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Yêdda Pinheiro Borzacov

SER PORTO VELHENSE - Por Yêdda Pinheiro Borzacov



* Yêdda Pinheiro Borzacov

Ser porto velhense é sentir o aroma do que resta das florestas, ouvir a melodia do ir e vir das águas do caudaloso Madeira, presenciar e aplaudir o balé aéreo das andorinhas grifando, anunciando o verão...

Ser porto velhense é caminhar pelas ruas dos históricos bairros da Arigolândia, Caiari, Areal, Santa Bárbara, Tucumanzal, Centro e Km 1, relembrando com saudades imagens de um passado vivo: acontecimentos e coisas que mereciam ser preservados porque são coletivamente significativos em sua diversidade...

Ser porto velhense é bater no telhado da memória e reverenciar a obra dos homens que construíram a nossa História... Percival Farqhuar... Octavio Reis... Pe. Ângelo Cerri... Marize Castiel... Fernando Guapindaia de Souza Brejense... Jonathas Pedrosa... Aluízio Pinheiro Ferreira... Paulo Nunes Leal... Pe. João Nicoletti... Ary Tupinambá Penna Pinheiro... Rubens da Silveira Britto... Edgar de Souza Cordeiro... Humberto da Silva Guedes... Jorge Teixeira de Oliveira e tantos outros mais...

Ser porto-velhense é conhecer a trajetória histórica da cidade, seus passos para a execução de determinadas ações... a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré... a elevação de Porto Velho a município e sua escolha como capital do Território Federal do Guaporé e mais tarde capital do estado de Rondônia...

Ser porto velhense é ver na tarde da memória, enfileirada, as casas do Caiari, inauguradas em 1940 por Getúlio Vargas... a população crescendo... era o que Aluízio Pinheiro almejava...

Ser porto velhense é explorar os padrões orais da linguagem cabocla do cotidiano, dando toques pitorescos à fala: “Vá cantar em outra freguesia”, isto é, vá fazer sua lenga-lenga em outro local; “Não vale um tostão furado”, significa que o indivíduo aludido é mau-caráter; “Destina veneno que nem cobra”, designação para uma pessoa que provoca intrigas e fuxicos; “Nasci nu e já estou vestido”, alusão à pessoa que nasceu sem recursos materiais e ao longo da vida conseguiu amealhar alguma coisa; “Este sujeito não me cheira bem”, expressão alusiva que a pessoa não é séria; “Já vai tarde”, diz-se quando uma pessoa inoportuna vai embora. A lista é interminável... “Só se joga pedra em árvore que dá fruto”, indica que só se fala mal de quem faz alguma coisa; “Conversa p’ra boi dormir”, significa conversa tola, jogada fora... “Falta de controle verbal ou escrito”, quer dizer, conversa ou escrita atravessadas...

Ser porto velhense é não se importar com as limitações que tanto preocupam o homem consumista... é feliz com o que tem, poderia ser rico com tantas terras que o rodeavam em tipos idos... jamais pensou invadi-las ou requerê-las... contenta-se com sua casinha, com o pomar que iniciou no seu pedacinho de chão.

Ser porto velhense é saber que Porto Velho já foi uma cidade pitoresca e fascinante... havia uma ferrovia... os clubes Internacional, Bancrévea, Danúbio Azul Bailante Clube e Guaporé... os benjamins da avenida Sete de Setembro... as ingazeiras da rua José de Alencar... o “footing” na praça General Rondon...

Ser porto velhense é precisar, parafraseando Mário de Andrade, o “matavigismo” – a mata... e complementamos, do beiradão... dos rios, igarapés e lagos... da flora e fauna... vamos defender a beleza do que resta... embora Porto Velho tenha sofrido muita destruição, abriga ainda na floresta muita vida que faz parte da nossa...

Ser porto velhense é apreciar a sabedoria e habilidade dos contadores de história... usos e costumes do nosso povo...

Ser porto velhense é ter ouvido desde criança, através das histórias que lhe contavam as pessoas idosas, o encanto dos personagens dos rios amazônicos... o boto vermelho (jamais cor de rosa), que se transforma em um belo rapaz, todo vestido de branco, comparecendo aos bailes em residências situadas à beira dos rios, e se mostra ótimo dançarino, conquistando e seduzindo as mocinhas, quando uma jovem solteira aparece grávida, os pais afirmam logo: é filho do boto!... O astuto curupira, montando em caititu, de cachimbo à boca, vigia e protege as matas e os animais... a cobra grande que reside na curva do rio, transformando-se em barco feericamente iluminado singrando o Madeira...

Ser porto velhense é parar... pensar... vontade de poetar... Bolívar Marcelino, Calixto Medeiros... admirar a arte visual de Afonso Ligório... Fona... Raimundo Nonato... renascendo a cada instante nesse nosso caminhar...

Ser porto velhense é ser solidário... possuir sensibilidade para os problemas alheios, compartilhando momentos alegres e tristes de seus semelhantes...

Ser porto velhense é apreciar os empinadores de papagaio (jamais pipa, senhores alienígenas), possuidores de rico e típico linguajar folclórico, com termos pitorescos: “Cuidado, está engasguelando!” (não há linha suficiente para trançar o outro papagaio e é cortado pelo peitoral); “Pipocar com linha e tudo” (quando a linha arrebenta pela ação da força do vento); “Papagaio no ar não tem letreiro” (significa que todo papagaio que está no ar poderá ser cortado, porque no espaço não tem dono); “Vou guisar o papagaio!” (ato de quebrar o papagaio, quando há uma disputa entre brincantes); “Este cara é um fanchão” (termo dado ao empinador que faz limpeza, isto é, corta todos os papagaios); e na competição da brincadeira lúdica os termos são gritados: embiocar, catar, cepa, casqueta, penço, cruzar e tantos e tantos outros...

Ser porto velhense é ao cair da tarde, saborear um tacacá, tomado em uma cuia lisa, lustrosa, negra...

Ser porto velhense é ter o costume de marcar as pessoas por apelidos, batizando-as com nomes de bichos ou coisas, imprimindo nos apelidos, acento burlesco, transformando-os em joias da literatura oral: “tanajura”, mulher de bumbum grande e saliente; “curubento”, aquele indivíduo cheio de coceira; “cai-cai”, o indivíduo que caiu de avião três vezes; aquele sujeito que fracassou ao tentar asfaltar a avenida Presidente Dutra, recebendo de imediato a alcunha de “deusa do asfalto”; “caipora”, pessoa azarenta; “alumínio”, apelido de um indivíduo descendente de migrantes do Caribe... E o porto velhense se diverte apelidando o amigo, o compadre, o conhecido e até familiares...

Ser porto velhense é amar o passado: a História... a Tradição... sem desprezar a modernidade...

Ser porto velhense é trabalhar para que nossa cultura seja valorizada, divulgada... Ary Tupinambá Penna Pinheiro doando cerca de 2000 peças indígenas e de História Natural para o governo de Rondônia criar em 1965, o primeiro museu — Museu Territorial de Rondônia, mais tarde, Estadual... Rita Queiróz doando o seu acervo artístico para o Museu da Memória de Rondônia... Esperamos que não aconteça o sucateamento como ocorreu com as peças doadas pelo médico, etnólogo e historiador Ary Pinheiro, pelos alienígenas que por aqui passaram...

Ser porto velhense é não se cansar do falatório e escritos inconsequentes... enfadonhos... feitos por pessoas (algumas poucas), despojadas de suas tradições... de suas identidades... aconchegam-se na cidade que lhes fornece o que não encontraram no lugar de origem... o porto velhense como parte integrante do seu estilo de vida, com dignidade não os repudiam, perdoando-lhes as faltas de respeito e gratidão para com a terra e o povo que os acolheram...

Sou rondoniense, nasci em Guajará-Mirim, me orgulho da minha cidade natal e da minha raça...

Porto Velho, cidade que viu nascerem os meus filhos e netos... gosto muito de você.

* Yêdda Pinheiro Borzacov, da Academia de Letras de Rondônia, do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia, vice-presidente do Memorial Jorge Teixeira e colunista do site Gente de Opinião e do jornal Alto Madeira.

SER PORTO VELHENSE - Por Yêdda Pinheiro Borzacov - Gente de Opinião

Noite porto velhense. Foto: Rondônia Bonita / Facebook

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