jurou vingar-se. Não juraria vingar-se, garantimo-lo nós, se no lugar do Dr. Gentil Norberto estivesse o Coronel Rodrigo de Carvalho... E dizemos isto porque lhe conhecemos as ideias. Se por ventura D. Lucio Velasco ou outro chefe da Expedição Boliviana lhe cair nas mãos, não voltará a Bolívia senão depois de preenchidas certas formalidades, muito em uso em casos de guerra.

 

 

Pelas últimas notícias de Manaus, sabemos que o vapor nacional “Labrea”, saído do Pará a 13 do mês findo com destino ao Alto Purus, foi detido ali por ordem da alfândega, para averiguações no seu carregamento, visto haver sido denunciado que o mesmo vapor conduzia víveres e armamento para os bolivianos que operam no Acre.

O comandante do “Labrea”, Sr. João Baena, lavrou um competente protesto.

 

 

Chegaram boas notícias do Coronel Rodrigo de Carvalho e de seus abnegados companheiros de Expedição.

 

 

A polícia de Manaus mandou abrir inquérito a respeito da saída clandestina da lancha blindada “Alonso”, ficando provado que esta lancha, tripulada por soldados bolivianos, depois de se ter posto à fala com o vapor “Labrea”, na boca do Rio Negro, e de ter recebido carregamentos, que lhe foram transportados daquele vapor, subiu o Solimões em demanda do Purus. A polícia do porto multou os seus consignatários em 100$000.

 

 

O inspetor da alfândega de Manaus multou em 500$ os proprietários do vapor “Solimões” por ter sido este encontrado rebocando a lancha “Alonso”. A esse respeito escreveu o “Amazonas Commercial”:

 

Fomos ontem já tarde, informados que o Sr. inspetor da alfândega desta capital multou na importância de 500$, os armadores do vapor “Solimões”, que deste porto saíra legalmente, na noite de 14 do corrente.

Baseou-se o chefe da repartição aduaneira para assim proceder, em ter, diz S. S., a citada embarcação, levado a reboque a lancha boliviana “Alonso”, que, segundo a Imprensa noticiou, desapareceu deste porto na mesma noite. Em que se baseia o Sr. inspetor da alfândega para assim proceder, quando S. S. já deve ter conhecimento de um inquérito procedido na polícia de que resultou saber-se que a lancha boliviana se evadira deste porto, isso provado pelos depoimentos conhecidos?

S. S. agravou uma situação; deu direito a notas diplomáticas; menoscabou de um inquérito policial feito com severa imparcialidade e obriga-nos a perguntar por que não exerceu a sua atividade, quando a embarcação boliviana estava neste quadro, com armamentos, tendo, até, à proa, um canhão de tiro rápido. (A IMPRENSA, N° 811)

 

Bibliografia

 

A IMPRENSA, N° 810. O Acre – Documento Importante ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ A Imprensa, n° 810, 20.12.1900.

 

A IMPRENSA, N° 811. Expedição Rodrigo de Carvalho – Prisão de D. Lucio Velasco ‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro, RJ ‒ A Imprensa, n° 811, 21.12.1900.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

·      Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·      Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);

·      Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·      Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·      Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·      Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·      Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·      Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·      Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·      Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·      Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·      Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·      Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·      E-mail: [email protected].



[1]   Carta de Prego: Carta fechada que contém instruções e ordens secretas para ser apenas aberta em dadas circunstâncias.

[2]   Políticos de Campanário: politicos ambiciosos empenhados apenas nas suas costumeiras lutas estéreis.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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