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Gente de Opinião

Silvio Santos

Milton de Almeida Rego - O Bairro da Olaria no tempo do Cabo Lira



"Existe o barro pra se fazer tijolo e o barro pra se fazer telha. O do tijolo é aquele avermelhado, a tabatinga e o da telha é o barro preto". Assim, o hoje funcionário público municipal lotado na policlínica Ana Adelaide, Milton de Almeida Rego, lembra o tempo em que trabalhou sob as ordens do Cabo Lira na Olaria do Território. "No velório do meu pai, o Cabo Lira me chamou e disse: 'menino você vai trabalhar comigo, vou lhe pagar a diária de um homem grande". Entre tantas histórias desse baixinho que era chamado de "neguim", temos a do dia em que ele estava bancando jogo no arraial do Januário ali na esquina da Sete de Setembro com a Brasília e de repente, salta de um Jeep, nada-mais-nada-menos, que o cantor Waldik Soriano. "Ele já saiu do Jeep cantando e ninguém mais jogou naquele dia para ficar ao lado do Waldik, o faixa preta".

No tempo da abertura da BR-29 hoje 364, Milton trabalhou na CIB no trecho de Ariquemes/Nova Vida; "A gente levava quase um dia para fazer o trecho de 40 km de Nova Vida para Ariquemes tanto eram os atoleiros". Milton confessa que estava naquele comício do Renato Medeiros na Estrada do Tanques quando o motorista jogou a caçamba em cima do povo. "Aquilo foi a maior covardia. O pior foi que o "Velho" motorista, dando uma de esperto, se jogou debaixo da caçamba para se passar por vítima". Pele curta assumido, se diz desiludido com os políticos. "Naquela campanha do Renato eu arrecadava dinbheiro junto ao povo da Olaria para a campanha. Naquele tempo a gente conhecia todo mundo e sabia qual político era bom para nossa cidade".

Hoje Milton é um cidadão que vive para sua família, católico praticante. "Vou a missa aos domingos", não banca mais jogo e nem fuma, mas, é bom de conversa e de histórias, principalmente as vividas por ele no bairro da Olaria. Com vocês Milton do Rego da Olaria. 

Milton de Almeida Rego - O Bairro da Olaria no tempo do Cabo Lira - Gente de Opinião



E N T R E V I S T A


Zk – Você nasceu aonde e quando veio para Porto Velho?

Milton Rego
– Nasci em Humaitá (AM) em 1942, acho que cheguei aqui, quando tinha de 7 pra 8 anos de idade, lembro que aos 10 anos, já estava estudando no Grupo Escolar Duque de Caxias. Quando chegamos aqui, fomos morar na boeira da hoje rua Abunã com o Joaquim Nabuco, era só uma ruazinha e do lado tinha a fazenda do finado Chico e do Dedé da Besta que faleceu no mês passado.

Zk – Hoje esse pedaço terra fica praticamente no centro de Porto Velho, mas em 52 era fazenda de gado?

Milton Rego
- Ficamos morando lá por pouco tempo e depois viemos pra cá pra rua Álvaro Maia com a Campos Sales onde estamos até hoje. Não é de se admirar que na Boeira tivesse fazenda, porque quando viemos pra cá, mamãe criava gado aqui nesse pedaço que ficou conhecido como Olaria. Nosso gado ia pastar onde hoje é o bairro da Liberdade. Esse bairro da Liberdade foi criado pelo 5º BEC.

Zk – Você sabe sobre história da criação do bairro Liberdade?

Milton Rego
– Quem criou o bairro da Liberdade foi o 5º BEC após tirarem os moradores da Baixa da União e do Alto do Bode, para abrir a rua Guapindaia até a REO. Aí eles criaram o bairro da Liberdade que fica entre a Pinheiro Machado e Calama e da Getúlio Vargas até a hoje Jorge Teixeira que quando foi aberta se chama Avenida Kennedy. Por falar nisso a rua Major Guapindaia quando abriram até a REO passou a se chamar Norte Sul e hoje é Rogério Weber.

Zk – Quando vocês foram morar na Álvaro Maia já tinha a Olaria?

Milton Rego
– Já! O Cabo Lira era o administrador da Olaria do Território. Eu trabalhei com o Cabo Lira lá. Meu pai morreu no dia 24 de novembro de 1957 eu tinha 15 anos. Papai era administrador da Serraria Tiradentes.

Zk – Onde ficava essa Serraria Tiradentes e como era o nome do seu pai?

Milton Rego
– Luiz de Almeida Rego era o nome do meu pai. Até hoje quando vou à beira do rio, ali no mercado do Cai N'água, vejo a caldeira que fazia funcionar as máquinas da Serraria Tiradentes. A serraria era de propriedade do governo do Território Federal do Guaporé/Rondônia. Naquela época, as toras de Cedro desciam pelo Rio Madeira e os moradores do Triângulo, Baixa da União e Alto do Bode disputavam as toras no meio do Rio, para venderem para a serraria. Quem chegava primeiro colocava aquele pregão na tora e rebocava com sua canoa até a área da serraria, que também era conhecida como boeira.

Zk – Estávamos falando sobre a morte do seu pai?

Milton Rego
– Bom! Eu estava na missa como coroinha do Padre Chiquinho (a conversa para por uns 2 minutos porque Milton fica muito emocionado). Passei a missa toda, pedindo a Nossa Senhora Auxiliadora pela saúde do meu pai, parecia assim um negócio querendo me avisar de alguma coisa. Quando cheguei em casa, meu pai tinha morrido, então perguntei a que horas ele tinha falecido, quando me disseram vi que era exatamente a hora da missa. Ele foi me avisar. O Ceará cunhado do Januário que era carpinteiro, fez o caixão do meu pai. Naquele tempo não tinha funerária e o caixão era feito por algum carpinteiro.

Zk – E o Cabo Lira entra aonde nessa história?

Milton Rego
- Ele era muito amigo do papai e durante o velório, me chamou e disse, Neguinho – ele me chamava assim, você vai trabalhar comigo. Naquele tempo criança trabalhava, não tinha essa não, é por isso que na nossa geração não tinha essa marginalidade que existe hoje. Bom! Naquele tempo, um homem ganhava na Olaria uma diária de 130 Cruzeiros e os Meninos 65 Cruzeiros a metade. Cabo Lira me chamou, 'Olha neguim, vou lhe pagar a diária de um homem, mas não diga pra ninguém'. Eu tirava na semana 780 Cruzeiros trabalhando o horário normal, sempre o Cabo Lira me escalava para ir buscar barro preto pra fazer telha, lá no Campo do Mario Monteiro que ficava onde hoje é o 5º BEC. Com isso, sempre estava recebendo por semana quase Mil Cruzeiros. Quando a gente voltava o Cabo Lira estava esperando com um panelão de conserva com arroz .

Zk – Explica pra gente onde ficava a localização da Olaria do Território?

Milton Rego
– A Olaria era da Tenreiro Aranha a Gonçalves Dias. Era assim, Álvaro Maia, Tenreiro Aranha, Benjamim Constant e Gonçalves Dias. Eram dois barreiros e no meio, na divisão desses barreiros, tinha uma estradazinha de trilho que ia até por detrás da igreja de São João Bosco. Quando a gente não ia pegar barro preto no Mário Monteiro, pegava ali por detrás da igreja São João Bosco.

Zk – Porque esse barro preto?

Milton Rego
– O barro bom para se fazer a telha é o barro preto e o barro do tijolo é aquele meio avermelhado liguento chamado de tabatinga. Nos finais de semana, eu e meu irmão o professor José Rego íamos pescar no Bate-estaca e trazíamos aquelas piabinhas e jogávamos no barreiro da Olaria. Quando acabava a missa de domingo eu corria na frente da mamãe para ver se tinha alguma Traíra fisgada porque eu colocava a linha sábado a noite.

Zk – Esse terreno onde você mora foi adquirido quando?

Milton Rego
– A gente já morava aqui no bairro. Certa vez ia passando e assisti uma discussão entre o Severino Zuada que era guarda da Madeira Mamoré e o Cartepila que era da Guarda Territorial. O Severino dizendo. 'Vou vender esse terreno porque além de você não pagar o aluguel direito não tem coragem de limpar', aí eu disse, vou comprar esse terreno.

Zk – Tava com o dinheiro?

Milton Rego
– Que nada! Acontece que eu trabalhava com meu irmão que tinha um boteco e o Dr. Fanai que era chefe da Produção, todo o dia, tomava uma cervejinha lá no bar. Vou pedir o dinheiro emprestado do Dr. Fanaia, só que não tinha coragem de pedir ali no bar. Certo dia, assim que ele saiu do bar, pedi a bicicleta emprestada do Sombra Guarda e fui até a casa do dele que era em frente ao Cláudio Coutinho no Caiari. Ao chegar lá bati palma e veio a filha dele me atender. Pedi pra falar e ela disse que ele estava almoçando e que eu passasse depois. A sorte foi que ele ouviu a conversa e reconheceu minha voz e mandou eu entrar me convidando para almoçar com ele. Depois que perdi a vergonha, disse o motivo da minha visita e ele perguntou: 'Quanto custa esse terreno?. Vá lá saber e volte aqui pra me dizer'. Voltei com Severino Zuada e ele me disse que vendia o terreno por 150 Mil, mas teria que ser a vista. Voltei e falei o preço pro Dr. Fanaia e ele me mandou entrar, abriu o cofre e me deu o dinheiro. Dr. Fanaia, como é que vou lhe pagar? Vá comprar o terreno rapaz! Foi assim.

Zk – E como você conseguiu pagar o empréstimo.

Milton Rego
– Arranjei o dinheiro bancando jogo no arraial do Passinho. Primeiro com o "laça cigarro", depois com "Pescaria", passei pra "Roleta". O Arraial do Passinho era famoso. Era montado todo mês de junho na Gonçalves Dias com a Álvaro Maia. Tinha o Boi-Bumbá do Pedrinho filho do enfermeiro Crispim, era o Boi da Olaria e vinha também o Boi Garantido do Zé Luiz. Tem outro detalhe sobre a moradia aqui, naquela época.

Zk Qual é esse detalhe?

Milton Rego
– Era a caçada de Bacurau. Naquele tempo, tinha umas valas de mais de metro de fundura e de largura e a gente ficava caçando Bacurau de baladeira, os que caiam dentro do "barreiro" ninguém pegava, mas, os que caiam em terra a gente levava e a mamãe cozinhava com arroz, era muito gostoso. Quando eu abri o comércio, vendia refresco de litro e oferecia aos meninos, um litro de refresco pra eles irem caçar Bacurau pra mim no campo de aviação do Caiari. Ali se matava Bacurau de vara. A gente chegava lá, encandeava o Bacurau com a luz de uma lanterna e baixava a vara, e era só colocar no saco de estopa que a gente leva às costas. Onde hoje é essa Pitzzaria Água na Boca, a gente colocava arapuca pra pegar, Rolinha, Inambu, Juriti e Saracura pra comer com arroz.

Zk – É verdade que o bairro da Olaria era cheio de campo de futebol?

Milton Rego
– Onde hoje está a Água na Boca era o campo do nosso time Santo Antônio; Onde é o Denit era o campo do Canto do Rio e onde está o prédio do Ministério Público era o Maracanazinho.

Zk – Naquele tempo existiam lavanderias populares?

Milton Rego
– Onde hoje funciona uma Maçonaria na José Bonifácio tinha uma lavanderia; Tinha outra na Joaquim Nabuco entre a Benjamim Constant e a Quintino Bocaiúva, no bairro do Mocambo também tinha uma em frente a casa do meu sogro João Mãozinha. Certa vez, sugeri por escrito a um vereador, que o prefeito Roberto Sobrinho criasse lavanderias na periferia, acho que esse vereador que não quero falar o nome, não apresentou minha sugestão ao prefeito.

Zk – E tinha um terreiro de macumba no bairro?

Milton Rego
- Tinha o Samburucu que era da mãe de santo conhecida como Chica Macaxeira. Eu, o compadre Mac Donald Rivero, Lucine Pinheiro e o finado Carlito Preto éramos assíduos freqüentadores do Samburucu, desses só resta eu vivo.

Zk – E carro, automóvel?

Milton Rego
– Que automóvel que nada! Carro aqui era carroça de boi e carrinho de mão. Os carroceiros eram, o Dedé, Nelson que era chamado de Jacu; Gaguinho Guarda e o Chicute que morava em frente a Samaritana. No tempo das férias de final de ano, a gente ia para a localidade de Assunção no baixo Madeira onde minha avó morava e quando voltava trazendo as coisas do beiradão pra cá, não tinha dinheiro pra pagar um Jeep e então, contratava um carregador, que trazia nossas coisas da beira do rio, até aqui na Olaria, de carrinho de mão. O carregador era o Chico Flor.

Zk – Lembro que você tinha um comércio e agora não tem mais o que houve?

Milton Rego
– Quem acabou com o meu comércio foi o Plano Sarney. Dias antes de anunciarem o Plano, veio aqui um representante do Supermercado "CO", dizendo que o gerente havia lhe autorizado que vendesse pra mim, fiado, o que eu quisesse. Ainda fiquei em dúvida quanto aquela conversa, mas, o cara era bom e terminou por encher meu comércio de óleo, açúcar, sabão tuxaua e leite. Era muita mercadoria pra pagar com 90, 120 e 150 dias. No outro dia saiu o Plano Sarney e gente que nunca tinha pisado no meu comercio chegava com aquele papel que baixava os preços (tablita). Exemplo: se uma lata de leite custava Cinco Cruzeiros, pela tabela do Plano eu tinha que vender por Dois Cruzeiros. Aí passei tudo fiado pra Lilica que era vereadora na época e ainda tive prejuízo, foi quando me desgostei e fechei o comercio.

Zk – E passou a viver de que?

Milton Rego
– Estava em casa quando chegou o querido e saudoso amigo Luiz Gonzaga Ferreira Farias, me convidando para apoiar sua candidatura a vereador. Para encurtar a conversa nós ganhamos a eleição juntamente com o Chiquilito. Aí o Chiquilito me nomeou administrador do Mercadinho da Olaria. Eram 16 Box dos quais apenas 4 funcionavam, o terreno em redor era um matagal só. Fui com o Tião Valadares que era o secretário de Obras e ele colocou a minha disposição caçambas e uma patrol e nós limpamos tudo. Fui com Miguel Arcanjo e consegui comprar fiado, tinta e todo o material para recuperar o Mercado, inclusive vasos sanitários. Quando cheguei com a despesa e apresentei ao Dr. Luiz Gonzaga ele disse meu Deus, Chiquilito não vai concordar. Fui com alguns vendedores e negociei o Box, dando 4 meses de carência para eles começarem a pagar o aluguel, aí foi que o Dr. Luiz se espantou, mesmo assim tudo foi resolvido e a professora Marize Castiel me elogiou pelo meu trabalho. Quando o Chiquilito saiu, entrou o Guedes que nomeou o Fleury Azevedo e ele acabou com o Mercadinho da Olaria. Quando o Chiquilito voltou no segundo mandato deu o prédio para os Bombeiros.

Zk – Você sabe alguma coisa sobre a história da Caçamba dos Cutubas que invadiu o comício dos Peles-Curtas?

Milton Rego
– Aquilo foi no comício do Dr. Renato Medeiros que era muito amigo do finado meu pai. Bom, o comício aconteceu na rua dos Tanques (Lauro Sodré) quando veio o "Velho" com a caçamba e meteu no meio do povo, que ia em passeata. Eu estava no comício. O Carlos Melo (Tampinha) vinha correndo e me encontrou, 'Miltinho, Miltinho, vamos lá pra tua casa que to com medo de me prenderem'. Acontece que ele era funcionário e estava apoiando o Renato, naquele tempo. a perseguição era braba pra quem era contra o governo. O Velho motorista para escapar de ser linchado ou preso, foi pra debaixo da caçamba se dizendo uma das vítimas.

Zk – Morreu muita gente?

Milton Rego
– O certo foi que ninguém ficou sabendo se ele foi mandado, ou fez aquilo por conta própria. Ele pagou, terminou os dias em cadeira de roda, foi castigo por ter feito o que fez. Não sei com certeza quantos morreram, dizem que foram dois apenas. Agora ferido foram muitos.

Zk – Você é casado com quem?

Milton Rego
- Minha primeira mulher foi a filha do João Mãozinha lá do Mocambo a que eu vivo hoje, veio do Rio Grande do Sul em 1973 trazida pelo Amir. Tenho três filhos com a gaúcha e apenas um com a primeira. É o tal negócio, veio lá do Rio Grande e a gente por aqui bancando jogo e tal e terminamos por ficar juntos até hoje. É o destino. 

Fonte: Sílvio Santos

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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