No dia 1º de abril de 1964, eu tinha oito anos e já estava com o uniforme do Grupo Escolar, pronto para ir para a aula. Meu padrinho, que era comandante do destacamento da Polícia Militar, chegou para tomar café na casa da minha avó e ao me ver uniformizado disse para eu não sair à rua, pois tinha acontecido alguma coisa e muita gente estava sendo presa.
Mais tarde, do mesmo dia, soube pela babá da minha irmã que ela viu muitos caminhões cheios de soldados e concluiu: "O Brasil está em guerra!" As aulas só recomeçaram algumas semanas depois. No quadro negro, o nome do novo presidente da República: Humberto de Alencar Castello Branco, mas a professora não soube explicar o que houve. Eu sabia, porque na minha casa meus pais e avós tinham o hábito de escutar rádio.
SUGESTÃO DE LEITURA
Às vésperas dos 50 anos do golpe militar, o assunto volta a ser a revolução de 64. E o tema se desdobra nos contra e a favor do regime militar e tem muita gente falando besteira. Sugiro a leitura do artigo "Não foi bem assim como dizem hoje", do jornalista Carlos Chagas, que reproduzo abaixo:
NÃO FOI BEM ASSIM COMO DIZEM HOJE
CARLOS CHAGAS
Os militares cometeram erros execráveis. Mas também contribuíram para o milagre que é a preservação da unidade nacional
Hoje, 50 anos depois, prevalece a falsa impressão de que a partir do 31 de março de 1964 o Brasil insurgiu-se por inteiro contra o golpe militar. Agora, todo mundo diz ter sido da resistência, todo mundo lutou contra a ditadura, todos arriscaram suas vidas.
Não foi nada disso. Depois da tomada do poder pelas Forças Armadas, a imensa maioria da população acomodou-se e até aplaudiu. O país continuou vivendo, cada um preocupado com seus problemas, até que com o passar dos anos e os excessos praticados pelo regime, bem como seu esgotamento, a tendência nacional posicionou-se contra.
Nos meses anteriores ao 31 de março de 1964 os ânimos estavam exaltados, dividido o país em dois grupos minoritários, mas em crescimento. De um lado, as esquerdas que imaginavam mudar tudo por meio de reformas, senão adotando as teorias marxistas, ao menos aproximando-se do modelo socialista.
Também havia nesse grupo heterogêneo os partidários da ditadura do proletariado, que sustentavam a ruptura das instituições vigentes e a adoção de um violento sistema de governo, supressor das liberdades.
Do outro lado, situava-se um grupo de empedernidos defensores de seus privilégios, infensos a mudanças, que, sem coragem de opor-se às reformas, levantavam a bandeira do combate ao comunismo, aliás sem o menor lugar na realidade nacional.
Tudo era absorvível pela maioria, que igualmente desprezava os dois extremos, até a hora em que os ânimos se acirraram, possivelmente um com medo do outro, ou ambos buscando aproveitar-se do adversário.
O presidente João Goulart era herdeiro de Getúlio Vargas, promotor das maiores reformas sociais e econômicas verificadas em nossa história, com os direitos trabalhistas e a industrialização, ainda que por muitos anos tivesse sido patrono do retrocesso político, com o Estado Novo, ditadura declarada.
Jango entendia dever avançar na esteira de Vargas, mas acabou, como ele, sufocado pelos que o acusavam de ser candidato a ditador. A ênfase para a distorção era dada pelo empresariado, parte das Forças Armadas, mais da metade do Congresso e a totalidade da igreja. De outro lado, posicionavam-se intelectuais afoitos partidários da transformação radical, mais sindicalistas e camponeses desesperados, presas fáceis de exploradores.
Apesar de conciliador, grande proprietário de terras, o presidente ficou com as reformas, cada vez mais agressivas, despertando seus contrários. Tentou fazê-las todas de uma vez e aí quebrou a cara.
Impossível não referir o papel das elites conservadoras, melhor organizadas. Atuavam junto à maioria situada entre os dois extremos, cooptando-a com ameaças contra sua precária estabilidade. Mobilizavam a maioria da imprensa, cujos barões delas faziam parte, e assustavam os militares e a igreja.
Armava-se o palco para o confronto que apenas retoricamente indicava o equilíbrio de forças. Os favoráveis às reformas faziam espuma e fumaça, mas não dispunham de mecanismos para impor o seu modelo. Como sempre, as classes trabalhadoras permaneciam à margem, carecendo de vontade e meios.
Inoculada pela propaganda contra as reformas, bem como receosa de mudanças, a classe média não se insurgiu contra o golpe militar. Até o apoiou, inicialmente.
Por isso se ousa contradizer o sentimento que hoje grassa na maior parte dos jovens que agora se ufanam de haver lutado contra a ditadura, metade deles que nem havia nascido em 1964: não foi nada disso! A sociedade acomodou-se, pouco lamentou a queda de Goulart e bateu palmas para o general Castello Branco e depois para o general Garrastazu Médici. Só aos poucos, com a truculência, o arbítrio, a tortura e a censura, é que se fez sentir o repúdio ao regime militar.
O mundo não está dividido entre mocinhos e bandidos, mesmo que muitos sejam mais bandidos do que mocinhos. Apesar de tudo, o Brasil continua. Os militares cometeram erros grotescos. Execráveis. Mas também contribuíram para esse verdadeiro milagre que é a preservação da unidade nacional. Eles e quantos existiram antes e quantos vieram e virão depois.
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