Sexta-feira, 28 de março de 2008 - 14h12
Antônio Cândido da Silva *
Quando da instalação do escritório de Furnas em Porto Velho um amigo meu que fora convidado para trabalhar lá, falou-me certa vez que "o pessoal de Furnas não tinha tanta certeza de que o Casarão tinha sido construído, mesmo, pelos ingleses".
Essa afirmação, se verídica, só poderia ter os seguintes objetivos: diminuir o valor histórico da construção, reduzir o valor de uma futura indenização ou, em última análise, desconhecimento da história da região que envolve a construção da hidrelétrica.
Vi depois, em jornais, revistas e em um resumo do projeto da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, uma foto do antigo casarão, com a legenda "Casa dos ingleses" e, a partir daí, parece que passou a ser o nome de rebatismo do antigo casarão, pois essa identificação passou a ser repetida em vários escritos que tive oportunidade de ler.
Expliquei ao meu amigo o que devia ser explicado, mas devo dizer, também, que realmente o pessoal de Furnas ou quem quer que tenha passado a eles essa informação, está absolutamente certo: o Casarão não foi construído pelos ingleses.
Se procurarmos na história da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré algo construído pelos ingleses (como construtores), não vamos encontrar um único metro de trilhos assentados.
Há de se elogiar o trabalho desenvolvido pelos barbadianos, que eram ingleses por terem nascidos na colônia inglesa de Barbados, que aqui permaneceram depois da construção da ferrovia, contribuindo para o crescimento do pequeno povoado que se transformaria em Porto Velho.
Porém, vale lembrar, que os barbadianos não tinham a condição de mando e eram contratados, com algumas regalias, como todos aqueles que vieram do Caribe, na classificação genérica de "antilhanos".
Quem construiu o Casarão?
Acervo do site Gente de Opinião em "Imagens da História".
Manoel Rodrigues Ferreira, em "A Ferrovia do Diabo", 4ª edi-ção, pág. 130 transcreve parte do livro de Bernardo da Costa e Silva, intitulado "Viagens no Sertão do Amazonas", publicado na cidade do Porto, em Portugal, em 1891, onde se lê que o autor ao descrever o povoado de Santo Antônio nos fala do Casarão da seguinte maneira:
Mais adiante, havia outra grande casa num alto, que desfrutava toda a entrada do porto, e nela eram os escritórios principais da companhia no primeiro andar, e no segundo, residência.
A Companhia a qual se refere Bernardo da Costa e Silva é a P. T. Collins, de propriedade dos irmãos Phillip e Thomas Collins (e não Paul e Tom Collins como quer um certo jornalista), cujos engenheiros chegaram a Santo Antônio no dia 19 de fevereiro de 1878, passaram a ser chefiados por Thomas Collins a partir de março, e partiram em 19 de agosto de 1879, vencidos pelas doenças e as péssimas condições de trabalho.
Neville B. Craig, engenheiro sobrevivente da P. T. Collins, pu-blicou em 1907, o livro "Estrada de Ferro Madeira-Mamoré - História trágica de uma expedição", traduzido e publicado no Brasil pela Companhia Editora Nacional em 1947, onde se lê na página 198, a primeira notícia sobre a construção do Casarão, em 19 de março de 1878, logo após chegada de Thomas Collins:
Sobre um elevado outeiro de onde se avistava o rio com suas ca-choeiras, para cima e para baixo, foram lançadas as fundações para o edifício central da administração da estrada. Ao contrário das outras, esta construção deveria ser de natureza permanente. Fora projetada para se destacar como o prédio mais evidente do lugar: dois andares circundados por varandas com 3 m de largura. O primeiro pavimento destinava-se exclusivamente a escritórios e o segundo seria dividido em cômodos espaçosos e serviria de residência aos principais funcionários da estrada, em Santo Antônio.
Praticamente todos os escritores que passaram por Santo Antônio, depois da P. T. Collins, falaram do Casarão solidamente edificado em frente à cachoeira de Santo Antônio. Porém, vamos continuar com as informações de Neville Craig e a descrição que ele faz ao voltar de Jaci Paraná, na página 354 do seu livro:
Ao desembarcar em Santo Antônio, no dia 11 de outubro de 1878, vimos que a construção primitivamente usada para sede dos engenheiros fora abandonada. O novo prédio do escritório estava terminado e nele se instalaram os engenheiros, empreiteiros e empregados.
Conquanto destituído de qualquer ornamentação, o edifício era sólido, admiravelmente adaptado ao clima, muito bem localizado e considera-velmente superior a qualquer outro existente nas margens dos rios, aci-ma do Pará.
Neville B. Craig segue descrevendo as particularidades do prédio, as quais deixamos de nomear por fazerem parte das primeiras citações, no entanto, o que nos chama a atenção é que o prédio é descrito com "de dois andares circundado por varandas de 3 m de largura" e o tempo recorde (19 de fevereiro a outubro de 1878) em que ele foi construído.
A importância da informação de Craig é nos levar à conclusão de que a edificação era retangular ou quadrada e, portanto, não possuía os acréscimos laterais que se observa hoje, e a ausência das varandas laterais nos dois pavimentos do prédio, restando apenas no lado da cachoeira, vestígios dessas varandas na parte inferior.
Considerando, portanto, a informação de quem participou indiretamente da construção do Casarão, no mês de outubro de 2008, o prédio em questão estará completando 130 anos de existência.
Assim, senhores funcionários de Furnas, acreditamos estar esclarecido que o Casarão foi construído pela P. T. Collins, em-presa americana e não pelos ingleses.
Consta dos estudos para construção das hidrelétricas que o casarão será "reconstruído" (construído uma réplica) em outro lu-gar, o que nos leva à conclusão de que o verbo "reconstruir" está empregado de maneira incorreta, na tentativa de enganar os su-postos incautos filhos desta terra.
Em sendo verdade esta "reconstrução nas proximidades do local atual", só nos resta dizer que qualquer imbecil sabe que não terá nenhum valor histórico. Sabe-se, também, que hoje existem técnicas que permitem mudar de local aquele prédio, sem prejuízo para as tradições históricas do nosso povo.
O que entristece a mim e ao povo desta terra é que o desco-nhecimento dos fatos, mais uma vez, criou um erro histórico difícil de ser corrigido ao ser divulgado que o antigo "casarão da P. T. Collins" é "o casarão dos ingleses". Da mesma maneira aconteceu a história do "velho Pimentel", a fundação da cidade de Porto Velho em "4 de julho de 1907", e mais recentemente, a praça Mal. Rondon que passou a ser conhecida como "praça do Baú".
Longe de mim a idéia de ser contra o progresso, mas se po-demos conciliar tradição e progresso, é bom que se faça. Afinal de contas, são 130 anos de história que, para nós rondonienses que defendemos as nossas raízes, merece preservação e respeito. Basta lembrar que a história do nosso Casarão já foi contada em prosa e cantada em versos.
CASARÃO DE SANTO ANTÔNIO *
Aqui estamos eu e a tristeza
fazendo parte desta solidão.
A minha alma vagueia na lembrança
e pára entristecida
em frente ao Casarão,
pois um muro bloqueia brutalmente
o meu caminho de recordação
Mas limites não tem o pensamento
e assim eu viajei, neste momento
para o recente século passado.
Mil oitocentos e setenta e oito:
Mister Collins fazendo o Casarão.
A empresa falindo lentamente
e um “caminho de ferro” começado.
Da sacada, diante dos meus olhos,
a cachoeira geme seus lamentos.
E no abismo, frascos de bebidas,
são testemunhas silentes
dos homens que sem encantos
beberam neste recanto
para afogar seus tormentos.
Mas o tempo foi passando
com todo seu silêncio e lentidão.
E os donos também se sucederam,
naquele majestoso Casarão.
Daqueles que consigo recordar
vem-me à mente João Elias
que aqui montou um bar.
Depois mudou a cidade
daqui para o Ponto Velho
como a história nos ensina.
E assim, por muitos anos,
do casarão só restaram
um punhado de lembranças
misturada com ruína.
Embora o “sítio” hoje seja
de domínio popular,
diz a lei cinco, seis, seis,
que em novecentos e onze
na capital Cuiabana
se veio sancionar.
Eu aqui estou parado
sem conseguir entender.
Pois grande portão de ferro
do tempo da ferrovia
hoje me impede de entrar.
(*) Poesia do livro "Madeira-Mamoré – O vagão dos Esquecidos".
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