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Sandra Castiel

DIA NACIONAL DO LIVRO INFANTIL - Por Sandra Castiel



Hoje, 18 de abril, comemora-se o Dia Nacional do Livro Infantil; esta data é uma justa homenagem ao nascimento de Monteiro Lobato, um mestre considerado por muitos um divisor de águas na literatura infantil: com seu livro A Menina do Nariz Arrebitado, Lobato trouxe para a literatura infantil inovações que estavam ocorrendo no âmbito da literatura adulta, no Brasil, inovações estas divulgadas na Semana de Arte Moderna em 1922.

A grande maioria de nossa população desconhece pontos importantes sobre literatura infantil; felizmente, nas escolas, há atualmente uma informação maior inclusive sobre pontos que envolvem teoria e prática dessa vertente da literatura. Afinal, o que vem a ser literatura infantil?

Alguns estudiosos costumam dizer que Literatura Infantil é, antes de tudo, LITERATURA. Em outras palavras, é ARTE! E Literatura é um fenômeno de criação artística, através da palavra, que representa o mundo, o ser humano, a vida, a existência. Como nos lembra Nelly Novaes Coelho (Teoria, Análise, Didática, 2000) esta essência está presente na Literatura Infantil. Portanto, a Literatura Infantil não é uma subliteratura; seus leitores não são subleitores: o que diferencia as duas “categorias “de literatura é, verdadeiramente, a natureza do seu leitor: A criança!

Será que sempre existiu uma literatura para crianças? A resposta é não! Não existia porque há alguns séculos havia uma distorção na visão com que as sociedades consideravam a criança: a criança não era vista como um ser cujas potencialidades passavam por um processo de desenvolvimento; a criança era vista, sim, como um adulto em miniatura, por isso a educação de antigamente era tão rigorosa e disciplinadora; isso explica o caráter exemplar da literatura de então.

Os primeiros textos “destinados” à criança, nos séculos XVIII e XIX, eram na realidade obras literárias originalmente escritas para os adultos e adaptadas às crianças. Seu objetivo? Fazer a criança gostar de ler!

Até pouquíssimo tempo, no nosso século, a crítica considerava a literatura infantil um gênero menor, e os adultos a consideram algo útil: enquanto aprendia, a criança se mantinha quieta!

A redescoberta da Literatura Infantil, no século XX, como nos lembra Nelly Novaes Coelho, só foi possível graças aos avanços da Psicologia Experimental, que revelou ao mundo um conhecimento científico e absolutamente novo: as Fases Evolutivas da Inteligência no ser humano em crescimento. A partir de então a criança deixa de ser vista como um adulto em miniatura e passa a ser vista como um ser cuja cognição está em processo de desenvolvimento. A sequência dessas fases evolutivas é a mesma para todas as crianças; porém, o meio em que cada criança vive, além de diferenças (individuais) biopsíquicas  são determinantes para o ingresso em cada estágio. 

Nelly Novaes Coelho, sob uma perspectiva da Literatura Infantil, descreve esses estágios, que, por motivos óbvios, abreviamos aqui:

PRÉ-LEITOR:  Dos 15 meses aos 3 anos: nesta fase, a criança inicia o reconhecimento da realidade que a rodeia, principalmente pelos contatos afetivos e pelo tato; há o impulso de adaptação ao meio físico e o interesse pela comunicação verbal. Nesta fase a participação do adulto é fundamental principalmente nas brincadeiras com o livro. O livro deve tratar do cotidiano familiar, evidentemente com predominância de imagens; humor, graça e certa expectativa são importantes nos livrinhos desta fase.

LEITOR INICIANTE:  A partir dos 6/7 anos; a criança em processo de aquisição à leitura, já reconhece os signos do alfabeto e sílabas simples e complexas; nesse estágio ocorre o processo de socialização e racionalização da realidade. Nesta fase a criança é atraída por histórias bem humoradas; o texto deve ser constituído de frases simples e diretas, com predominância de imagens.

LEITOR EM PROCESSO: A partir dos 8/9 anos: a criança já domina com facilidade os mecanismos da leitura; sente atração pelos desafios e pelos questionamentos de toda natureza; seu pensamento lógico organiza-se em formas concretas que permitem as operações mentais. A presença do adulto ainda é importante como estímulo à leitura e como provocador nas atividades pós-leitura. Os livros devem conter frases simples e diretas, imagens que interajam com o texto e girar em torno de um conflito, um problema a ser resolvido até o final.

LEITOR FLUENTE: A partir dos 10/11 anos. Há o domínio da leitura e da capacidade de compreensão do mundo expresso no livro; a capacidade de concentração aumenta, desenvolve-se o pensamento hipotético dedutivo e a consequente capacidade de abstração; há uma sensação de poder interior: a da inteligência, do pensamento formal, reflexivo; é a fase da pré-adolescência. Nesta fase, a presença do adulto já não se faz necessária. Nos livros as imagens não são imprescindíveis, o texto começa a valer por si só. Os gêneros que mais interessam são contos crônicas e novelas que envolvam grandes desafios (novelas são narrativas maiores do que um conto e menores do que um romance).

LEITOR CRÍTICO: A partir dos 12/13 anos. Esta é a fase do pensamento reflexivo e crítico, do despertar da consciência crítica em relação às realidades consagradas; é também a fase da agilização da escrita criativa. A ânsia de viver funde-se com a ânsia de saber.
 

Ao longo de minha vida como professora de Literatura Brasileira e Literatura Infantil nos cursos de formação de professores, deparei-me com uma questão que ainda hoje divide professores e outras pessoas que trabalham com literatura infantil. A questão é: O livro para criança deve estar voltado apenas ao entretenimento ou deve conter um cunho pedagógico (educativo)?

Vários autores tratam deste tema. Muitos acreditam que, como objeto que provoca emoção, a literatura infantil é arte; Porém, se o texto estiver manipulado por uma intenção educativa, então ele se insere no campo da pedagogia.

Enfim, há duas correntes distintas. A primeira acredita que o livro infantil deve girar em torno do elemento lúdico, já que a função do lúdico seria desestruturar paradigmas cristalizados pelo tempo; a segunda corrente, contudo, acredita que a criança deve ser protegida dos questionamentos e auxiliada em sua inserção social; acredita que o livro deve reforçar valores cultivados através do tempo.  A primeira corrente argumenta que não se deve fugir das questões existentes em um presente que vive em constante transformação.

A propósito deste tema, Nelly Novaes Coelho ressalta que, se analisarmos as grandes obras que, ao longo do tempo se impuseram como literatura infantil, iremos constatar que elas pertencem simultaneamente a essas duas áreas: a área da arte e a área da pedagogia; enfim, há um equilíbrio na existência dessas duas abordagens na mesma obra.  

Contudo, atualmente, observamos em grande parte da produção literária infantil a prevalência de uma dessas duas áreas sobre a outra, fato que gera grandes equívocos.

E as histórias? Quando tenho em mãos um livro infantil, procuro identificar nele suas linhas ou tendências. Se analisarmos as produções recentes, vamos observar que há muito do passado nelas, enfim, em pleno século XXI, passado e presente se misturam para gerar novas formas (considero isto positivo!).

 Os teóricos costumam mencionar que as histórias se desenvolvem a partir de cinco linhas básicas. Cabe frisar que essas linhas não são elementos estanques. O melhor exemplo que temos desta afirmação é a obra de Monteiro Lobato: as histórias sobre o Sítio do Pica-Pau Amarelo costumam perpassar todas as cinco linhas, e isto é maravilhoso: Linha do Realismo Cotidiano (nesta linha há uma gama de desdobramentos: realismo mágico, realismo crítico, realismo lúdico etc), Linha do Maravilhoso (magia), onde as histórias ocorrem em lugar indeterminado na terra, ou fora do lugar e do tempo como os conhecemos; Linha do Enigma: as histórias giram em torno de um mistério a ser desvendado até o final; Linha da Narrativa por Imagens ( histórias contadas apenas através de imagens) e Linha dos Jogos Linguísticos (o autor utiliza recursos de linguagem, fazendo brincadeiras com as palavras para contar a história.

No âmbito da Literatura Infantil, considero muitíssimo importante a dramaturgia, o Teatro Infantil. Ao longo de minha vida como professora, enfatizei bastante esse gênero, sempre com respostas muito positivas. O Teatro mobiliza o jovem e a criança, despertando neles uma grande paixão pelo ato de representar personagens antes explorados nos livros em sala de aula; afirmo, sem medo de errar, que o Teatro faz com que o jovem e a criança apaixonem-se pela escola. Um professor de Literatura pode transformar vidas se trabalhar com o Teatro na escola. Evidentemente isto requer receptividade da direção e da coordenação da escola.  

Tive oportunidade de montar grupos de teatro no Instituto Carmela Dutra, em Porto Velho, eventos que mobilizaram a escola, a direção, pais de alunos e até outras escolas que vinham ao auditório conhecer nossas apresentações. No Rio de Janeiro, durante quase uma década trabalhando na área da Cultura do Instituto Benjamin Constant, tradicional instituição para crianças e jovens cegos, fundada pelo imperador Dom Pedro II, tive oportunidade de montar grupos de folclore e teatro com alunos cegos, inicialmente adaptando, para os cegos, peças da autora Maria Clara Machado, sob a aprovação da autora, à época. Nosso grupo de teatro e nosso grupo de folclore recebiam honrosos convites: além da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, comparecemos à Primeira Jornadinha de Literatura Infantil de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, evento que nos encheu de orgulho, pois nos apresentamos para um público de milhares de crianças e adultos.  Em meio aos escritores ilustres e consagrados, estávamos nós, apresentando uma peça de minha autoria, que tratava da realidade dos alunos cegos. Nossas peças eram ricas em elementos sonoros, utilizávamos recursos como pratos, cornetas, tambores, que levavam as crianças ao delírio.  Para nossa surpresa, fomos ovacionados pelo público presente, nosso teatro foi matéria de capa do jornal local.  

Termino estas breves considerações sobre Literatura Infantil, trazendo um pouco de poesia para crianças. Acredito apaixonadamente que a poesia para criança deve traduzir a alegria que a criança consegue vislumbrar em todas as coisas.

                                                     PARAÍSO

                                                                                    (José Paulo Paes)

Se esta rua fosse minha

Eu mandava ladrilhar

Não para automóvel matar gente

Mas para criança brincar

Se esta árvore fosse minha

Eu não deixava derrubar

Se cortarem todas as árvores

Onde é que os pássaros vão morar?

Se este rio fosse meu

Eu não deixava poluir

Joguem esgotos noutra parte

Que os peixes moram aqui

Se este mundo fosse meu

Eu fazia tantas mudanças

Que ele seria um paraíso

De bichos, plantas, crianças!

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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