Sábado, 12 de maio de 2012 - 16h08
O Dia das Mães sempre mexe com as emoções das pessoas. Penso em minha mãe e ponho-me a escrever sobre ela. Desse modo, vai daqui minha intenção de homenagear todas as mães, sobretudo as mortas; estas, então, não saem do coração da gente.
Sou uma pessoa que já viveu várias décadas, portanto as lembranças da infância não são nítidas e nem apresentam uma sequência linear; elas se revelam como fragmentos que passeiam pela memória.
Talvez ocorra desse modo com outras pessoas. Quanto mais significativas as situações vividas, quanto mais importantes foram aqueles que fizeram parte de nossa infância, mais intensos e rápidos esses flashes aparecem, como se nos desafiassem a persegui-los, numa busca interminável. É assim que consigo captar a imagem de minha mãe quando eu era criança de tenra idade.
Rua Afonso Pena, esquina de Campos Sales, em Porto Velho dos idos de mil novecentos e cinquenta e oito. Casa comum, de alvenaria, em meio a uma fileira de casinhas de tábuas, fincadas no chão de terra e rodeadas de capim. Para alguns daqueles vizinhos, éramos ricos: “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no reino dos céus!”.
Ouvi este comentário, uma vez, de uma vizinha adulta, ressentida pela pobreza em que vivia, talvez afrontada por nossa “riqueza”. Criança, não entendi nada daquilo, mas imaginei o camelo tentando desesperadamente passar pelo fundo da agulha; senti-me o próprio. Àquela altura, também eu passara a acreditar que minha família era rica. Não sabíamos coisa alguma sobre citações evangélicas, fomos criadas numa casa sem religião, porém com religiosidade.
Minha mãe era uma mãe diferente das outras, disso estou certa: não ia à missa aos domingos, nem em dia algum; portanto, não portava terço ou véu, objetos que eu achava mágicos, como as mães da vizinhança; não entrava na cozinha para cozinhar, a não ser uma sopa de vez em quando, e um raríssimo doce de leite; não costurava à máquina, como as mães da época, mas às vezes pregava alguns botões; não lavava roupa, nem passava; aprendera na infância a bordar, mas não costumava fazê-lo em casa.
Apesar de toda a diferença, lembro-me de algumas coisas de mãe que ela fazia: quando estava em casa, gostava de pentear, caprichosamente, nossos cabelos, depois que saíamos do banho, fazendo em nós, as crianças mais novas, uma espécie de penteado dos anos trinta. Penteava e comentava: “Você se parece com a família de seu pai...” ou “Você é bonita!”, essas coisas de mãe.
Outra coisa de mãe que ela fazia era o rol das roupas que, semanalmente, a lavadeira ia buscar: separava a pilha enorme de roupas sobre um lençol aberto no chão, contava as peças e ia anotando num caderno, com uma organização impecável. Em cada folha, uma data e a lista de roupas. Quando terminava de anotar tudo, unia as pontas do lençol, dava um nó vigoroso com suas mãos delicadas e depois colocava no interior da trouxa uma barra grande de sabão. Tratava a lavadeira com cortesia, era solícita, fazia perguntas, interessava-se sobre a vida dela, dos filhos, do marido.
Mas a coisa de mãe mais marcante que ela fazia era manter em seu quarto uma mesinha alta e tosca, de madeira escura. Sobre a mesinha, cuidadosamente arrumados, ficavam alguns objetos: um pequenino fogareiro a álcool, um papeiro de alumínio, fósforos, colheres, garfos, uma lata de leite em pó e mamadeiras (sempre havia uma filha pequena em nossa casa, àquela época). A energia elétrica era precária na cidade, os amplos e altos aposentos da casa eram palidamente iluminados pela chama acanhada de candeeiros; um aqui, outro acolá. Talvez por isso, ela preparasse ali mesmo o alimento infantil da madrugada.
Minha mãe não ficava em casa como as mães de nossa rua; ela saía muito cedo. Havia sempre alguém por perto para cuidar do café da manhã. Se não houvesse, isso não era impedimento para ela; ia trabalhar do mesmo jeito, no mesmo horário. As filhas maiores se viravam, e nosso pai, tão caseiro, estava sempre mais próximo; vinha correndo do trabalho na prefeitura, à hora do almoço, para ajudar.
Minha mãe amava seu trabalho. Quando chegava para almoçar, nós, as filhas, a rodeávamos para ouvir as histórias e comentários da manhã, porque havia também os comentários do fim do dia. O almoço era animado, e éramos contagiadas pelo carisma e pelo entusiasmo dela. Seu mundo era a educação. Na mesa de nossa casa, o assunto principal girava sempre em torno desse tema: escola, professores, alunos, métodos de ensino, conteúdos curriculares, livros, administração escolar, paradas cívicas, hinos, enfim, tudo que fazia parte do universo da educação da época.
Mais tarde, um pouco mais crescida, pude enxergar outra paixão de minha mãe: a política. E esta era uma paixão perigosa.
Sob vários aspectos, minha mãe era uma mulher à frente de seu tempo; ao longo de sua existência, atirou-se de cabeça em tudo que acreditava, posicionando-se contra o que considerava injusto, enfrentando desafios, remando contra a corrente, assumindo riscos e arcando com as consequências de sua ousadia: este era um lado de sua personalidade; o outro era conservador, voltado à defesa da família, da moral e dos bons costumes, como dizia. Porém, quando tomava conhecimento de que uma jovem solteira havia sido expulsa de casa pelos pais em virtude de um comportamento inadequado para a época, procurava a família da jovem, para falar-lhe sobre a importância do apoio familiar; e a jovem retornava ao lar.
De um lado, uma mulher arrojada, inteligente, instruída e requintada; do outro, uma alma de mulher do povo: simples como um copo d’água.
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