Quinta-feira, 18 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Serpa do Amaral

Euclides da Cunha, Paraíbas em luta, a Honra, a Filha do Assassino e o Anarquismo de Cazuza! Tudo farinha do mesmo saco!


Euclides da Cunha, Paraíbas em luta, a Honra, a Filha do Assassino e o Anarquismo de Cazuza! Tudo farinha do mesmo saco! - Gente de Opinião

Na Guerra de Canudos, não sobrou ninguém pra contar estória; todos os viventes seguidores de Antônio Conselheiro foram passados a ferro e fogo, sem piedade, pela máquina mortífera montada nas cercanias do Arraial de Belo Monte pelo exército republicano brasileiro! Hoje teríamos uma visão fake e preconceituosa daquela guerra de fim de mundo, muito provavelmente cultivando uma visão estereotipada e oficialesca, elitizada e opulentamente favorável à bajulação dos vencedores, não fosse Euclides da Cunha ter escrito Os Sertões, contando os fatos tim por tim, desenhando um apanhado histórico-narrativo e denunciativo primoroso! O dono da pena literária fora militar e, nessa condição, teve que engolir a seco primeiro o seu próprio preconceito para depois chegar a um produto textual condizente e mais próximo possível da verdade histórica, sem perder o glamour de uma grande peça literária.

Escrita há 120 anos, o peso da obra levou para o pedestal do podium, na Feira Literária Internacional de Paraty, Flip 2019, a título de homenagem, o nome de Euclides da Cunha, o escriba que cunhou a famosa frase “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Apesar disso, os Paraíbas - como disse o medíocre capitão esfaqueado presidente da república de bananas - nadavam contra a correnteza de um país mergulhado numa estrutura econômica latifundiária, de produção monocultora, com o povo acorrentado a uma explícita e maldosa exploração de mão de obra trabalhadora nos clássicos moldes do Capitalismo Selvagem! O lema de então era: Quem pode mais, chora menos! Duas forças iluminati comandavam a geleia geral brasileira: Deus e o Diabo na terra do sol!!

Os valentes Paraíbas que não se renderam à vida e morte severina tão somente, que não sucumbiram aos sete palmos de cova medida, como parte do que lhes cabia daquele latifúndio, e não optaram por formar grupos de cangaceiros e jagunços, se entregaram à decisão de seguir com fidelidade canina a Antônio Vicente Maciel, o Antônio Conselheiro, também conhecido como o Messias Brasileiro, desafiando a jovem república proclamada por políticos de coturno e bancada pelos barões endinheirados do café. Eram, como na equação jurídica do juiz Sérgio Moro, em declarada tramoia engendrada com o Procurador da República Deltan Dallagnol, como tudo mundo já sabe, dois pesos e duas medidas. A fé dos sertanejos nos Beatos ou Conselheiros, e suas proposituras utópicas, significavam também um legítimo e criativo modus operandi de combater a miséria e extravasar sua revolta com as injustiças sociais que sentiam no oco das tripas ressecadas e famintas.

Todavia, enquanto o mundo das letras festejava mais uma grande realização literária na bucólica Paraty, patrimônio cultural da humanidade, Dirce de Assis declarava aos quatro cantos que queria tirar a palavra assassino da biografia de seu pai, Dilermando Cândido de Assis, o então jovem militar que, em tendo um romance com a mulher de Euclides da Cunha, despachou o autor de Os Sertões dessa pra melhor com certeiros tiros de pistola. Dilermando foi amante de Ana Emília Ribeiro da Cunha, a mulher de Euclides. No trágico duelo, travado em 15 de agosto de 1909, Dilermando, que era campeão de tiro, ainda chegou a levar cinco balaços, mas revidou, e veio a ceifar a vida do grande escritor. Daí em diante Dirce de Assis passou a ser chamada de "filha de assassino", coisa que a angustia profundamente. O pai dela não só matou Euclides, como matou também o filho do criador de Os Sertões em um segundo duelo, do qual, apesar de ferido, também sobreviveu.

Tombaram os cabras da peste, tombou Euclides da Cunha. Ironicamente o famoso escritor que fez um belíssimo tratado sobre o massacre de Canudos, onde as balas e lâminas de baionetas falaram mais alto que as vozes dos miseráveis sedentos de dignidade e justiça social, também sucumbiu a mortalha de projéteis agourentos, em nome de um outro ideal, o da honra aviltada pela traição da mulher amada. Em vida sobrou a filha do executor, tentando limpar o nome do pai da pecha de assassino. Daí que cada um no seu quadrado. Cada ideal guarda em si suas próprias verdades e contradições! No meio dessa área filosoficamente cinzenta, Cazuza saiu pela tangente e gritou: Ideologia! Eu quero uma pra viver! Euclides da Cunha, Paraíbas em luta, a Honra, a Filha do Assassino e o Anarquismo de Cazuza! Para o existencialismo, é tudo farinha do mesmo saco!

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuinta-feira, 18 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Apesar do vazio cultural, da perda irreparável para o humanismo e para a criatividade brasileira e do profundo incômodo emocional provocado pela par

A origem do nome das Três Marias – as estrelas cintilantes da nossa identidade cultural

A origem do nome das Três Marias – as estrelas cintilantes da nossa identidade cultural

Em Porto Velho, todo mundo sabe que as caixas d’água instaladas numa praça do bairro Caiari são popularmente chamadas de Três Marias! Porém, ninguém

 Brasil e o Guaporé, tudo a ver!

Brasil e o Guaporé, tudo a ver!

A obra do jornalista Zola Xavier, Uma Frente Popular no Oeste do Brasil, que será lançada em breve na Casa da Cultura de Porto Velho, desponta hoje

Os Trapezistas do Circo da Fuleragem Assaltaram o Mercado Cultural

Os Trapezistas do Circo da Fuleragem Assaltaram o Mercado Cultural

O bafo sonoro do berimbau de lata repercutiu azedo e cativante ao mesmo tempo, enquanto Dom Lauro verbalizava um canto tribal, tomando para si o cocar

Gente de Opinião Quinta-feira, 18 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)