Sábado, 25 de janeiro de 2014 - 05h03
Diz-se comumente que o erro na medicina é o pior de todos, porque os médicos lidam com a vida humana. Contudo, será que o erro judicial – especialmente no direito penal – que resulta na prisão indevida, por anos a fio, de um cidadão faminto, não está ceifando sua vida? Como recuperar o tempo de flagrante injustiça, ao se prender alguém pelo furto insignificante de um objeto não mais valioso do que uma margarina? O Estado também não paga as indenizações em que é condenado pelo fracasso do erro judicial.
Em todo caso, em alguns aspectos, o direito é fantástico, pois não precisa ser gênio e nem graduado para entender o óbvio. Neste caso, o custo processual, o dispêndio social e moral de se ter um preso por ninharia é evidente. A obviedade indica que a relação custo/benefício pende para um dos lados da balança. Qualquer pessoa esclarecida, com juízo regular, deveria concordar que o bom senso deve prevalecer e, neste caso, a prisão é ilegal, indevida, descabida.
Este tipo de conduta dos gestores públicos ou dos agentes do Judiciário configura verdadeiro atentado ao bom senso. Por isso, o senso comum consegue alcançar esta compreensão. Não é à toa que os mortais mais comuns mantém uma desconfiança enorme quando se trata do Poder Público no Brasil. Portanto, quando verificamos empiricamente que não são poucos os casos de pessoas mantidas presas pelo furto de valores insignificantes, outra conclusão possível é de que o Judiciário está carente de méritos e de bom senso.
[Uma] pesquisa analisou processos do Supremo Tribunal Federal (STF), entre 2005 e 2009, e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), até 2011, e selecionou acórdãos em que o principio de insignificância foi mencionado em alguma etapa do processo. O que resultou em 458 casos analisados [...] De acordo com o coordenador do estudo e professor da Faculdade de Direito (FD) da USP, Pierpaolo Cruz Bottini, o exemplo clássico é quando alguém furta uma maçã na feira [...] Na pesquisa, este tipo de caso e outros, como estelionato, foram classificados de “crime contra o patrimônio”. Os dados mostram, no entanto, que no STF o princípio de insignificância foi reconhecido em 52,2% desses casos, enquanto que, no STJ, o tribunal aceitou o conceito em 71,3% dos acórdãos. “O número de pessoas presas por furto hoje é muito grande” [...] Mas o princípio de insignificância não serve apenas para crimes contra o patrimônio. Outro caso em que o conceito pode e deve ser aplicado é nos casos dos chamados “crimes contra a ordem econômica”, como, por exemplo, nos casos de sonegação fiscal[1].
O crime contra o patrimônio, sempre se soube, é mais grave do que o crime contra a vida. Quase todos esperam décadas por um precatório, mas dever trinta reais para o fisco é um crime contra o Estado.
Alguém pode dizer que sobrevive nas masmorras brasileiras e que se ressocializa ao deixar o sistema? Aliás, se o cidadão furta um pacote de pão ou margarina, para matar a fome, ele precisa entrar no sistema prisional e depois se ressocializar? Não seria um pouco mais inteligente matar a fome dessas pessoas e deixar o presídio para aqueles que não suportam o convívio social?
Mais do que decorar o artigo da lei para ser aprovado em concurso, especialmente se tratamos de uma lei caduca, o juiz deve exercitar a sinapse social. Com casos assim uma última conclusão inicial aponta para uma justiça insignificante, até mesmo prejudicial socialmente falando. Nada dessocializa mais do que a injustiça.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia – UFRO, junto ao Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ. Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais e Doutor pela Universidade de São Paulo. Bacharel em Ciências e em Direito, é jornalista.
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de