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Placa da Semdestur informa mal turistas que chegam a RO


Placa da Semdestur informa mal turistas que chegam a RO - Gente de Opinião

Uma placa afixada em frente ao Mercado Cultural pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Sócioeconômico e Turismo vem causando polêmica por anunciar que aquele prédio foi construído em 1915. Escrito em português, inglês e espanhol, o enunciado tende a levar o turista a várias concepções históricas equivocadas, mantendo o visitante muito mal informado a respeito daquele sítio cultural.

Primeiro porque, se o enunciado estiver se referindo ao Mercado Cultural, como por óbvio parece ser, posto que no cabeçalho da placa está escrito em letras garrafais MERCADO CULTURAL, a informação está completamente errada, haja vista que o Mercado Cultural, enquanto cópia do antigo Mercado Municipal, foi construído em 2009 pela administração Roberto Sobrinho, depois de ter posto abaixo os boxes originais que ainda restavam da antiga edificação.

Se a assertiva da placa estiver se referindo ao Mercado Municipal, ainda assim há enorme espaço para polêmica e equívoco, posto que os historiadores são unânimes em afirmar que a obra do entreposto comercial municipal de fato teve início em 1915, mas só foi concluída em 1950. O professor de história e geografia, Abnael Machado de Lima, diz textualmente: “O mercado municipal teve sua construção iniciada em 1915 pelo primeiro superintendente (prefeito) do Município de Porto Velho Major Fernando Guapindaia de Souza Brejense”.

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De fato, como afirma o historiador Antônio Cândido, o Major Guapindaia mandou construir e inaugurou o primeiro mercado municipal da cidade. Mas o referido mercado não é exatamente esse que está aí. Nem tampouco o era o anterior. Com pouco dinheiro no caixa do nascente município, criado em 02 de outubro de 1914 e instalado em 24 de janeiro de 1915, Guapindaia deve ter mandado construir ali um mercadinho qualquer, modesto, de pau a pique. Até porque o próprio Antônio Cândido afirma que “O Doutor Joaquim Augusto Tanajura, que substituiu o Major Guapindaia em primeiro de janeiro de 1917, mandou demolir o prédio alegando a necessidade de se construir um prédio de grande porte. Tanajura não conseguiu realizar o seu intento porque o seu gesto desagradou o povo que lhe negou apoio”.

E prossegue Cândido, assegurando que, “dez anos depois, na administração do senhor Francisco Pinto Coelho, que durou apenas oito meses, os trabalhos de construção do prédio foram retomados, mas muito pouca coisa foi feita. Vários Superintendentes e Prefeitos deram a sua parcela de colaboração para que o Mercado Municipal fosse construído, entre eles Boemundo Álvares Afonso, Mario Monteiro, Carlos Costa e Dr. Celso Pinheiro, cujos esforços não conseguiram ir além da cobertura do prédio. Somente na administração do Prefeito Ruy Brasil Cantanhede, iniciada em junho de 1948, as obras de construção do Mercado Municipal tomaram novo impulso e, quatro anos depois, em 12 de junho de 1950, o prédio foi finalmente inaugurado”.

Sobre o projeto da gestão Roberto Sobrinho, que destruiu as edificações originais restantes do antigo Mercado Municipal, assim se expressou Ariel Argobe, ex-presidente da Fundação Cultural Iaripuna, na época: O projeto proposto pela municipalidade começou, mais uma vez, enviesado, ou, melhor dizendo, pelo fim de tudo: tratores, maquinas pesadas e caçambas demoliram, por completo, o derradeiro símbolo de resistência da nossa luta, da nossa memória e do nosso passado recente. Caia, por fim, nossa última insígnia de resistência. Nada restou. Só escombros e pó do passado, das históricas lutas dos descendentes de karipunas e karitianas, de beradeiros, de caboclos, dos nordestinos das primeiras levas dos trabalhadores barbadianos, indianos, americanos, ingleses e de tantas outras nacionalidades que aqui se instalaram para erguer a fabulosa Madeira-Mamoré.

Afirma, ainda, Argobe: “Sobre o terreno vazio - teatro de guerra estética onde se enfrentaram, ferozmente, de um lado o discurso da preservação e da memória defendido pelos colonizados e, na outra margem oposta, posicionados firmemente, colonizadores, ostentando a fala do novo, do moderno - restou para Prefeitura de Porto Velho erguer uma polêmica cópia, uma réplica, uma imitação, um borrão do antigo Mercado Central, para arrefecer os ânimos exaltados’.

Portanto, por trás do enunciado equivocado escrito pela Semdestur há pelo menos duas inverdades: o Mercado Cultural não foi construído em 1915, porque aquilo é uma simples cópia barata do prédio original. O antigo Mercado Municipal, numa versão arquitetônica eclético-neoclássica, como procura fazer as vezes a atual cópia arquitetônica, também não foi construído 1915. Na verdade, a edificação consistiu num longo processo que levou 45 anos para ser concluído, passando o projeto por várias gestões de superintendentes municipais.

Ainda invocando os conhecimentos e o texto do próprio historiador Antônio Cândido, o prédio do antigo mercado municipal possuía quatro portas de entrada, na parte central de cada lado do prédio: para os lados Norte, Sul, Leste e Oeste. Na porta da parte Sul foi afixada uma placa comemorativa com a seguinte inscrição:  1915 – 1923 - Iniciado nas Administrações -Major F. Guapindaia de S. Brejense e  Dr. Joaquim Augusto Tanajura - Concluído na Administração do Dr. Ruy Brasil Cantanhede, em 1950.

Se o secretario Semdestur, Antônio Geraldo Afonso, tivesse tido o cuidado de mandar seus servidores lerem pelo menos Esron Penha de Menezes, em Retalhos para a História de Rondônia, eles teriam obtido a informação de que “mesmo lutando com todas essas dificuldades e mais a falta de dinheiro, a gestão Guapindaia realizou grandes obras, entre elas o início da construção do Mercado Municipal, entre a Rua Henrique Dias, Praça Getúlio Vargas, Avenida Presidente Dutra e Rua José de Alencar, que só foi concluída em 1948, na administração do prefeito Dr. Rui Brasil Cantanhede”. Como não o fez, o secretário assina embaixo o atestado de gente descompromissada com o patrimônio cultural da capital rondoniense.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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