Quarta-feira, 27 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Serpa do Amaral

CASSAÇÃO DO MANDATO DO GOVERNADOR CONFÚCIO MOURA: VOTO DECISIVO DO JUIZ FEDERAL


 

Por Antônio Serpa do Amaral Filho

O Tribunal Regional Eleitoral acaba de cassar o mandato do governador Confúcio Moura (PMDB) e de seu vice, Daniel Pereira (PSB), por 4 votos a 3, com o voto de Minerva do desembargador Péricles Moreira Chagas. A acirrada disputa jurídica em torno do mais importante cargo do cenário político do Estado de Rondônia teve um desfecho exemplar para todos aqueles que exercem delegação popular. A democracia já não suporta conviver com o abuso do poder econômico, em detrimento da lisura do pleito eleitoral sob a tutela e fiscalização do TRE. O juiz federal Dimis da Costa Braga teve papel decisivo na decisão da corte especializada por ter sido o primeiro julgador a abrir a divergência no seio da magistratura eleitoral rondoniense, na ação que pedia a cassação do chefe do executivo estadual. Sua postura não só igualou o placar inicial do julgamento da contenda, como delimitou um novo enfoque jurídico sobre o fato e deixou claro que o poder judiciário não iria flexibilizar assim tão facilmente diante de práticas eleitorais de há muito utilizadas no contexto político local e nacional, que nem sempre observa os mandamentos da lei que visa revestir o processo eleitoral de correção e dignidade, em perfeita harmonia com o ordenamento jurídico e as aspirações do povo brasileiro.

Divergindo do relator, Dimis Braga fez uma detalhada análise dos dados fáticos, essenciais e acessórios, que permearam a realização Convenção do PMDB, ocorrida na casa de show Talismã 21, apontando todos os elementos probatórios objetivos e contundentes, inclusive aos olhos do povo, da sua convicção e da mídia, que manchavam com nódoas de ilegalidade o cenário eleitoral montado em torno da convenção partidária, apontando que a autoria do abuso não precisa ser comprovada, mas tão só o benefício ao candidato. Numa sociedade marcada pela explícita divisão de classes como a brasileira, estruturada num modelo de produção capitalista em desenvolvimento e aperfeiçoamento, portanto carente de reformas e melhorias, é sempre tentador aos aspirantes a cargos público fazer uso do poderio econômico como instrumento de acesso aos cargos públicos. Fosse óbvia também a redenção do Poder Judiciário ao status quo, só restaria à comunidade nacional a frustração e a resignação. A posição firme, crítica e justa da Corte Eleitoral não contradiz com as garantias legais. Pelo contrário, as aperfeiçoa na praxe histórica da aplicação da lei aos casos concretos.

“A conclusão a que chego é de que nem todos eram filiados, mas também simpatizantes ou até partidários de outros partidos e igualmente os trabalhadores contratados para serviços ao evento, pois não há afirmação, seja na defesa, seja nos testemunhos, de que esses também não se alimentaram ali, pois é o que leva a crer dos depoimentos dos próprios convencionais indicados como testemunhas pela defesa dos representados. Todos os presentes, que quiseram comer, comeram, beberam e tantos outros, quiçá todos, receberam picolés” – escreveu o juiz federal num segmento do seu voto.

“Não se pode de forma alguma menosprezar a importância, o conteúdo das provas – especialmente aquelas não refutadas – da investigação judicial eleitoral, tão bem conduzidas pela Corregedoria da Corte. Resta demonstrado que houve a efetiva entrega de alimentação durante a convenção – registre-se, mais uma vez, que não há negativa do fato por parte dos representados. Não me parece adequado que a convenção em que se define a escolha de candidato do partido ou partidos deva distribuir comida, ainda que para convencionais e simpatizantes, tanto mais em número de mil ou duas mil pessoas, o que denota gastos excessivos incompreendidos no processo eleitoral, onde a sociedade define seus protagonistas políticos, numa ação que se pretende cívica, a ser suportada por quem dela participa, sem abusos de gastos por parte de partidos” – arrematou.

Em seu voto o juiz Dimis Braga deixou claro que não basta ser político, o candidato a agente público deve se pautar pela ética democrática que o povo brasileiro consagrou no texto da Constituição Federal de 1988, impondo aos participantes do processo eleitoral, líderes de partidos e especialmente gestores públicos candidatos à reeleição uma conduta compatível com os princípios fundamentais da moralidade e da probidade, erigidos na Carta Constitucional, principalmente em face do abuso do poder econômico.

Acompanharam o voto do relator originário, Desembargador Roosevelt Costa, os juízes Juacy Loura e José Robles. Após o voto divergente do juiz Dimis Braga, o juiz Delson Xavier em fundamentado voto o acompanhou, no que foi acompanhado pelo juiz Jorge Gurgel do Amaral e pelo desembargador Péricles Moreira Chagas, em voto de Minerva (desempate).

O TRE, embora não tenha cassado o mandato do governador Confúcio Moura para agradar nem ao povo nem à mídia ou oposicionistas de plantão, mostrou com sua decisão que a justiça é um dos pressupostos da democracia. Sem ela, o ideal democrático fica à mercê do poder dos economicamente mais fortes.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuarta-feira, 27 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Diálogos insanos da pandemia

Diálogos insanos da pandemia

No infortúnio da solidão atroz, o jeito é quedar-se nu com a mão no bolso, olhando para as impassíveis paredes que miram, espiam a gente até de rabo

Um dia da caça, outro dos “povos novos”, de Darcy Ribeiro

Um dia da caça, outro dos “povos novos”, de Darcy Ribeiro

Num primeiro voo de radiofusão para além das plagas amazônidas, a Música Popular de Rondônia começou a ser mostrada na Rádio BBmusic, da cidade Búzi

As lágrimas internacionais que choraram a morte do poeta

As lágrimas internacionais que choraram a morte do poeta

A democracia voltou a ser ameaçada no país cujo nome é uma homenagem a Símon Bolívar, o Libertador das Américas. Com essa última quartelada, já são

 Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Apesar do vazio cultural, da perda irreparável para o humanismo e para a criatividade brasileira e do profundo incômodo emocional provocado pela par

Gente de Opinião Quarta-feira, 27 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)