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Gente de Opinião

Antônio Cândido

LEMBRANDO PAULO QUEIROZ


 

Antônio Cândido da Silva

Sábado à noite, na missa da igreja de São Cristóvão, senti falta de Paulo Queiroz sentado, invariavelmente, no quarto ou quinto banco do lado direito da nave.

Lembro que do lado oposto onde, também, invariavelmente assisto a cerimônia religiosa, conseguia identificá-lo pela cabeça branca que a sua altura avantajada fazia sobressair entre os fiéis.

Hoje, volto no tempo, para lembrar a última missa que ele assistiu e da conversa que tivemos na saída da igreja LEMBRANDO PAULO QUEIROZ - Gente de Opiniãoquando ele prometeu entregar-me, no sábado seguinte, o prefácio de “O Outro Lado da História” que me disse ter gostado muito e queria ter a honra de tecer comentários a respeito.

Falei-lhe de “Diaruí”, já em preparativos para o lançamento, e Paulo demonstrou interesse em conhecê-lo o que me fez prometer-lhe um exemplar, mas me pareceu ser grande o seu interesse quando deu-me o seu endereço e convidou-me para “bater um papo,” no dia seguinte, em sua residência.

Honrado com o convite não me fiz de rogado e, no domingo de manhã, por volta das 9 horas, estava em frente ao portão da casa de Paulo e não tive tempo nem de apertar o botão da campainha, pois ele apareceu na porta como se estivesse me esperando.

Dei-lhe o exemplar de "Diaruí” que ele examinou elogiando o trabalho de capa, o papel usado e a encadernação, prometendo fazer uma matéria, o que muito me envaideceu, após a leitura do romance.

Conversamos por quase duas horas e nos despedimos no portão quando ao final ele me disse: Agora que você já sabe onde eu moro, apareça quando quiser pra gente bater um papo...

Dois dias depois veio a notícia que Paulo saiu de casa naquele domingo à tarde e foi encontrado morto dois dias depois, no seu escritório, com suspeita de suicídio causado por depressão.

Custo crer nesta versão, pois, confesso que na minha “ignorância psicológica” (como diria o Serpa do Amaral) não vislumbrei, em nenhum momento do nosso bate papo, sintomas de depressão haja vista que a sua conversa visava sempre o futuro, como “sábado que vem entrego a apresentação do teu livro; vou ler com o maior interesse o Diaruí; estarei presente no lançamento e devo viajar esta semana, mas volto logo” e por ai vai...

Mas, em sendo verdade, eu só lamento não ser naquela hora um psicólogo ou psiquiatra e conhecer os métodos que Sigmund Freud criou para descobrir o que se passa na alma das pessoas. Com esses conhecimentos eu poderia ter descoberto os pensamentos que povoavam o seu espírito e o teria demovido dessa ideia de por fim à vida.

Quis o destino que eu fosse a última oportunidade de tentar salvar a vida do meu amigo e eu não tive competência nem mesmo para perceber que ele estava precisando de ajuda. Como é triste, às vezes, a descoberta de que sabemos tão pouco e, em alguns casos, nada sabemos e nisso pode estar a diferença entre a vida e a morte.

Não tenho dúvidas de que nas missas de sábado à noite, mesmo sabendo que Paulo não estará lá, eu vou procurar ver a sua cabeça branca se sobressaindo entre os fiéis. Força de hábito que, tenho certeza, me acompanhará por muitas missas ainda.

Vou lembrar-me do Paulo Queiroz vindo abrir para mim o portão de sua casa, com o jeito despojado de quem trajava uma bermuda envelhecida, uma sandália de dedo aos pés e uma camisa clara, invariavelmente, abotoada nos punhos e com apenas um ou dois botões cerrando-a no peito.

Que pena que coube a mim a última oportunidade do amigo Paulo seguir em frente e eu não pude ajudá-lo. Talvez, daí, a lembrança dele voltando para casa após despedir-se de mim e ter fechado o portão, com seus passos lentos, olhando para baixo como quem procurava conhecer antes o chão onde pisava, ou desiludido por ter perdido a ultima esperança.

Que Deus dê paz a alma do amigo Paulo...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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