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Vinício Carrilho

Uma minoria não pode ameaçar o Estado de Direito e a ordem jurídica democrática


Uma minoria não pode ameaçar o Estado de Direito e a ordem jurídica democrática - Gente de Opinião

Em uma resposta sucinta ao Leo Ladeia, em questão lançada ontem no programa Tempo Real, acredito que, juridicamente, em nome da insatisfação pública, uma minoria não pode ameaçar o Estado de Direito e a ordem jurídica democrática. Especialmente se esta minoria não refletir os anseios da maioria. É o que temos visto nas sombras da Multidão que abalou a República brasileira nesses dias. Esta minoria é formada por vândalos, sejam universitários ou não, sejam de classe média ou trabalhadores. Alguns são membros do crime organizado, como o grupo que na quarta-feira tentou arrombar uma loja de armas em São Paulo. Em meio ao protesto pacífico de duas centenas de milhares de pessoas, esta minoria queria armas para que?

Ocorre que, aproveitando-se da presença incontrolável de milhares de pessoas, esta minoria depreda o patrimônio público, invade lojas e rouba seus pertences, estoura caixas eletrônicos. Então, é óbvio que esta minoria não expressa uma maioria que tem consciência de estar ali para lutar contra a corrupção e a carestia social. De forma direta, juridicamente, a Multidão no Brasil não ameaça o Estado de Direito ou o status quo, como queriam, comparativamente, os jovens do chamado Maio de 68. Em 1968, a partir de Paris, jovens de todo o mundo gritavam e ocupavam as ruas exigindo reformas profundas na estrutura social. Uma de suas principais reivindicações era, como ocorre hoje, por uma educação pública de qualidade.

Politicamente, o fenômeno da Multidão no Brasil não é revolucionário, não quer tomar o poder, como se viu na Primavera Árabe da Tunísia e do Egito. Em sua maioria, são pessoas descontentes, absolutamente descrentes da moralidade pública, mas não são revolucionários. É provável que o tempo se encarregue de esvaziar a mobilização, sobretudo agora que já bateu a casa de um milhão de manifestantes nas grandes capitais do país. O movimento ou já chegou em seu pico ou está próximo disso. As pessoas voltarão às ruas mais algumas vezes – até porque se sentem com força e se veem fazendo história –, mas também não concordam com o vandalismo e com as ameaças à integridade (de cada um e dos outros). A democracia direta, se é que podemos entender a Multidão nesses termos, provoca o cansaço de se fazer política com as próprias mãos, e todo dia, o que gera um cansaço adicional. Em todo caso, o Brasil sairá mais forte desses movimentos, ao menos as pessoas estarão mais esclarecidas de seus anseios sociais, políticos, econômicos. Vimos e recebemos um Brasil melhor com as Diretas-Já (1983-1984) e no grande debate público instalado com a Assembleia Nacional Constituinte (1985-1988). O mesmo ocorre hoje. Depois desse Inverno na Política Brasileira, acredita-se, o povo terá mais consciência política, com mais maturidade e profundidade republicana em suas próprias ações.

Os políticos profissionais receberam um recado claro das “vozes roucas e jovens das ruas” e isto deve se manifestar já nas próximas eleições. Políticos mentirosos contumazes terão mais dificuldade em se eleger. Agora, mudanças políticas profundas devem demorar um pouco. Os reflexos dos movimentos devem ter início rapidamente, mas sua efetivação deverá levar mais algum tempo. Neste sentido, politicamente, a Multidão já trouxe mais legitimidade política à democracia brasileira. Contudo, na contramão da história, os pedidos de impeachment da presidente Dilma são totalmente descabidos e servem à manipulação eleitoreira de uma parcela da oposição político-partidária. Hoje, o impeachment nada mais é do que uma tentativa golpista de tomar o poder – a todo custo – e é motivado pelo fracasso das elites tradicionais em recuperarem o espaço político perdido nos últimos tempos. Seria um tipo de golpe institucional, como vimos em Honduras e no Paraguai.

A história está aberta e o Brasil está mais maduro. A Multidão deve ocupar as ruas, mas com cidadania, sem negar os direitos fundamentais de quem quer que seja. Não podemos perder o bonde da história outra vez, mas também não podemos colocar a carroça na frente dos cavalos.

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO

Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ

Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais

Doutor pela Universidade de São Paulo

 

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