Segunda-feira, 31 de março de 2014 - 05h53
Cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, IPCC na sigla em inglês, divulgaram na noite deste domingo (30) o segundo capítulo de um relatório sobre o clima global e concluíram que são "altamente confiáveis" as previsões de que danos residuais ocorram em diferentes partes do planeta na segunda metade deste século, mesmo se houver corte substancial de emissões de gases de efeito estufa nos próximos anos.
Chamado de "Sumário para os Formuladores de Políticas, o texto, que analisou o impacto, adaptação e vulnerabilidade do planeta mediante às mudanças climáticas, aponta ainda que a população pobre, principalmente de países tropicais, como o Brasil, será a mais afetada por situações de seca e inundação, com risco de insegurança alimentar, caso não haja planejamento para adaptar culturas agrícolas às possíveis realidades.
O documento é o segundo volume do quinto Relatório de Avaliação elaborado pelo painel da Organização das Nações Unidas (ONU) e as informações são complementares ao primeiro capítulo do relatório, divulgado em setembro passado, que abordava A Base das Ciências Físicas.
Nele há afirmações sobre o estado climático atual e previsões de como será a mudança global até 2100 (leia mais sobre o primeiro capítulo no fim deste texto).
Elaborado após uma semana de calorosas negociações em Yokohama, o capítulo vai ajudar a trilhar negociações entre governos para criar uma política internacional que reduza as emissões de gases e, com isso, frear o aquecimento global. Uma terceira parte do relatório deve ser divulgada ainda este ano.
Vulneráveis ao clima
O segundo capítulo do relatório aponta que populações pobres que vivem em regiões costeiras podem sofrer com mortes e interrupções dos meios de subsistência devido ao aumento do nível do mar e que altas temperaturas em regiões semi-áridas poderão causar grandes perdas para agricultores com poucos recursos, o que aumentaria o risco de insegurança alimentar.
Regiões tropicais da África, América do Sul e da Ásia devem sofrer com mais inundações, devido ao aumento de tempestades. Regiões já vulneráveis, que registram constantemente enchentes e deslizamentos de terra, como o Sudeste do Brasil, podem sofrer graves consequências com o acréscimo do volume de chuvas.
Sobre os recursos hídricos, o texto afirma que há fortes evidências de uma redução da oferta de água potável em regiões subtropicais secas, o que aumentaria disputas entre regiões pelo uso de bacias hidrográficas – algo semelhante ao que acontece atualmente entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, com a disputa pelo uso da água do Rio Paraíba do Sul para abastecer o Sistema Cantareira.
O texto estima também uma elevada perda de espécies de plantas e animais pela pressão humana, como a poluição e o desmatamento de florestas, além de redução dos recifes de corais no Caribe e costa de países tropicais, como o Brasil, por conta da acidificação, fenômeno causado pelo excesso de CO2 na atmosfera.
Impactos no Brasil
José Marengo, pesquisador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre, ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é um dos autores do novo capítulo elaborado pelo IPCC. Ele conversou com o G1 direto de Yokohama, onde aconteceu a conferência, e detalhou sobre o impacto da mudança climática sobre o Brasil.
Segundo Marengo, que cuidou do trecho sobre as Américas Central e do Sul, foi reduzida a ameaça de savanização da Amazônia pelo aumento da temperatura entre 2ºC e 4ºC até 2100, conforme diagnóstico divulgado em 2007 pelo próprio IPCC. Isso, segundo ele, não diminui a preocupação sobre o bioma, que pode sofrer graves consequências por alterações no regime de chuva, desmatamento e temperatura maior no leste e sul amazônicos.
“O que se observa agora é que a floresta amazônica deve resistir. Talvez a situação não seja tão grave, mas a preocupação persiste”.
Ele explica ainda que regiões como o Sudeste do Brasil, a região de Buenos Aires, na Argentina, e localidades nos Andes devem sofrer com o excesso de chuvas, principalmente cidades que já são vulneráveis atualmente, com registros de alagamentos e deslizamentos de terras. “Os extremos ficarão constantes. No futuro, deverá ocorrer muita chuva acumulada em poucos dias, além de mais dias secos e de mais calor”, explica.
Necessidade de adaptação na agricultura
O texto traz também informações sobre a necessidade dos países investirem na adaptação de diversas áreas para enfrentar as mudanças no clima. Um dos pontos principais é sobre a questão agrícola.
O brasileiro Marcos Buckeridge, também autor do texto do IPCC, explica que a segunda parte do relatório alerta governos sobre possíveis danos à produção de alimentos que podem ser evitados com investimentos na biotecnologia e em técnicas que possibilitem um plantio de qualidade em áreas já degradadas, sem a necessidade de expansão para regiões preservadas – o que resultaria em desmatamentos.
Ele conta que isto evitaria perdas na produtividade causadas pelo aumento de CO2. Se por um lado o excesso desse gás contribui no crescimento de arroz, soja ou milho, por exemplo, as emissões reduzem o teor de proteína das sementes e podem provocar queda na qualidade do alimento. Isso afetaria a produção de comida para abastecer a população mundial, em constante crescimento.
“Como medida de adaptação sugerimos que lancemos mão de tudo que pudermos para ajudarmos as plantas”, disse o pesquisador.
Previsões científicas
O primeiro capítulo afirmava que há mais de 95% (extremamente provável) de chance de que o homem tenha causado mais de metade da elevação média de temperatura registrada entre 1951 e 2010, que está na faixa entre 0,5 a 1,3 grau.
O documento apontava ainda que o nível dos oceanos aumentou 19 centímetros entre 1901 e 2010, e que as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso aumentaram para "níveis sem precedentes em pelo menos nos últimos 800 mil anos".
Sobre as previsões, a primeira parte trouxe também a informação de que há ao menos 66% de chance de a temperatura global aumentar pelo menos 2ºC até 2100 em comparação aos níveis pré-industriais (1850 a 1900), caso a queima de combustíveis fósseis continue no ritmo atual e não sejam aplicadas quaisquer políticas climáticas já existentes.
Os 259 pesquisadores-autores de várias partes do mundo, incluindo o Brasil, estimaram ainda que, no pior cenário possível de emissões, o nível do mar pode aumentar 82 centímetros, prejudicando regiões costeiras do planeta, e que o gelo do Ártico pode retroceder até 94% durante o verão no Hemisfério Norte (leia mais).
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