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Gente de Opinião

Serpa do Amaral

Associação Cultural pede respeito à cultura do povo de Rondônia


Associação Cultural pede respeito à cultura do povo de Rondônia  - Gente de Opinião
 


Exigimos respeito com o nosso Tacacá e o nosso Açaí! O nome da Praça é Marechal Rondon, e não Praça do Baú! Exigimos respeito com a nossa cadeirada de Tambaqui, seja lá do Remanso do Tucunaré ou restaurante do seu Nelson! Não chamem de Pipa o nosso Papagaio!

Veja o discurso na íntegra:

Senhoras e Senhores, Porto-velhenses, Rondonienses e Rondonianos:

Com a entrega desta obra de restauração do prédio da antiga Câmara Municipal à comunidade de Porto Velho, fincamos um marco positivo na história do acervo cultural do nosso Estado. Relembro como se fosse hoje que outro dia estávamos acampados aqui, na tentativa desesperada de fazer democracia com as próprias mãos. Aqui nestas instalações, botamos a boca no trombone! Denunciamos o descaso para com este patrimônio histórico! Gritamos contra a agressão perpetrada em desfavor da memória política de Porto Velho! Esperneamos e buscamos apoio junto a setores da sociedade civil. Conosco estiveram a Imprensa, Engenheiros, Sambistas, Arquitetos, Advogados, Professores, Educadores, Ferroviários, Estudantes, Artistas, Escritores, Historiadores, Servidores Públicos, Geógrafos, Músicos, Poetas, Sindicalistas, Folcloristas, Dançarinos, Religiosos, Maçons, Produtores Culturais, Gente Simples do Povo e até Intelectuais! Todos, de alguma forma, colaboraram para esta  vitória! Precisamos agora valorizar a nossa luta, o nosso esforço!  Tentaram jogar nossa história na lata do lixo e nós tivemos de ir lá resgatá-la!

Parafraseando o poeta Vinícius de Moraes, diríamos: De repente não mais que de repente. Fez-se triste o que se fez contente. Fez-se luz onde só havia trevas, Fez-se largo o que parecia estreito, Fez-se Belo o que parecia feio, Fez-se queda o que parecia esteio, Fez-se alento o que parecia Parco.  // Fez-se esquecimento o amor amado, Fez-se da luta um viver na sombra, Fez-se ruína o que fora abençoado, Fez-se da conquista um não dar-se em conta. De repente, não mais que de repente!

A arte também tem o dom de emprestar sua voz ao discurso da Política. Mas a mesma sensibilidade que invoca o verso convoca também a crítica para mostrar o reverso, para fazer a análise racional dos fatos da vida, para desnudar a trama e mostrar o drama. E foi mesmo uma trama, uma ardilosa trama, urdida por vários elementos que hoje compõem o cenário social, político e econômico do nosso Estado, que levou este edifício histórico a ficar do jeito que ficou: na lama da memória, no lodo da dignidade, no fundo do poço do esquecimento. Indefeso e rabugento, aqui ele quedou-se arrasado e lazarento, despersonalizado e inútil! Patético como se tivéssemos perdido a vergonha na cara!

Somos a Associação Cultural Rio Madeira, somos Rondonienses e Rondonianos, nascidos e não-nascidos aqui neste sertão amazônida, unidos por um único ideal: lutar pelo respeito à nossa memória, lutar pela dignidade da nossa gente,  pela preservação do patrimônio material e imaterial do Estado de Rondônia.  Exigimos respeito com o nosso Tacacá e o nosso Açaí! O nome da Praça é Marechal Rondon, e não Praça do Baú! Exigimos respeito com a nossa cadeirada de Tambaqui, seja lá do Remanso do Tucunaré ou restaurante do seu Nelson! Não chamem de Pipa o nosso Papagaio!

Na nossa Terra, Amazônia, tem pé-de-moleque, curumim, tajá e tapera,

Saltenha, samburá, pupunha, samambaia e pitomba

periquito, barreiro e tucupi,  porco-do-mato, jambu e borduna,

índio Karipuna e Cinta-Larga, sucupira e mangaba,

tucumã, macaxeira, leseira e tramela,

Tem pimenta malagueta e o cheiro do jenipapo,

urucum, papagaio, sabiá e anum

ingá, tupinambá, tapioca e guajará-mirim

dança, fogueira, festança e jaci,

tem macaco prego e mungango,

também tem cunhã, cipó, cascavel e hortelã,

surubim, pico-de-jaca, febre terçã e potoca,

farinha de tapioca, biribá, cupuaçu e paneiro,

pajé, ziquizira, uirapuru e mutum,

crença de lua, a lenda da caninana,

mel de abelha, caju, zarabatana, cacique e tambor,

piolho, goiaba, araçá e pamonha ,

iara, tchaca-tchaca-na-butchaca e zueira,

cachoeira, mata fechada, castanheira, peixe-boi, pereba, beiradão e piranha

oca, cafuné, maloca, munjangué, paçoca e pirão,

trovão, invernada, pororoca e piracema,

chocalho de cascavel, penacho de amo de boi,

tribo, concelho, saúva, suvela e buriti,

patativa e fresca da tarde, macumbas e carnavais.

boto tucuxi e piaba, jiquitaia, tucandeira, pixilinga e piranha.

quizomba, romarias e benzedeiras de Santa Bárbara e  Samburucu!

Caldo de caridade, Jota Lima, croquete e mucururu!
 

Foi na condição de militantes da Associação Cultural Rio Madeira que um dia ocupamos este prédio em ruínas. Antes nos reuníamos no Bar do senhor Alcimar Casal, o Zizi - a quem prestamos postumamente nossa homenagem -, e no Bar do Zizi, no Mercado Cultural, deliberávamos sobre nossa pauta de trabalho. Por sugestão do juiz de direito José Berlange Andrade, bravo militante do nosso movimento, a quem rendemos especial saudação, passamos a nos reunir aqui. As fotos estão aí para testemunhar: o local era imprestável, uma lixeira, uma pocilga fétida, tomada pelos chamados noiados, usuários de drogas de todas as tribos imagináveis, um antro de perdição, prostituição e decadência humanas. Nossa memória fora espezinhada, desprezada, ultrajada e relegada ao lixo da história. Com que força moral poderíamos cantar nosso belo hino vendo essa cena de horror?  “QUANDO O NOSSO CEU SE FAZ MOLDURA PRA ENGALANAR A NATUREZA! A NATUREZA ENGALANADA E A NOSSA MEMÓRIA ULTRAJADA!! A dor moral era grande, mas nós cantávamos, e cantamos várias vezes, muitas vezes, todas as vezes, sempre, como um alento, como uma prece, como um hino de esperança, como um grito de Guerra! E temos muitas imagens gravadas em vídeo para provar o que ora afirmamos.

Aos poucos, como se fosse um filme de terror, a antiga sede da prefeitura municipal de Porto Velho foi sendo abandonada. Lentamente, como se  um plano diabólico estivesse sendo deliberadamente executado, o que teria sido a sede do primeiro Parlamento Municipal do antigo Território Federal de Rondônia foi se transformando em escombros mal vistos pela sociedade, vítima de uma guerra declarada pelos homens que, paradoxalmente, foram eleitos para preservá-lo como símbolo de uma época histórica.  Vamos nomeá-los para que a História os julgue com imparcialidade: imputamos a responsabilidade pelo abandono e degradação deste bem histórico à administração dos senhores José Guedes, Carlinhos Camurça e Roberto Sobrinho. A administração de cada um desses senhores deu uma estocada no corpo deste patrimônio histórico, fazendo-o sangrar e tombar rente ao solo, como um animal raivoso abatido por vingança.

Senhores prestem atenção, daqui onde estamos saiu algemado e humilhado o militante político Pele-curta Carmênio Barroso, na qualidade de preso politico da Ditadura Militar, absurdamente acusado de subversão por estar ocupando interinamente o cargo de prefeito da capital. Vejam que ironia: 50 anos depois, vencido o autoritarismo e restaurada a democracia, o povo vem aqui manifestar seu desagravo e outorgar publicamente ao cidadão Carmênio Barroso, o hoje proprietário da tradicional Taba do Cacique, o titulo de Bravo Guerreiro Rondoniano das Bandeiras Populares.  Receba este título, Carmênio, você de fato merece, posto que nada foi encontrado contra ele. A Comissão da Verdade reconheceu a perseguição política e ele foi indenizado pela humilhação que sofreu.

Neste ambiente ecoou a voz crítica do jornalista e vereador Inácio Mendes, preso e brutalmente torturado nos cárceres de Belém do Pará pelos carrascos do Regime Militar. O jornal que editava, o Combatente, foi invadido, destruído e extinto pelos defensores do poder ilegítimo.  Enquanto a Ditadura Militar mostrava suas garras mais afiadas, matava e torturava, paradoxalmente, nascia das entranhas do Brasil militaresco e autoritário, no ano de 1970, um parlamento democrático em Porto Velho. Naquela época só existiam duas possibilidades de ação político-ideológica: ou você era a favor ou contra o regime. Se era a favor, se filiava à Arena – Aliança Renovadora Nacional. Se era contra, inscrevia-se no MDB – Movimento Democrático Brasileiro. Inácio Mendes é único vereador desta casa a ter seu nome no livro Brasil Nunca Mais. Aqui também funcionou a Prefeitura Municipal de Porto Velho. Meu pai, Antônio Serpa do Amaral, foi prefeito aqui nestas instalações. Também foi presidente da Câmara aqui neste ambiente, hoje restaurado e condigno. Aqui também funcionou o Corpo de Bombeiro da capital.

Saudamos este espaço como uma conquista do Povo.  Invocando a memória dos falecidos vereadores Cloter Mota e Dionísio Xavier da Silveira, saudamos a todos os homens mulheres que exerceram mandato parlamentar enquanto aqui funcionou a Câmara Municipal.

Em nome de Alex Duncan Macdonald, Eleide Soares Cerqueira, Elizabeth Oliveira, Adnaloy Andrade, Chaguinha e Creuza Bezerra, presentes para receber nossa homenagem, saudamos todos aqueles que prestaram relevantes serviços ao Parlamento Municipal.

Nossas homenagens à memória de Anísio Gorayeb, que, embora não tenha exercido de fato seu mandato aqui, porque renunciou para assumir a chefia da agência que hoje é a Caerd, tornou-se o primeiro presidente da nossa antiga Casa de Leis.  Nosso abraço e cumprimentos à família Gorayeb, na pessoa do comunicador Anísio Gorayeb Filho.

Como não dá para nomear a todos, agradecemos a todas as pessoas que vieram participar da nossa vigília cívica e política aqui neste imóvel. Nossos agradecimentos ao Ministério Público Estadual, na pessoa da combativa Promotora de Justiça Aideê Maria Morse, nossos agradecimentos à Loja Maçônica aqui do lado, que muito nos ajudou nas reuniões que aqui realizamos; Agradecemos ao José Edilson da empresa Milímetro, construtora da obra; nosso muito obrigado aos operários que botaram a mão na massa verdadeiramente;  nosso agradecimento ao Presidente da Câmara Municipal, vereador Alan Queiroz, por ter abraçado com afinco e seriedade a bandeira que a nossa Associação Cultural levantou, conseguindo o dinheiro e realizando o projeto de restauração, essencialmente ajudando a transformar nosso sonho de povo em realidade.  Alan Queiroz é meritoriamente o Grande Comandante em Chefe de todo esse processo que culminou na devolução da dignidade a estas instalações. Homem público sensível, filho da Dona Chaguinha, empreendedor e destemido, inovou e fez o que deveria ter feito o poder executivo, ouviu os reclames do povo, participou das nossas reuniões quando ainda não detinha o mandato parlamentar, se elegeu e realizou esta grande obra, que resgata em grande monta  a dignidade de todo nós, porto-velhenses! Muito obrigado, Alan .

Na pessoa do nosso primeiro Presidente, Dr. José Maria Ortiz de Carvalho, cumprimento e especialmente agradeço ao ex-Presidente William Haverly pela contribuição data a este projeto e a todos os militantes da Associação Cultural Rio Madeira. Dedico essa vitória a todos vocês! Diferentemente de milicianos integrantes de brigadas estratégica convencionais, apaixonados são os nossos combatentes. Briosos e destemidos são os nossos soldados da ACRM.  Grandiosa e Guerreira é a memória do Povo de Porto Velho!
 

Muito obrigado a todos!

Antônio Serpa do Amaral Filho

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