Brasília - A renúncia do papa Bento XVI deve ficar em segundo plano no legado deixado por ele, se considerado o que fez em oito anos de pontificado, como a coragem demonstrada no enfrentamento às denúncias de pedofilia dentro da Igreja Católica Apostólica Romana e às intrigas, assim como a defesa da tolerância religiosa. A conclusão é do embaixador do Brasil na Santa Sé, Almir Franco de Sá Barbuda, que esteve com Bento XVI numerosas vezes desde outubro de 2011, quando foi nomeado para o posto.
Em entrevista à Agência Brasil, Sá Barbuda disse que sua impressão sobre o papa é a “melhor possível”. “É um homem muito corajoso, ele saiu de peito aberto em defesa do que acredita. Ele brigou para vencer as intrigas e combater os casos de pedofilia dentro da Igreja, esteve com algumas das vítimas e chorou com elas. Fez muito em defesa do ecumenismo e da tolerância religiosa, ao visitar sinagogas e mesquitas”, disse o diplomata.
A seguir estão os principais trechos da entrevista do embaixador.
Agência Brasil - Quais são as impressões do senhor sobre o papa Bento XVI?
Almir Franco de Sá Barbuda - Minha impressão é a melhor possível. É um homem muito corajoso, ele saiu de peito aberto em defesa do que acredita. Ele brigou para vencer as intrigas e combater os casos de pedofilia dentro da Igreja, esteve com algumas das vítimas [dos casos de pedofilia] e chorou com elas. Fez muito em defesa do ecumenismo e da tolerância religiosa, ao visitar sinagogas e mesquitas. Foi a Cuba e falou o que pensava. Nunca deixou de dizer o que pensava. Definitivamente é um homem de coragem.
ABr - O senhor avalia que resumir o legado de Bento XVI à renúncia é reduzir o que ele deixará para a posteridade?
Sá Barbuda - Sem dúvida, ele deixará muito para a história, além do que mencionei. Devem ser considerados os esforços feitos por ele para rejuvenescer a Igreja, nomeando cardeais mais jovens do que o habitual, como no caso das Filipinas [dom Luis Tagle que foi nomeado aos 55 anos], e por ser o papa da palavra, por sua cultura e conhecimento. Ele também tentou resolver questões deixadas pelo papa João Paulo II, que no final do seu pontificado estava muito enfermo [cujo pontificado foi de 31 anos e terminou em 2005].
ABr - O senhor destaca a cultura de Bento XVI, nas suas conversas ele demonstrou conhecer o Brasil?
Sá Barbuda - Sim, sempre. Ele sempre destacava o fato de o Brasil ser o maior país católico [a estimativa é que 63% da parcela da população que se declara religiosa sejam católicos]. Também costumava comentar sobre sua preocupação com as comunidades ribeirinhas do Amazonas. Como em 2008, foi assinado um acordo jurídico entre a Santa Sé e o Brasil, garantindo a preservação do patrimônio da Igreja, ele também demonstrava apreço por isso.
ABr - Para o senhor, a escolha de um novo papa pode mudar as relações entre a Santa Sé e o Brasil?
Sá Barbuda - Não acredito. Nada vai mudar nem vejo possibilidade de isso ocorrer. As relações entre a Santa Sé e o Brasil existem desde a primeira missa realizada em solo brasileiro [celebrada em 1.500 pelo padre Henrique de Coimbra e imortalizada em um quadro de Victor Meireles denominado A Primeira Missa no Brasil]. Ano passado, o ministro [das Relações Exteriores] Antonio Patriota esteve aqui [na Santa Sé] com o chanceler Dominique Mamberti [que representa a Santa Sé]. Há muita coisa em comum entre a política externa da Santa Sé e do Brasil.
ABr - Como católico e diplomata com mais de 40 anos de experiência é diferente representar o Brasil na Santa Sé?
Sá Barbuda - É muito diferente. É uma atividade bastante diferente da exercida por embaixadores em outros locais do mundo, pois, em geral, há muitas celebrações religiosas e é necessário observar que existe uma intensa atividade política também. Não é à toa que países não católicos também têm representantes na Santa Sé. Há ainda situações curiosas, pois quando um embaixador se reúne com o papa ele deve se apresentar de casaca [traje de cerimônia que não permite variações e exige, inclusive, que os sapatos sejam de verniz preto] e com todas suas condecorações.