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Francisco Matias

RÉQUIEN PARA FERNANDO JOSÉ


RÉQUIEN PARA FERNANDO JOSÉ                             - Gente de Opinião

Por Francisco Matias(*)

1.Fernando José Gaspar, 62 anos, foi sepultado nesta quarta-feira, 23 de novembro de 2011 no Cemitério dos Inocentes, na cidade de Porto Velho, onde nasceu lá pelos idos de 1949. Ele morreu no dia 22, há apenas 30 dias para o estado de Rondônia completar trinta anos de existência. Fernando José não era um político. Era um desportista. Um empresário versátil que não deu muito certo nem no esporte, nem nas empresas. Era gráfico. Muito bom por sinal, mas não soube acompanhar as evoluções tecnológicas e econômicas ocorrentes nos últimos dez anos. Fernando José foi de tudo um pouco nesta pouca vida que Deus lhe deu. E fez um pouco desse tudo que pode ter. Foi jogador de futebol no Rio de Janeiro, onde aprendeu a amar o Fluminense até o fim dos seus dias. Foi enterrado com a bandeira e a camisa do seu time. Era, talvez o rondoniense mais carioca do Brasil. Ou o carioca mais porto-velhense que se tem notícia cá por estas plagas do poente. Como futebolista virou um bom peladeiro. E peladeiro militante que lutou pela implantação dos campos de futebol da AFA, no Areal, e do 13 de Setembro, na Embratel. Jogava nos dois. Era craque para os padrões nacionais. Gostava do drible. Do futebol bem jogado. Era peladeiro e tentava superar os impedimentos da saúde e da idade. Às vezes às pernas de craque não lhe obedeciam, mas isto são coisas da vida.

2.Como empresário do ramo gráfico, sua empresa não lhe deixava esquecer o carioquês: era a Rio Gráfica, ali na antiga travessa Cabixi, bairro N.Sra. das Graças, bem atrás do Banco Itaú da avenida Nações Unidas. Enquanto o ramo buscava adequar-se às novas exigências tecnológicas, a Rio Gráfica do Fernando era do tempo do linotipo e todo o avanço tecnológico disponível era uma velha e boa máquina off set. Para revelar filmes, nada melhor que o sol do meio dia. Era assim mesmo. A Gráfica do Fernando, ou Rio Gráfica, tinha uma clientela fiel mas que, aos poucos, foi em busca dos avanços da tecnologia gráfica que sua firma não tinha. O Fernando era assim mesmo.

3.Ele foi também empresário de artistas. Muitos cantores e cantoras vieram a Porto Velho agenciados por Fernando José. Renato e Seus Blue Caps foi uma banda que veio mais de uma vez. Marquinhos Moura foi um dos cantores que aqui estiveram contratados pelo empresário Fernando José. Teve até um cover do Raul Seixas. Um cover(!?). E deu público, ora essa. Aliás, o Fernando era um fâ incondicional do Raul, dos Pholhas, do John Lennon, do Reginaldo Rossi e do Roberto Carlos velho de guerra. Às vezes, nos shows que programava, surgiam alguns probleminhas de logística, e logo aparecia um conjunto de problemas como, por exemplo, a não reserva de vagas em hotéis, ou, a indisponibilidade de translado por falta de – imagine-se!, – um carro. Lembro-me, dentre outros, do caso do cantor Fernando Mendes, cujas malas passaram de Porto Velho para Rio Branco e ele ficou sem roupas para fazer o show. Mas Fernando José não perdia a calma nem o bom humor. Tinha jeito para tudo isso, ainda que os artistas ficassem “na ponta dos cascos”. Ele sempre dava sempre um jeito. Era um porto-velhense bem carioca, ou, malandramente, um carioca bem porto-velhense, esse Fernando José.

4. Era um pai de família sempre preocupado com o futuro dos seus filhos – Fernando, John Lenon, Fernanda e Ondina – Recentemente esteve em Manaus para fazer alguns exames. Foi avisado que precisava submeter-se a uma intervenção cirúrgica e não deu outra. “Primeiro, vou voltar a Porto Velho. Quero rever meus filhos, minha rádio e... meu cachorro”. A rádio era a Transamazônica FM, que, se não era sua de posse, era de trabalho, pois, como radialista de voz poderosa, ali mantinha um programa. Mas não voltou. A vida lhe pregou uma peça, malandramente, na virada da noite de terça-feira, 22 de novembro. Ele dormia. Acordou passando mal. Quase sem respirar. Ainda tentou alcançar o inalador. Mas foi em vão. A morte estava na espreita e só podia pegar o Fernando José se ele estivesse dormindo, na calada da noite. Malandra esta morte. Esperou que ele dormisse, antecipou-se a seu retorno à Manaus para a cirurgia, e o matou. Fernando José não podia morrer à luz do dia, nem no começo da noite. Ele era dono do dia e da noite. Era o Pinguilite chamado. A morte parecia saber disso. Mas tinha que pegá-lo ou seria desmoralizada por incompetência. Fernando José zombava da morte e da vida. Jamais estava triste. Sabia preservar seus sentimentos de dor e tristeza. A morte que o matou precisava agir sorrateiramente. E o fez por volta da meia noite. No lusco fusco da vida. Fernando José Gaspar morreu quando a noite não sabe mais se ainda é noite ou se vai ser dia. Ali, na dúvida do ser luz ou escuridão, na sombra da meia-noite, o Fernando José partiu dessa pra uma melhor.

5.Conheci o Fernando José por volta de 1982 quando ele veio morar com sua família em frente à casa onde eu morava, na Travessa Cabixi velha de guerra. Ficamos amigos. Somos amigos. Quase todos os dias ficávamos, às sete da matina, observando as pessoas passarem por nossa pequena rua (ops!) Travessa. E fazíamos os mais diversos comentários. Conversávamos sobre todos os assuntos que iam da música do nosso tempo ao futebol, da política aos políticos, da crônica falta de dinheiro aos negócios, da vida e, ...de mulheres!. Nunca da morte. Aprendi a gostar do Fernando como se fosse de um irmão. Seus filhos foram criados com os meus. Na mesma rua, na mesma travessa Cabixi dos nossos corações. Vá em paz, meu amigo. Não ligue para essa morte que, covarde e silenciosamente, o pegou dormindo, sem lhe dar chances para você zombar dela mais uma vez, ainda que fosse a última. Trate-a como você tratou a vida: desportivamente, afinal, você era um futebolista, um gráfico, um radialista, um empresário, um artista, um pai de família dos bons, um cidadão cosmopolita, pois o mundo era sua pátria, o Rio de Janeiro sua segunda cidade, Porto Velho, seu berço e seu túmulo. Que descanse em paz, em lugar bom, como você é merecedor. É...você tinha lá seus defeitos e sua sacolinha de maldades. Mas, quem não os tem? Réquien para Fernando José Gaspar, cuja memória ficará para sempre nas reuniões futebolísticas desta cidade de Porto Velho e não morrerá jamais.

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Fonte: Francisco Matias - Historiador e analista político
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