Sábado, 19 de setembro de 2009 - 08h34
Era uma vez, como nos contos de fadas, o passado veio lá do centro da cidade, trêmulo, cambaleante, já quase vencido pela idade e procurou sentar-se num dos bancos da Praça Mário Correia, ali bem perto do Coreto. Com um guarda-chuva na mão, encostou o queixo no cabo, olhou ao derredor e viu que poucas pessoas se movimentavam naquele entorno. Lembrou-se que nos anos 50 e 60 ali pontificavam os rapazes e as mocinhas. Muitos namoros naquela praça tiveram começo, ao cair das tardes de domingo.
O passado olhou mais adiante viu a Igrejinha e a antiga Prelazia, recordou-se de Dom Rey e de todas as suas ações, objeto da sua tenacidade, da sua elevada credibilidade e determinação. Ainda envolto nas suas lembranças, eis que o Presente, moço ainda, do alto da sua motocicleta de 500 cilindradas, fazendo aquele barulho que ofende os ouvidos sensíveis, subindo a calçada, de forma indisciplinada, freou lá perto de onde o passado se encontrava sentado.
- E ai, Velho, saiu da casca hoje, heim?
- É, meu filho, caminhar faz bem, assim como as lembranças que aqui neste lugar eu procuro eleger para aquecer esse meu pobre coração!
- Mas que lembranças essas para comover tanto uma pessoa assim como você? Era o presente querendo conhecer a intimidade do Passado.
- Meu jovem amigo, é que nesta Praça eu assisti comícios, show de artistas, inclusive do Luiz Gonzaga; por aqui passavam as pessoas que iam ao cine Guarani ou dele saiam após assistirem aos filmes. Havia muito movimento! Veja agora, não fosse a Loteria e a Santa Missa, o movimento, se é que ainda existe, se deslocou deste abençoado lugar...
- Mas a vida é assim mesmo! A televisão mudou os hábitos, a cidade caminhou para outros pontos cardeais, a juventude buscou outras alternativas, os valores são outros!
- Mas os princípios deveriam ter sido mantidos, quer um exemplo? Quando a cidade era menor tinha seus clubes sociais (O Guajará, o Helênico Libanês, o Cruzeiro, o Cabos e Soldados), dois cinemas, peças teatrais, banda de música, agremiações de futebol. E agora meu jovem, prezado Presente? Era o Passado, tão lúcido, a interpretar aqueles tempos.
- Bem, eu lhe disse os tempos são outros...
- Sim, são outros, mas os princípios que norteavam a geração antiga lhes foram legados, a partir das dificuldades que foram vencidas, em cima da vontade cívica, do idealismo e da determinação de alguns, ao contrário do que você, Presente, que só sabe repetir: “os tempos são outros”! Veja, há empresas tão capitalizadas que eu, o Passado, não via naquele tempo. A comunicação flui na intensidade de uma viagem de 3 a 4 horas até a capital, uma pista de pouso asfaltada que pode receber jatos, a telefonia e a televisão a unir os povos, em tempo real, isto sem falar na Internet... Até a capital Federal está ali! E apontou com o dedo, em direção a Brasília.
- Mas querido Passado no apogeu da borracha os seringalistas ganhavam os tubos e alguns ainda obtinham lucros com a castanha, com a Ipeca e até com o couro de animais...
- Sim, e hoje você imagina que essas empresas que se instalaram operam no vermelho? Há uma diferença, prezado Presente: é que naquele tempo, os lucros eram também canalizados pelos mais afortunados da cidade, objetivando ajudar o poder público na ampliação da oferta de melhor qualidade de vida, através das contribuições que alguns abnegados faziam, após pagar os impostos devidos, porém, visando o desenvolvimento social da cidade, berço dos seus negócios, sede das suas vidas e síntese do seu amor cívico em direção ao progresso e ao desenvolvimento.
- Mas, respeitável Passado, ocorre é que esse tempo passou...
- Passou por quê? Você acha bonito ver o Guajará Clube fechado para os seus sócios, o Helênico curvado pelo abandono, o Cruzeiro vendido, derrubado, após uma negociação realizada na calada da noite, quando a maioria dos sócios nem sabia que o Clube que ajudaram a erguer já não lhes pertencia? Você acha lindo, o Cine Guarany com o telhado no chão, quando ali, se comprado pelo poder Público, poderiam adaptá-lo para ser o Teatro Municipal da cidade; E o civismo, meu caro Presente? E o civismo? E a reverência aos mais velhos, aos Mestres?
- Do que o senhor se queixa, caro Passado?
- Eu me queixo da necessidade que o nosso jovem tem de saber reverenciar a Bandeira brasileira, conhecer os quatro hinos oficiais do País, com a devoção que se observa noutros povos, cantar o hino de Rondônia com o fervor daqueles que se sentem orgulhosos de terem nascido ou de viverem aqui, enfim, de uma mudança até no tratamento de que deve dar aos Professores, hoje chamados de tios e tias, esses Mestres, que ainda continuam ganhando tão pouco, para um trabalho de maior envergadura, que é educar transformando gente nova, em críticos que raciocinam, e nos cidadãos do futuro...
Neste instante, o Futuro foi chegando, pois se achava atrás do Coreto ouvindo aquele diálogo; o Presente, pedindo desculpas, saiu de fininho, dando um tchau, acompanhado de um sorriso amarelado. Pouco contribuiu para com o Futuro. Aquele encontro não lhe faria bem, pensou!
- Boa tarde, senhor Passado, desculpe-me mas eu ouvi o seu desabafo. O senhor está certo! Os professores não devem ser chamados de tios ou tias. Devem e merecem receber o tratamento que se devota ao Magistrado...
- Que bom ouvi-lo caríssimo Futuro. Assim que se fala! Eu posso acreditar que ainda teremos salvação, a partir de jovens com essa maturidade...
- Nós agora estamos nos unindo, já temos um grupo musical se apresentando, outro núcleo de jovens vai liderando um grupo teatral e os bois bumbás continuam íntegros... Afinal, “quem sabe faz a hora não espera acontecer !”
O Passado, lamentando a fuga do Presente recebeu um choque de otimismo com essa conversação com o Futuro. E viu que havia salvação!
O Passado, trêmulo e cambaleante, quase vencido pela idade, se levantou e foi caminhando com um leve sorriso nos lábios, pois observou que ainda havia a esperança, o elo entre as dificuldades e a superação e, voltando-se, olhou com os olhos brilhantes para o Futuro, deu-lhe um adeus, pois enxergou e sentiu que não “tinha atirado pérolas aos porcos...”
Fonte: Paulo Cordeiro Saldanha
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