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RONDON: ALÉM DA LINHA TELEGRÁFICA - EXPEDIÇÃO ROOSEVELT


RONDON: ALÉM DA LINHA TELEGRÁFICA - EXPEDIÇÃO ROOSEVELT - Gente de Opinião
EMANUEL PONTES PINTO

Ao chegar a estação telegráfica Barão de Melgaço, em outubro de 1913, vindo de levantamentos geográficos e topográficos efetuados nas margens do rio Gi-Paraná e em alguns de seus afluentes, Rondon recebeu telegramas dos Ministros da Guerra e das Relações Exteriores, determinando a sua vinda ao Rio de Janeiro, pois fora indicado para acompanhar o ex-presidente dos Estados Unidos da América, Theodore Roosevelt e sua comitiva, como emissário do governo brasileiro, em uma viagem de exploração que realizaria na Amazônia. O acervo coletado pelos especialistas, seria enviado ao Museu Americano de História Natural de Nova York.36

Embora a indicação tenha sido feita pelo Presidente da República, Rondon a recebeu com reservas, por temer que fosse uma aventura venatória e só confirmou a sua participação quando ficou convencido de sua finalidade científica. Receava desempenhar o papel de guia turístico ou ser integrante de um safári de caça, pois fora informado que Roosevelt, após as suas expedições à África e a outros países, se tornara caçador.37

Roosevelt exercera a presidência dos Estados Unidos da América em dois mandatos. Era um homem vigoroso, disciplinado, autoritário, naturalista nato e, ansioso para rever o filho Kermit, de 23 anos, que trabalhava na Amazônia “construindo pontes no rio Xingu”. Decidiu realizar pesquisas de história natural no norte do Brasil, por insistentes sugestões do seu amigo e colaborador padre John Augustine Zahm,  ex-professor de química e física na Universidade de Notre Dame e evolucionista, que ficara mundiado pela natureza da América do Sul, ao percorrer, de canoa, o rio Amazonas, acompanhado por um guia igaraúna. 38   

Rondon, entretanto, no seu planejamento, achou preferível adotar a rota inicial de explorações através dos rios Arinos, Juruena e Dúvida, com embarcações dispostas nas suas margens, em lugares de fácil acesso. Mas,  para se precaver, mandou preparar mapas de outros cinco itinerários, enviando-os ao ministro Lauro Muller para serem submetidos à consideração de Roosevelt, que escolheu, com surpresa, a mais difícil, que era a do ainda desconhecido rio da Dúvida. 

O governo do Paraguai colocara à disposição de Roosevelt um confortável iate, usado pelo presidente da República e, ao entardecer do dia 9 de dezembro de 1913, saiu de Assunção conduzindo os expedicionários norte-americanos pelo curso do rio Paraguai.39 Houve demora da expedição, por mais dias, na cidade de Concepcion, onde a embarcação ficou ancorada ao largo, para reabastecer de provisões e  combustível. 

O encontro entre Rondon e Roosevelt ocorreu nas margens do rio Paraguai, do lado brasileiro da fronteira, acima da cidade de Concepcion. Dali ambos viajaram em embarcações separadas até a cidade de Corumbá, onde Roosevelt solicitou a Rondon que inspecionasse os equipamentos que trouxera, pois, com a sua conhecida experiência, poderia aconselhar a aquisição de outros, necessários naquela viagem, o que foi feito sem objeções.

Longos percursos foram efetuados, em seguida, por recantos do pantanal imenso, atravessado pelos limites do Paraguai e do Brasil, onde houve a coleta de variadas espécies de plantas, peixes e animais. Depois, Roosevelt e seus acompanhantes, foram transferidos para o vapor Nioa, preparado por Rondon para continuação da viagem pelo interior de Mato Grosso.

A comitiva de Roosevelt tinha sete participantes: Kermith Roosevelt; padre Zahm; George Cherrie, naturalista; Leo Miller, naturalista; Jacob Siggg, enfermeiro e cozinheiro; Frank Harper, secretário de Roosevelt; Antonio Fiala, explorador ártico. O grupo de Rondon, 19: capitão Amílcar Magalhães; tenente Lira; tenente Melo; tenente Laureado; tenente Pirineus; Dr. Cajazeiras, médico; Euzébio Oliveira, geógrafo; Reinisch, taxidermista; Hoehne, botânico. Atendentes: João Parecis, Antônio Parecis, Antônio Corrêa, Júlio (que durante a viagem assassinou o negro Paixão), Pedro Craveiro, Macário, Paixão, França, Luiz e Simplício.40  

O confortável navio, com mesa farta, variada e redes atadas no tombadilho, navegou entre as margens revestidas de vegetação, com os ramos pendentes sobre a corrente e, neles, as aves, com seus trinados, deleitaram os viajantes, até a cidade de São Luiz de Cáceres, onde terminou a primeira e mais fácil das etapas do percurso.41 Houve ai o transbordo dos passageiros, cargas e equipamentos, para uma embarcação menor.

A chegada dos expedionários no quartel general da Comissão Rondon, em Tapirapoan, ocorreu a 16 de janeiro e, nesse povoado, foi efetuada a preparação de mil pássaros, aproximadamente, e de 250 mamíferos, para serem enviados ao Museu de Nova York, via Paraguai. Daí foi organizado o itinerário por terra, rumando para o norte através de áreas habitadas pelos indígenas Parecís e Nhambiquaras. As provisões foram recondicionadas em dezenas de latas especiais, cada uma com rações para seis homens durante um dia. O comboio de 10 muares e 70 bois cargueiros, já estava preparado, assim como as mulas com celas para todos os integrantes da expedição, sendo que a montada por Roosevelt, forte e de boa andadura, estava ajaezada com arreios de prata. O percurso seria feito através de um planalto, entre os rios que correm em direção a bacia amazônica e de outros que se dirigem à bacia platina, com os expedicionários divididos em dois grupos: o primeiro sairia no dia 19 de janeiro, chefiado pelo capitão Amílcar, com a finalidade de reparar pontes, fazer estivas, limpar o caminho; o segundo, no dia 21, com Roosevelt, Rondon, ten. Lira, Dr. Cajazeira, Zahm e Kermit, levando as bagagens a cargo de Fiala e a previsão de seguir até Salto Belo, sobre o rio Sacre e, depois, rumar para o Salto Utiariti, no rio Papagaio, visitando, no percurso, as aldeias dos nativos Parecis que trabalhavam nas obras da linha telegráfica.42

A estação de Aldeia Queimada foi alcançada no dia 23, e no dia 29 Salto Belo (conhecido também como Timalatiá), onde Roosevelt, admirando-se das realizações da Comissão Rondon, fez calorosos elogios à capacidade e à resistência dos seus oficiais, soldados e trabalhadores. Rondon, incontinente respondeu que recebia aqueles elogios como expressões de sua bondade e simpatia. Roosevelt, então, com vivacidade e em tom enérgico, retrucou: “Saiba, sr. coronel, que não tenho o hábito de fazer elogios a ninguém. Digo só o que sinto e penso. Sou um verista, amo e pratico a verdade e a justiça, e nada há no mundo que me faça faltar a uma e infringir a outra”.43   

Ali a expedição foi dividida em mais um grupo, para descer e efetuar o levantamento topográfico do rio Papagaio, integrado pelo americano Fiala e pelo militar brasileiro ten. Santana. A missão deles foi cumprida, apesar do naufrágio, em uma cachoeira, de uma das canoas. Depois dos reparos a viagem prosseguiu através dos rios Juruena, Tapajós e Amazonas, até aportar em Manaus. Os outros grupos continuaram como foram constituídos. O chefiado pelo capitão Amílcar ficou incumbido de explorar também os rios Comemoração de Floriano, Pimenta Bueno e Jiparaná, para chegar ao rio Madeira, onde aguardaria o terceiro, de Roosevelt e Rondon, que faria a exploração do rio da Dúvida.44

Quando o grupo de Roosevelt e Rondon alcançou, em 15 de fevereiro, a estação de Campos Novos, onde existia uma invernada de gado e muares da linha telegráfica, as mulas de carga foram substituídas por bois, por terem melhor desempenho na travessia do extenso itinerário, nos dias seguintes, quando seriam encontrados riachos lamacentos, pântanos, campos e florestas. Depois de dois dias de percurso a caravana estacionou na estação telegráfica de Vilhena e, adiante, em uma pascana na margem do riacho 12 de outubro - contribuinte do rio Jiparaná, afluente do rio Madeira -, onde foi instalado o acampamento. Dali o trajeto foi feito sempre no rumo do norte, passando por um chapadão mormacento, até transpor um dos afluentes do rio Tapajós.

O itinerário seguinte ocorreu através de um platô, entre as vertentes dos rios Jiparaná e Tapajós, onde uns córregos derramam no rio da Dúvida e outros no rio Ananás, cujos formadores foram identificados, após a travessia de campos, florestas e córregos ate chegar à fazenda Três Buritis.45

Dali o comboio prosseguiu, passando pela  estação José Bonifácio e a 25 de fevereiro estacionou na margem esquerda do rio da Dúvida, atravessado pela linha telegráfica. Ali estava em atividade a tripulação encarregada de ultimar a preparação dos equipamentos e da carga, para o trajeto fluvial planejado e ansiosamente esperado.

Rondon explicava que a hipótese de ser o rio da Dúvida um dos formadores do Aripuanã, acarretaria profundas modificações na cartografia da região e, por isto, passaria a ser admitido que não só ia ultrapassar o paralelo de 9 graus como, também, atingiria a latitude de 12 graus e 39 minutos Sul. Nesse caso, o seu curso correria entre o Canumã e o Marmelos, pois um deles figurava rumando para o Ocidente e o outro para o Oriente, sem espaço entre os dois para correrem outros tributários do Aripuanã. Só a exploração e o levantamento desse complicado rio, por ele denominado de rio da Dúvida, poderiam fornecer os dados necessários para solução daquelas pendências. Referiu ainda que o Aripuanã, em certa altura de seu curso, dividia-se em dois ramos, sem conhecer, porém, qual deles correspondia ao estuário por ele descoberto anteriormente. A solução desse enigma tornara-se o principal compromisso assumido por aqueles expedicionários.46    

As sete canoas, preparadas para efetuar o reconhecimento do rio, tiveram a seguinte destinação: uma era exclusiva para Roosevelt; duas para o levantamento topográfico sob a responsabilidade de Rondon, Lira e Kermit; as quatro restantes foram ligadas temporariamente duas a duas e transformadas em balsas, ocupadas por Cherrie, pelo medico Cajazeira, por 10 soldados e oito tripulantes.47

Fora estabelecido que, se não ocorresse incidentes na viagem, as embarcações a cada dia se tornariam mais leves pelo consumo de alimentos. Se houvesse qualquer anormalidade, com perdas de canoas nas corredeiras, ou de mortes por emboscadas de índios, afogamentos nas cachoeiras ou por doenças, seria “peso a menos”. A expedição ia entrar numa região desconhecida e ninguém poderia prever qual o destino de cada integrante.48

Após o almoço, no dia 27 de fevereiro de 1914, a flotilha saiu do ancoradouro  situado a 12º 1’ de latitude Sul e 17º 34” de longitude Leste do Rio de Janeiro, conduzida por igaraúnas experientes - inclusive os que iam no jacumã -, ao sabor de forte correnteza por transcorrer à estação dos repiquetes, com a incerteza se aquele estuário ia desaguar no rio Madeira ou no rio Tapajós.

A canoa da vanguarda era ocupada por Rondon, que operava a baliza e a bússola para determinar a direção, o registro das observações e a formulação de cálculos. Em outra canoa Lira e Kermit mediam as distâncias com o telêmetro.

Ao anoitecer, enquanto o acampamento era montado, houve o anúncio que fora de 12 quilômetros o percurso daquele dia. Nenhum civilizado, até então, fizera o que aqueles expedicionários estavam fazendo e nem vira o que eles estavam vendo, naquele rio soturno, com o silêncio alterado pelo movimento das aves, pela aragem no perpassar entre os ramos das árvores e o borbulhar das águas nas restingas dos estirões.

No dia seguinte continuaram os percalços com o aumento gradativo da corrente, sinalizando a aproximação de mais corredeiras, cachoeiras e quedas, por onde a água passa alvoroçada entre as pedras dispostas umas sobre as outras com tanta força e rapidez, que as canoas, por precaução, foram amarradas juntas para os seus ocupantes retirarem a carga, carregando-a depois até o porto improvisado situado abaixo.

Em vários trechos do rio as embarcações foram conduzidas sobre faxinas, através de caminhos preparados na lateral de saltos íngremes e perigosos. O carregamento acondicionado em volumes com até 30 quilos, seguia nos ombros dos tripulantes e trabalhadores dotados de bom preparo físico, resistência, desembaraço e boa vontade no desempenho dessa tarefa. Após serem reembarcadas às bagagens, utensílios, equipamentos e gêneros de subsistência, às canoas prosseguiam e, adiante, tornavam a parar para novo desembarque.

Houve obstáculos que paralisaram o percurso em um e até mais dias. Na travessia de um deles, perderam-se duas canoas, obrigando a uma estadia  prolongada na margem para construir outras. A diligência saiu dali somente no dia 14 de março e os levantamentos continuaram, embora nas correntezas e corredeiras os rebojos, remoinhos, pedrais, troncos submersos, causassem anormalidades periódicas nas atividades. Nesse dia foi encontrado um trecho acidentado do rio que era uma cachoeira contínua. Rondon e Lira foram explorar o local e procurar passagens que permitissem chegar ao fim do obstáculo e, ao regressarem, não encontraram Kermit, nem a sua canoa e isto causou preocupação, pois as águas, à proporção que se aproximam da queda, assumem velocidades incríveis antes de se precipitarem nos tombos. Quando Karmit retornou disse que pretendeu aproximar-se do salto para observar e nisso a sua canoa foi arrastada e acabou tragada por redemoinhos. Ele conseguiu soçobrar, mas o caboclo Simplício, que ia no jacumã, desapareceu para sempre. Ele e o seu cão Trigueiro salvaram-se com dificuldade.

Todos ficaram amargurados com a tragédia. Roosevelt, demonstrado preocupação, falou a Rondon de sua felicidade por ter Kermit sobrevivido do acidente e de sua consternação pela morte de Simplício. Disse, também, que desde então sentia a vida de seu filho ameaçada a cada momento, mais do que a de qualquer membro da expedição, pela ameaçadora e constante presença dos índios, pois a sua canoa sempre ia à frente. Achava que convinha ser limitado o levantamento expedito, pois os “(...) chefes, num grande empreendimento como este, só se devem ocupar com a determinação dos pontos principais. Os grandes homens não devem ter preocupações com minúcias”.   Rondon respondeu não ser “grande homem” e nem se tratava de fazer o trabalho com minúcia, pois “(...) o levantamento do rio é elemento indispensável, sem o qual a expedição terá sido inteiramente inútil (...) Kermit não mais irá à frente”.49  

Quando uma das canoas, feita com madeira pesada, naufragou numa área sujeita a ataque de índios, por ter arrebentado a sirga na travessia de uma cachoeira, a expedição deveria parar pelo menos durante quatro dias para ser construída outra. Porém, a viagem prosseguiu com as embarcações carregadas pouco acima dos limites e, por precaução, treze homens passaram a seguir a pé, margeando o rio, evitando que as duas partes da expedição se distanciassem uma da outra.

A avaliação, nos 18 dias de viagem nesse trecho, revelou o percurso de 125 quilômetros, o consumo de 1/3 das provisões, a perda de um homem, um cão e quatro canoas.

Rondon e Cherrie, muitas vezes, ao saírem dos acampamentos de pernoite, seguiram também pela margem, acompanhando o trânsito das embarcações onde Roosevelt e os enfermos se encontravam. Ao atravessarem a confluência de um rio caudaloso, Rondon o denominou de Kermit, já convicto que aquele curso era o coletor principal de uma grande bacia hidrográfica. E esta certeza ele manifestou em solenidade realizada na manhã do dia 18 de março, com a leitura de uma “Ordem do Dia” cientificando à Comissão Brasileira e comunicando à dos Estados Unidos da América que, daquela data em diante, se chamaria Roosevelt o estuário identificado em 1909 e, até então, denominado rio da Dúvida. Na mesma ocasião inaugurou o marco com a inscrição. Kermit: 11º, 27’, 20” lat. N. 17º, 17’ 12” long. 0. do Rio de Janeiro.50

A viagem prosseguiu dali com a mesma organização e, em certos momentos, às canoas ultrapassavam os que caminhavam pela margem, onde, às vezes, vários sinais da presença de índios eram encontrados e ali colocados brindes de machados, facas e contas. Foi assinalado, no dia 22 de março, um avanço de 140 quilômetros no percurso e o aumento de duas canoas, na flotilha.

Ocorreu na manhã do dia 2 de abril, um grave acidente. O cabo Paixão, negro graduado como sargento por relevantes serviços prestados ao exército nacional, foi assassinado pelo soldado Julio, flagrado ao roubar gêneros do rancho. A fuga do assassino obrigou Rondon a designar um grupo de soldados para ir a seu encalço e prendê-lo. O destino do criminoso, quando fosse capturado, foi discutido pelos chefes da expedição, em posições antagônicas: Roosevelt, exaltado, propunha que Julio fosse preso e fuzilado, pois “(...) quem mata deve morrer - assim é no meu país”; e Rondon, moderado, replicou ser isto impossível, no Brasil, onde, quem comete um crime, é julgado e não assassinado. Os desentendimentos persistiram e, por fim, Roosevelt, aceitando os argumentos de Rondon, declarou: “Pois bem, meu querido coronel, cumpra-se à lei de seu país.”51        

Os expedicionários, naqueles dias, já apresentavam sinais de estafa com os trabalhos nas freqüentes cachoeiras de diversas extensões, nas correntezas com paus de bubuia nos remansos e nos remoinhos perigosos. Kermit passou a ter acessos de febre e outros doentes, americanos e brasileiros, além de febres, queixavam-se de diarréias e vômitos que, além de constrangimentos, diminuíam as atividades deles nos encargos que lhes eram atribuídos.

Roosevelt foi acometido de febre palúdica e, quando ajudava a desencalhar uma canoa, machucou gravemente uma perna, obrigando Rondon a paralisar a viagem. Delirando, em certo momento, Roosevelt o chamou e disse-lhe: “A expedição não se pode deter. Por outro lado, não me é possível prosseguir. Partam e deixem-me.” Rondon, surpreso, respondeu ao enfermo: “(...) a expedição se chama Roosevelt-Rondon e não é, por isso, possível separarmo-nos”.52   

Estes estados de depressão, após os acessos de paludismo com frio, suor e febre, eram conhecidos por Rondon e pelo médico que assistia o enfermo: um por ter sofrido muitos acessos palúdicos, o outro pelo contínuo tratamento de pessoas com manifestações semelhantes.

Após a diminuição das crises nos doentes, a viagem continuou, com Roosevelt acomodado em uma canoa coberta, sob constante assistência do medico Cajazeira. Ninguém, na expedição, gozava de boa saúde e o moral também desceu, especialmente com o precário estado de saúde de Roosevelt, agravado com a erisipela surgida na perna direita.

O aparecimento de uma placa na margem do rio, com a inscrição J. A., assinalando os limites de um seringal e adiante o aparecimento da barraca de um seringueiro no meio do estirão, animou os viajantes.53

Declarou o morador, admirado com o aparecimento dos expedicionários em seu tapiri, que há tempos saíra com outros companheiros pelo rio Madeira. Depois entrara no rio Aripuanã e subira por aquele afluente, denominado de rio Castanho, situando-se naquela colocação que além de ter seringueiras de boa produção, tinha muita caça e igarapés piscosos.  

Verificaram os viajantes, daí em diante, que aquele rio era habitado por outros extratores de borracha, mestiços de três raças, corteses, sorridentes, dignos, que se recusavam receber qualquer pagamento pelo que lhes ofereciam.

A primeira casa de comércio foi encontrada no dia 20 de abril, onde a expedição se abasteceu e, a 26, transpôs a última cachoeira do rio Roosevelt, até encontrar, abaixo, o acampamento do ten. Pirineus, que havia um mês aguardava ali os expedicionários, com o barco a vapor Cidade de Manaus, ancorado próximo à margem.54  

No dia seguinte, 27 de abril, a expedição reuniu-se para assistir a leitura da Ordem do Dia. Rondon salientou, na ocasião, que aquele estuário cuja parte superior fora assinalada em mapas com a denominação de rio da Dúvida e a sua parte desconhecida, que a expedição percorrera, chamado Castanho ou Baixo Aripuanã pelos seringueiros, era todo um só e grande rio, com 1.409 quilômetros e 174 metros de extensão. E ele, devidamente autorizado pelo Governo Brasileiro, determinava que aquele afluente do rio Madeira, com as suas nascentes a 13º e sua foz a 5º de latitude Sul, inteiramente desconhecido dos cartógrafos e até, em grande parte, das próprias tribos locais, estava doravante denominado rio Roosevelt.55   

Ao encerrar o embarque e a acomodação dos expedicionários no confortável barco fluvial que ali aguardava, a viagem continuou na manhã do dia imediato. Ao transitar pela foz do rio Branco, afluente da margem esquerda do rio Roosevelt, houve uma parada num vilarejo para ligeira visita a algumas taperas habitadas por famílias de seringueiros e o acontecimento foi assim assinalado no diário de Roosevelt: “(...), alguns deles eram negros puros, outros 100% índios e muitos de sangue sul-europeu, mas, em regra geral, o que mais se notava, era a miscigenação dessas três raças, em vários graus”.56

Roosevelt, após alguns dias, já não apresentava mais sintomas da erisipela e da malária, pois os calafrios e febres haviam cessado, porém, surgiram no seu corpo vários furúnculos que o inquietavam por ser obrigado a permanecer muito tempo de bruços. Rondon previu que ele, naquela situação, teria de desembarcar em Manaus de padiola e, para evitar constrangimentos, providenciou o retardamento da viagem, marcando a chegada da expedição naquela cidade na madrugada do dia 30 de abril. Recomendou pelo telégrafo de bordo ao governador do Amazonas, que a chegada de Roosevelt fosse sigilosa e cômoda e isto ocorreu, pois ele foi recepcionado discretamente e hospedado com honras especiais no palácio governamental, onde permaneceu depois de operado da furunculose.

Embarcou andando no navio que o conduziu até Belém, onde o esperava uma belonave para conduzi-lo aos Estados Unidos. Rondon levou-o a bordo, acompanhado do tenente Lira e do médico Cajazeira. Roosevelth despediu-se de todos, comovido, manifestando, constantemente, com gestos e palavras, que se sentia muito agradecido.

Roosvelt e Rondon entenderam-se bem durante essa aventura na Amazônia, especialmente, após ter o arguto político e explorador norte-americano analisado a obra político-social de seu companheiro, relacionada à pacificação dos indígenas, movida, sobretudo, por sentimentos de bondade, justiça, tolerância e compreensão. Soube que, anteriormente, sem a permissão dos nativos, ninguém poderia penetrar em suas terras, pois quem o fizesse, sem esse requisito, era considerado inimigo. Isto mudara, pois eles se tornaram menos agressivos e, muitas aldeias, foram transferidas para as imediações das estações telegráficas, com permissão de cultivarem sem sobrossos as terras adjacentes. A convivência originou entre eles sólida amizade, fruto da admiração e do respeito que passaram a ter um pelo outro, durante os cinco meses - dezembro de 1913, até maio de 1914 - que estiveram percorrendo uma das regiões mais desconhecidas, perigosas e selvagens da Amazônia.

Após a conclusão do relatório da “Expedição Científica Roosevelt-Rondon”, apresentado por Rondon ao governo federal, o remoto afluente do rio Aripuanã até então indicado como rio da Dúvida, com a exata definição de sua situação geográfica passou a constar nos mapas do Brasil como rio Roosevelt. A Sociedade de Geografia de Nova York, após o regresso de Theodor Roosevelt, concedeu ao coronel Rondon o prêmio Levingstone, não só pela sua participação na expedição Roosevelt-Rondon, mas, especialmente, por o considerar o sertanista que mais explorou regiões tropicais no mundo, incluindo o seu nome numa placa de ouro ao lado de outros eminentes exploradores.     

 

RONDÔNIA

Após passar alguns dias com sua família no Rio de Janeiro, Rondon viajou para o rio Madeira, a fim de examinar as frentes de trabalho da Seção Norte (Guajará-Mirim, no rio Mamoré e Jarú, no rio com a mesma denominação). A inspeção iniciou na vila de Santo Antônio, onde a estação foi instalada à 8º 48’ L. S.; seguiu depois para a estação de cachoeira do Samuel (distante 54 km. de Santo Antônio); daí passou por São Pedro, Caritiana, Bom Futuro e Ariquemes, nas margens do rio Jamari e, por fim, a do Jaru, todas interligadas às estações da Seção do Sul: Presidente Pena, Presidente Hermes, Pimenta Bueno, Barão de Melgaço, José Bonifácio e Vilhena.

Após a verificação, Rondon decidiu inaugurar a linha telegráfica Mato Grosso-Amazonas, no dia 1º de janeiro de 1915, em cerimônia realizada na Câmara Municipal de Santo Antônio do Rio Madeira, com a presença de representantes dos governadores dos dois Estados e autoridades locais.  57

Ao retornar a Capital Federal, Rondon organizou e presidiu a instalação do Ciclo de Conferências sobre a “Comissão Rondon,” no Museu Nacional, onde o conferencista Roquette Pinto, no início dos trabalhos, propôs a designação de Rondônia ao território compreendido entre os rios Juruena e Madeira, atravessado pela linha telegráfica Mato Grosso-Amazonas, para homenagear, com um preito de gratidão e justiça, aquele emérito sertanista, levando em conta os originais e numerosos elementos geológicos, geográficos, botânicos, zoológicos, antropológicos e etnológicos, identificados naquela área.58

Desde então a nesga do território nacional atravessada pela linha telegráfica, apelidada de “língua do Mariano”, passou a ser, em toda a sua extensão, fator de progresso, por permitir e estimular o trânsito através do picadão de 30 e até 40 metros de largura, não só de pessoas, mas, também, de comboios de bois e muares, destinados aos povoados, seringais, fazendas e aldeamentos indígenas, que se instalaram ao longo de suas laterais.59

Aquele espaço, envolvido desde então pela mística do rondonismo - em conseqüência da ação humanística de seu desbravador e responsável pelas transformações daquele meio natural em meio geográfico - passou a se destacar, no seio da hiléia, por se situar comprimido entre os Estados do Amazonas, Mato Grosso, Acre e a República da Bolívia.

A integração, tanto geográfica como política e econômica dessa região do centro-oeste brasileiro, foi realmente impulsionada, no alvorecer do século XX, pela atuação de Rondon na demarcação de sua superfície e, também, como mentor da posterior ação humana responsável pela transformação do seu meio natural no seio da Amazônia Brasileira.

Após operacionalizar o sistema telegráfico que construiu, Rondon retornou as atividades no sertão. Entre 1915 e 1919 efetuou importantes explorações em outras áreas remotas de Mato Grosso, Goiás e Pará, transpondo, depois, o vale do Araguaia no rumo das cabeceiras do Xingu, do Tapajós e após, pelo Sucundurí e Canuman, chegou ao Madeira. Daí atingiu as vertentes do Paraguai e desceu pelo seu curso a procura do divisor das águas do Paraná com o Taquari e Aquidauana. Identificou, também, os manadeiros do Correntes, Itiquira, Garças, São Lourenço, Arinos e Teles Pires, retornando ao Madeira para subir o Ji-paraná, a fim de mapear os divisores do Machadinho com o Anarí, Anarí-Jarú, Jarú-Urupá. Desceu depois o Jamarí, para conhecer os afluentes, rios Branco e Preto e, a seguir, delineou a linha divisória das bacias do Ji-paraná e Guaporé. Atravessou, dali, à serrania da extremidade norte da cordilheira dos Parecís, na ponta oriental da Serra Pacaás-Novos, onde termina o cerradão do Tramak, na divisa do Ji-paraná com a do Guaporé, situada no extenso campo dos Urupás, até se deparar com a gruta Arai que, outrora, foi o Panteon desses indígenas, pois lá estavam as caveiras de seus mais valentes chefes. Daquele meio afluem de um lado os manadeiros do Ji-Paraná e, do outro, os do Guaporé. 

Após mapear a área do Tramak, Rondon seguiu para o sul e executou idêntico trabalho nos rios Uopiane, Aleixo Garcia, Pires de Campos, Pascoal Moreira e Antunes Maciel, atravessando, no percurso, as terras habitadas pelos indígenas Cabixis, Uômos, Aruás, Puru-Borás e Macurapes. 

Quando foi efetuada, em 13 de abril de 1923, a exposição dos mostruários da Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas Mato Grosso-Amazonas, durante as comemorações do Centenário da Independência do Brasil, no Rio de Janeiro, Rondon confirmou, no discurso inaugural, ter identificado em pesquisas efetuadas nas áreas que percorreu no sertão ocidental, os seguintes minerais: sulfureto de ferro nas cabeceiras do rio São Lourenço; ouro e diamantes nas cabeceiras do Cabixi e Corumbiara; manganês nas origens do rio Manuel Correia, na serra Pires de Campos e no vale do rio Sacre; Gypsito (ou gesso) nas cabeceiras do rio Cautário; mica (ou malacacheta) no córrego do Campo, contribuinte do rio Apidiá ou Pimenta Bueno; ferro no vale do baixo rio das Garças. Destacou a abundante concentração de ipeca cinzenta nas cabeceiras de afluentes do rio Gi-Paraná e entre os rios Cautário-São Miguel, na bacia do rio Guaporé, como, também, a existência de seringais inexplorados ao Norte do paralelo de Diamantino e as margens dos vales do Araguaia e do Guaporé.60

Ao revelar, na ocasião, a existência de ouro e de diamantes somente nas cabeceiras dos rios Cabixi e Corumbiara, afluentes do rio Guaporé, Rondon omitiu o aparecimento da mesma ocorrência nas imediações da cascata 15 de Novembro, situada nas cabeceiras do rio Apidiá ou Pimenta Bueno, do mesmo modo como deixou sem explicações o contorno da linha telegráfica desde a estação de Vilhena até a de José Bonifácio, com a extensão de 83 quilômetros, pois o terreno permitia um rumo direto, atravessando uma área identificada por ele como sendo o centro da lendária campanha de Urucumacuan.61  

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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