Quinta-feira, 9 de abril de 2020 - 12h01
Não é de hoje que a resposta para os principais desafios do homem é compreender e interpretar o ambiente. Sabemos que, tanto a produtividade quanto a qualidade do café, são a combinação entre o ambiente, a genética e o manejo realizado pelo agricultor. E esta combinação faz com que cada região produtora seja única.
Mas, quando o cafeicultor não compreende ou não respeita alguns desses elos que formam e modificam o grão de café, perde a sua individualidade e tudo que o torna especial.
O desenvolvimento completo de um fruto de café começa mesmo antes do surgimento das flores. Inicia-se no período de desenvolvimento vegetativo e formação dos ramos produtivos, passa por um período de dormência que, normalmente, coincide com a época mais seca do ano. Assim, nas primeiras chuvas, as gemas florais têm a sua dormência quebrada e inicia-se uma das fases mais importantes para a produtividade do café. Após a florada, que pode ser plena ou seguida de floradas menores, ocorre a fecundação, que resulta em um frutículo em desenvolvimento denominado de “chumbinho”.
Após esse momento, se inicia o pegamento e expansão desses frutos que se tornam o dreno prioritário das plantas e a razão principal de todas as ações e preocupações do cafeicultor. É o momento em que não pode faltar água, nutrientes e deve-se ter atenção com a sanidade da lavoura e dos frutos.
De forma geral, pode-se dizer que o produtor tem evoluído muito nos cuidados nesta fase de pré-colheita. Tanto que, na última década, a produtividade dos Robustas Amazônicos no Estado de Rondônia teve um aumento de 350%. Evoluiu de um nível quase extrativista, de oito sacas por hectare, para um mais tecnificado, com 36 sacas por hectare.
Entretanto, apesar de toda a evolução da última década, muitos produtores não têm atentado para a importância das fases de finalização de um ciclo de quase dois anos para se chegar ao fruto de café. É como se o cafeicultor estivesse em uma maratona e desistisse do prêmio justamente no quilômetro final. É, literalmente, nadar um oceano e morrer afogado na praia.
O “Sprint” final do cafeicultor corresponde às etapas de colheita e pós-colheita. O café é uma cultura perene e tudo conta para o sucesso da lavoura. Os frutos são os resultados das escolhas, boas e ruins, do plantio à colheita. Mas, sem sombra de dúvidas, as etapas finais de colheita e pós-colheita são as mais determinantes para a qualidade de bebida. E, o que muitos produtores não se dão conta, é que o são também para o rendimento da lavoura.
O momento da colheita é o que mais demanda mão de obra e corresponde por cerca de 40% do custo de produção. Está aí mais um motivo para este ser o período crucial para o sucesso de quase dois anos de investimento e suor do produtor. Qualquer ação na colheita representa grande impacto no rendimento, qualidade e na remuneração final. Sim, a colheita é o momento da verdade, aquele que separa o joio do trigo.
Tecnicamente, o momento ideal de colheita começa quando as plantas estão com, pelo menos, 80% dos seus frutos maduros. E isso tem sido um grande desafio para o produtor. Em parte, porque a maturação costuma ser heterogênea, a mão de obra escassa e existe uma necessidade, às vezes cultural, de finalizar logo a colheita e vender o café. Nesse ciclo alucinado, o produtor que não se programa, perde muito por não conseguir fazer o processo de forma gradual, tranquila e natural.
Para se ter uma noção, a pesquisa tem demonstrado que a diferença do rendimento dos grãos provenientes de uma colheita de frutos majoritariamente verdes chega a ser 25% menor do que os colhidos maduros. De forma geral, são necessários 24 latões de 20 litros de frutos verdes para se obter uma saca de café beneficiado de 60 Kg. Já se os mesmos frutos forem colhidos maduros, são apenas 18 latões.
Vamos fazer mais uma continha. Normalmente, os produtores pagam de R$2,50 a R$3 por latão colhido. Isso significa que o cafeicultor que colhe os frutos verdes paga R$18 a mais por saca de café, só em mão de obra. Além disso, quando se colhe os cafés verdes, se observa a diferença negativa de rendimento de cerca de 25% em uma saca de café. Considerando-se o preço hipotético de R$300 pago por saca tipo “commodity”, isso representa R$75 a menos para o bolso do produtor. Nesta simulação, somando-se as perdas por renda e com o custo a mais na colheita, quem colhe verde deixa de ganhar R$93 por saca. Até aqui, nem começamos a falar em qualidade.
Confira no vídeo o passo a passo da colheita e pós colheita dos Robustas Amazônicos: https://www.youtube.com/watch?v=gpm4sYOwnG4&feature=emb_logo
Se até aqui o cafeicultor ainda não estiver convencido, vamos ao que é a razão de o café ser a bebida mais consumida no mundo, depois da água. O prazer que dá degustar um bom café! Os frutos verdes têm em abundância uma substância química do grupo dos fenóis, conhecida como tanino. Ela tem como função dar um aspecto “travoso” e amargo aos frutos, os deixando menos atrativos para serem devorados antes da maturação fisiológica de frutos e sementes. É a natureza dando o sinal vermelho: “Ainda não! Colha no momento adequado. Deixe a natureza seguir o seu ciclo”.
Respeitar o ciclo da natureza, o momento ideal de colheita de cada clone, parece ser o mais inteligente a se fazer. A bebida originada da colheita de frutos maduros e selecionados é, naturalmente, adocicada, leve e possui sabores que lembram caramelo, frutas e chocolate. Essa imensa paleta de aromas e sabores tende a agradar mercados mais exigentes e que pagam mais por esses cafés, conhecidos como finos ou especiais. Eles levam em si a origem, os cuidados do produtor e as características intrínsecas determinadas geneticamente.
Estes cafés especiais são o coroamento de um processo produtivo que vai muito além do momento da colheita. O produtor que esperou a maturação ideal dos frutos, deve submetê-los a um processo de secagem, nas primeiras 24 horas após desprendê-los das plantas. Nesse momento, também se deve seguir o ciclo da natureza. A temperatura ideal de secagem é de cerca de 35°C e o processo deve ser lento, gradual, natural. Quem quer produzir qualidade, deve preservar a semente. Manter a vida intacta no embrião. E este é, verdadeiramente, o respeito ao ciclo natural: crescer, amadurecer e ter a capacidade de gerar descendentes.
De forma resumida e tecnicamente recomendada, é preciso manter o desenvolvimento das plantas e frutos na pré-colheita, respeitar o tempo dos frutos durante a colheita e manter a vida viável na pós-colheita, o maior tempo possível. Sabemos que nem sempre é simples seguir o ciclo natural, pois a busca por lucro ou mesmo sobrevivência, é uma batalha constante. E, muitas vezes, o mercado pode ser cruel com a agricultura familiar.
Trata-se de uma verdadeira estratégia de guerra. O cafeicultor precisa atingir o equilíbrio de uma curva de demanda de mão de obra e equipamentos em um intervalo curto de tempo. Mas, por mais incrível que possa parecer, respeitar o ciclo natural de cada clone e o seu tempo de maturação pode ser a solução para o achatamento desta curva de demanda durante a colheita, que tem seu pico nos meses de abril e maio. A natureza e a seleção genética do homem nos deram clones com ciclos de maturação precoces, intermediários e tardios e essa variabilidade pode nos ajudar a fazer uma colheita planejada.
No final, assim como ocorre na natureza, nada nas propriedades rurais deve acontecer ao acaso. Tudo deve ter uma sincronização e uma razão de ser. Atenção aos detalhes e a leitura do ambiente de produção deve ser uma constante. Quanto mais aprendemos com a natureza, maior a nossa chance de sucesso. O respeito ao ciclo natural nos torna mais éticos, prolíficos e perenes.
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*Enrique Anastácio Alves é doutor na área de Engenharia Agrícola e, desde 2010, atua como pesquisador A na Embrapa, nas áreas de Colheita, pós-colheita do café e qualidade de bebida. Contato: enrique.alves@embrapa.br.
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