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Francisco Matias

O TRATADO DE PETRÓPOLIS, 110 ANOS DEPOIS


       

Por Francisco Matias(*)

1.Terça-feira, 17 novembro de 1903, rua Westphalia, nº 5,cidade de Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, residência oficial do chanceler José Maria da Silva Paranhos Junior do Rio Branco, o Barão do Rio Branco, era assinado um dos mais importantes acordos diplomáticos já formulados pelo Itamaraty em todos os tempos: o Tratado de Permuta de Territórios e Outras Compensações, conhecido como Tratado de Petrópolis. Estavam presentes à mesa de reunião os plenipotenciários brasileiros, diplomatas José Francisco de Assis Brasil, que ocupava o cargo de ministro plenipotenciário do Brasil nos Estados Unidos da América, e o Barão do Rio Branco, ministro das relações exteriores e chefe do Itamaraty. Representando o governo da República da Bolívia, os diplomatas Fernando Eloy Guachalla, senador da república, nomeado enviado extraordinário e chefe da missão especial para deliberar sobre as negociações, e D. Claudio Pinilla, ministro das relações exteriores da Bolívia, na condição de enviado extraordinário e plenipotenciário.

2.Era, portanto, uma reunião da mais alta cúpula diplomáticade ambos os países, que, em boa e devida forma, assinaram o Tratado de Petrópolis na manhã daquela terça-feira. Estava selado o destino da fronteira oeste da Amazônia e do que viria a ser o Estado do Acre e uma importante parcela do de Rondônia. Sobretudo, foi finalizado o projeto da ferrovia Madeira-Mamoré, construída entre 1907 e 1912. Um dos enigmas desse acordo diplomático é a chamada guerra do Brasil com a Bolívia pela posse da região que forma o estado do Acre. Jamais, nos confrontos entre tropas bolivianas, mercenários do Sindicato e dos que integravam as forças comandadas pelo gaúcho José Plácido de Castro, houve enfrentamentos de tropas regulares brasileiras com as bolivianas. Apesar de o Brasil ter ocupado a região dos rios Acre e Xapury com uma pesada força militar, a Bolívia estancou seu avanço e preferiu negociar a travar uma guerra que sabia não tinha a menor chance de vencer, a não ser se recebesse o prometido apoio militar dos Estados Unidos.

3.Mas, o governo norte-americano entendeu que não seria viável perderum grande aliado como o Brasil em troca de vidas de seus soldados na floresta amazônica, de perda econômica e de um profundo desgaste político. Diante dessa situação, a Bolívia ficou isolada no confronto. De um lado, enfrentava as tropas de seringueiros e mercenários lideradas por Plácido de Castro, que fustigavam os bolivianos (militares, indígenas, mercenários e seringueiros) em todas as frentes, do Abunã ao Yaco. De outro, havia o estacionamento de forças do Exército que passaram a ocupar o Acre setentrional. Não havia alternativa viável no campo da luta. A saída foi a negociação diplomática, na qual, de certa forma, a Bolívia saiu vencedora.

4.O Tratado de Petrópolis rendeu ao Brasil a anexação do Acre, mediante pagamento de duas parcelas semestrais de mil libras esterlinas cada uma, mais indenização ao Bolivian Syndicate e pagamento de honorários advocatícios. A Bolívia, por sua vez, livrou-se de um problema sem solução: o Acre, uma região contestada, ocupada por bolivianos, peruanos e, sobretudo, por aventureiros do Brasil dispostos a tudo para defender sua produção, seus seringais, seus empregos, seus comércios e suas vidas. Além disso, a Bolívia ganhou seu caminho de ferro para escoar sua economia, tendo em vista ter perdido o acesso ao oceano Pacífico na guerra com o Chile (1879/1882).

5.Mais ainda: a Bolívia recebeu do Brasil o compromissodiplomático de construir a ferrovia Madeira-Mamoré, uma compensação incluída na última hora pelos diplomatas bolivianos no Tratado assinado em Petrópolis naquele 17 de novembro de 1903. Para o estado de Rondônia, os desdobramentos geopolíticos do Tratado de Petrópolis, com ênfase à ferrovia Madeira-Mamoré, forçaram os governos do Amazonas e do Mato Grosso a criar três municípios: Santo Antonio do Rio Madeira, em 1908, Porto Velho, em 1914, e Guajará Mirim, em 1928. Esses municípios deram origem ao Território Federal do Guaporé, em 1943. O município de Santo Antonio do Rio Madeira foi extinto em 1945. Restaram Porto Velho e Guajará Mirim que ordenaram o Território Federal de Rondônia, em 1956, e foram os principais responsáveis para a criação da maioria dos atuais municípios rondonienses, a exemplo de Ariquemes, Ji-Paraná, Cacoal, Pimenta Bueno e Vilhena, em 1977 e do próprio estado, em 1981.

6.O município de Porto Velho, que completará cem anos em 2014, somente foi possível devido a povoação inaugurada no dia 4 de julho de 1907, denominada Porto Velho of the Madeira River. A partir de 1908, com o esvaziamento da Vila de Santo Antonio e o aporte de centenas de imigrantes, surgiria outra povoação, Porto Velho de Santo Antonio. Em 1914 ocorreu a criação do município, cuja instalação deu-se no dia 24 de janeiro de 1915. Mas, a elevação e unificação dessas duas povoações somente ocorreu no dia 7 de setembro de 1919, com a edição da lei nº 1.101, que deliberou sobre a criação da cidade de Porto Velho.

7.Nesse 17 de novembro de 2013, quando o Tratado de Petrópoliscompleta 110 anos, o estado de Rondônia está completamente envolvido em sua origem e seus desdobramentos políticos, sociais e econômicos, como a erradicação da ferrovia Madeira-Mamoré, a extinção do ciclo ferroviário, a construção e manutenção da BR 425, da ponte sobre o rio Mamoré, interligando Brasil e Bolívia e o asfaltamento da carretera (rodovia) que interliga as cidades de Riberalta e La Paz. 

8. Portanto, passados 110 anos, o Tratado de Petrópolis aindaé um enigma político e diplomático, sendo fonte de pesquisa e estudos em todos os níveis, desde o ensino médio ao mais elevado curso do ensino superior, no que se refere a ciência política, geografia, história, direito, sociologia, relações internacionais, e do próprio Itamaraty, na formação dos diplomatas brasileiros.

Historiador e analista político*

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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