Sexta-feira, 2 de setembro de 2016 - 05h06
Por Luís Nassif, no jornal GGN
O cenário estratégico do governo Temer dependerá dos seguintes desdobramentos:
1. A questão econômica.
2. A questão política.
3. O desdobramento de ambas no campo da aliança que levou ao golpe
Peça 1 - primeiro tempo da economia
O quadro que se tem hoje é de uma enorme liquidez internacional. Internamente, uma enorme taxa de juros internas, com a Selic a 14,25% e a garantia do Banco Central de mantê-la elevada por bom tempo. E também um governo novo, o que garante estabilidade política pelo menos até o final do ano.
Tudo isso combinado leva a um duplo movimento de apreciação dos ativos internos - especialmente a Bolsa e o real. Ou seja, Bolsa sobe, dólar desce impulsionados pelo capital de curto prazo. Não se espere nenhum investimento de longo prazo em um país em que nem o contrato dos contratos – o voto para presidente – é respeitado.
As raposas de mercado sabem disso e acentuarão esse movimento altista de curto prazo em parceria com a mídia, celebrando cada pequeno refresco econômico como se fosse o fim da crise e cada avanço parlamentar como se fosse o desfecho das reformas.
Vale até dezembro.
Peça 2 - segundo tempo da economia
À medida em que se aproxime o final do ano, a realidade começará a se impor:
1. A constatação de que NÃO se haverá reformas.
2. A constatação de que a camarilha dos 6 e o baixo clero do Congresso - e do Ministério Temer - não trabalham estratégias de longo prazo: querem o seu à vista e imediatamente. Em parte, pela ausência total de conteúdo programático. Em parte, porque pairam sobre grande parte deles processos judiciais e ameaças de prisão. Apenas Michel Temer ganhou salvo-conduto enquanto permanecer presidente.
3. Da base pôde-se esperar leis contra direitos trabalhistas. Ela representa os cafundós, o país pré-industrializado, sem sindicatos nem direitos trabalhistas garantidos. Não se dá o mesmo com a Previdência Social e os gastos com saúde e educação. A característica maior do baixo clero é seu caráter municipalista. E é nos municípios que irão bater os cortes orçamentários.
4. Finalmente, haverá duas obstruções importantes nos caminhos das reformas: da oposição a Temer e da base aliada, que se alinhará para impedir a cassação e os processos contra Eduardo Cunha.
Se terá, de um lado, o governo Temer sem condições de gerar fumaça e expectativas positivas. De outro, o peso da realidade, do vencimento de um caminhão de bônus externos afetando todos os grandes grupos nacionais. Eles se prevaleceram da queda dos juros internacionais para um pesadíssimo programa de investimentos, com os preços das commodities ainda em alta. A conta é impagável, exigindo praticamente um Proer para esses grupos, com recursos do BNDES e do Tesouro.
Qual a legitimidade do governo Temer para bancar essa operação?
Portanto, a partir do final do ano invertem-se os movimentos: a bolsa começará a cair, o dólar a subir e a blindagem irá se diluindo.
E aí se chegará na hora da verdade.
Peça 3 – a guerra dos porões
Assim como nos estertores do regime militar, o fim do inimigo comum promoverá uma guerra surda entre os diversos grupos que compõe a repressão.
De um lado, Gilmar Mendes tratará de montar estratégias de contenção da Lava Jato. Os grupos de mídia começarão lentamente a tirar os microfones da operação. Polícia Federal e procuradores já estão em guerra aberta. O mesmo acontece entre investigadores e delegados da PF.
No Ministério Público Federal, a demissão de Ela Wiecko da vice-procuradoria da República teve desdobramentos muito mais profundos dos que aqueles divulgados pela mídia. Ela não pediu demissão simplesmente porque afirmou inadvertidamente para um repórter que havia delações contra Michel Temer. Ela pediu demissão e disse pessoalmente ao Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot seu desconforto com o fato de se estar segurando uma enorme quantidade de evidências contra Temer e sua turma, permitindo que se blindassem no poder. Refletia o estado de espírito de muitos procuradores insatisfeitos com a condução das investigações da Lava Jato.
O MPF é uma corporação disciplinada, na qual pouquíssimos procuradores têm a coragem pessoal de manifestar discordância – mesmo sabendo que a atuação atual do PGR compromete a imagem do MPF junto a círculos influentes dos organismos de direitos humanos internacionais e nacionais. A atitude de Ela pela primeira vez expos, para fora, os rachas internos.
Nos próximos meses crescerá a disputa interna, provavelmente entre Nicolau Dino, candidato de Janot, Mário Bonsaglia, de São Paulo, e a própria Ela, representando os segmentos mais legalistas. Só que, desta vez, não se terá um presidente disposto a nomear o mais votado. Certamente Michel Temer escolherá um PGR da sua estrita confiança.
Como ficará, então, o jogo de poder do MPF e da própria Lava Jato?
A Lava Jato criou ilhas de privilégio dentro das duas corporações. A força tarefa é premiada com diárias cumulativas, e, agora, com essa medida imprudente de ficar com percentuais das quantias recuperadas. Essas vantagens fazem com que se apeguem cada vez mais ao cargo – da mesma maneira que os porões na ditadura – e criem ilhas de excelência em um poder que, como toda burocracia, tem apego completo ao formalismo e à igualdade.
Na ditadura, a guerra dos porões resultou em bombas na OAB e em bancas de jornais. Obviamente os tempos são outros e há bombas políticas mais sutis e de maior octanagem, que será a caça ao grupo de Temer – devidamente aparada por Gilmar no STF, e Janot na PGR. Não disponho de nenhuma informação maior sobre o novo comportamento de Janot. É apenas uma suposição levando em conta seu histórico, ainda mais depois de ter se tornado o principal articulador das operações que levaram Temer ao poder.
Mas como ficarão as relações com o Supremo – com Gilmar matando no peito – e nos tribunais superiores? Ontem, na sua posse como presidente do Superior Tribunal de Justiça, Laurita Vaz, ex-procuradora, fez um candente discurso contra a corrupção. Na solenidade, foi muito aplaudida pelos representantes do governo Temer, Eliseu Padilha, Romero Jucá, Eunício Oliveira.
A sustentação desse jogo hipócrita se dará apenas com uma melhoria considerável da economia – cenário que não está no horizonte.
Peça 4 – a repressão
A repressão generalizada das Polícias Militares aos protestos contra o impeachment tem dois focos principais. Um deles, o Ministro da Justiça Alexandre de Moraes, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública – que coordena as PMs – e do general Sergio Etchegoyen que, através do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) passou a controlar o Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência) (Sistema Brasileiro de Inteligência).
A segurança das Olimpíadas deveria ter sido confiada ao comando do Estado Maior das Forças Armadas. Ou ao Ministério da Defesa. Temer entregou à GSI. O envio de tropas do Exército para ocupar a avenida Paulista, no próximo domingo – a pretexto de escoltar a tocha da Paraolimpíada – faz parte dessa estratégia de endurecimento e de entorpecimento gradativo da consciência jurídica do país. A cada manifestação é maior a violência da PM.
À medida em que a legitimidade de Temer for sendo corroída junto ao mercado, aumentará a escalada repressiva. Vai ser curioso porque acelerará o desfecho de um jogo hipócrita. Cada passo a mais da repressão tornará mais evidente a ficha suja dos novos donos de poder. Analisarei esse quadro em um Xadrez próximo.
Aí, sim, se verá se há procuradores e juízes na República.
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