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Cleuber Pereira

OS TRABALHADORES ESQUECIDOS DE UMA AMAZÔNIA SEM GOVERNO


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No cabo da foice um trabalho para forte
 



Já passava das 13h, sob um sol escaldante, quando o Senhor Francisco Pereira Lopes, 68, o Chico Mineiro, deixava por aquele dia o roçado de uma velha capoeira (área degrada), onde pretende plantar macaxeira, abóbora e melancia.

De Porto Velho
a Humaitá
não existe governo

 

Produtores rurais da BR-319 são ignorados e vivem à margem dos benefícios oficiais, pois em se tratando de uma região fronteiriça, nem Rondônia e tampouco o Amazonas assumem qualquer responsabilidade de socorro ou apoio aos milhares de trabalhadores rurais que vivem e trabalham na região de abrangência da rodovia federal, no trecho que vai de Porto Velho (RO) a Humaitá (AM).

O serviço de destoca e limpeza é pesado, e na sua avaliação é muito pouco produtivo, visto que toda área territorial da região da BR-319 exige a correção do solo para produzir, e como não há incentivo do Governo para aquisição do calcário, pelo menos, a produtividade nesta área é muito baixa. Isto, certamente, é o principal fator de desestímulo do pequeno produtor, que se vê na obrigação de se esforçar muito para produzir o mínimo necessário à sua sobrevivência.

OS TRABALHADORES ESQUECIDOS DE UMA AMAZÔNIA SEM GOVERNO - Gente de OpiniãoNa verdade, são milhares de pequenos produtores rurais vivendo e trabalhando na área de influência da rodovia federal e adjacência, sob as mesmas condições, sem apoio dos governos de Rondônia e Amazonas, já que se trata de uma região limítrofe entre os dois estados, onde se constata também a formação de um círculo vicioso. Usando a estratégia do empurra-empurra, nenhum dos estados assume suas responsabilidades, sempre sob o argumento de que a responsabilidade é do outro, e assim por anos a fio os pequenos trabalhadores rurais dessa região sobrevivem abandonados, próximos fisicamente, mas muito distantes socialmente e moralmente do Poder Público, que só os conhece de eleição em eleição.

Mesmo assim, viver naquele lugar parece ser, para essas famílias, a tábua de salvação, a única alternativa de suas vidas. Isso, na verdade, tem um fundo real, mas é claro que não se aplica a todos.

Ali, por toda extensão do BR-319 e suas transversais, produzir culturas não perenes, realmente é muito difícil. Até a macaxeira (que não apresenta grandes exigências) produz bem no primeiro ano, mas a partir do segundo ou terceiro começa a definhar e exige solo de composição renovada, o que obriga o produtor a abrir novas frentes (derrubada) de trabalho. Mas a salvação da lavoura está no que ficou da floresta preservada, que é muito rica em culturas perenes, como castanha, açaí, cupuaçu, bacaba (Oenocarpus bacaba), patoá (Oenocarpus bataua mart), buriti, entre outras, além da fartura de peixe, dádiva dos rios Mucuim, Galo, Preto, Assuã, Castanhalzinho, São Bernardo, e Rio do Índio, considerados fonte de riqueza do amazônida que habita esta região.

Esta riqueza, segundo Seu Chico Mineiro, é o que ainda segura tanta gente pela região da BR-319, já que não existem outros atrativos fáticos, palpáveis para incentivar a produção de grãos e também da pecuária leiteira para os pequenos produtores, fatores que modificariam completamente o modelo de ocupação e a vida no eixo da rodovia. “Falo assim porque pra nós aqui não existe Governo”, disse.



UM HOMEM ISOLADO, SEM
ESTRADAS E SEM PERSPECTIVA

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 Estrada sem acostamento, limpeza lateral, sempre em estado precário
 

A ausência do Poder Público fica mais patente quando o assunto é estradas, energia elétrica e segurança. Quem conhece a zona de influência da BR-319 sabe das dificuldades desses agricultores que só têm estradas - em caráter precário, visto que eles mesmos é que fazem a manutenção - durante seis meses no ano para escoar o pouco que produzem.

Com exceção de umas poucas linhas bem próximas de Porto Velho, onde a Prefeitura executou algum serviço de manutenção, as vicinais e coletoras do km 20, 33, 42, 44, 46, 56, assim como quase todas as estradas da região ainda servem à comunidade, porque esta mesma comunidade se adiantou e ela mesma, com apoio de todos, de alguns fazendeiros da região, vem mantendo com muita dificuldade estrutura básica dessas estradas, geralmente sem qualquer revestimento, motivo pelo qual não são acessíveis no período chuvoso.

As dificuldades dessas comunidades se revelam e demonstram como são tristes para aquele povo, quando alguém adoece ou é atacado por algum animal, e precisa ser socorrido. “Nessas horas, só Deus”, sentencia dona Maria das Graças, agricultora da margem esquerda do Rio Assuã, para denunciar a falta de conservação das poucas estradas da região.

 

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O Rio Assuã é desses que em tempo de chuva se transforma em grande via que encurta viagem até a BR-319, mas que em tempo de estiagem regra até a pesca. Por isso ao doente e sua família nesta região, a alternativa de socorro só é possível através de canoa a remo ou rabeta (pequeno motor de proa com vara) ou com a rede para o transporte do doente.

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Na Escola Nossa Senhora Aparecida,
crianças matriculadas até pouco tempo não sabiam o que era um iogurte

 

Nesta região são muito conhecidas as Vilas do 46, km 46 (Município de Porto Velho) e Assuanópolis, km 70 (Município de Canutama), relativamente populosas, mas que sofrem (já sofreram muito mais) com o abandono dos governos. Até muito pouco tempo essas comunidades viviam à míngua. Nas duas pequenas escolas ali implantados boa parte das crianças matriculadas até pouco tempo não sabiam o que era um iogurte, dada a impossibilidade de armazenar esse tipo de produto, por falta de energia, situação que mudou com a extensão da rede de eletricidade do Luz para Todos, que só foi possível com a força da comunidade.

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A extensão da rede de eletricidade do Luz para Todos, só foi possível com a força da comunidade
 

Na Vila do 46, por anos, o teto do posto de saúde permaneceu escorado internamente com estacas de itaúba, para evitar algum acidente. Mas ali, mesmo nessas condições, sempre teve socorro para os casos de malária e outras pequenas enfermidades. Só nunca teve a atenção da Prefeitura de Porto Velho.

Somente após a extensão da rede de energia elétrica do Programa Luz para Todos por este pequeno trecho da BR-319 é que a situação começou melhorar e aqueles cidadãos passaram acreditar na força que tinham se estivessem unidos. Isto porque, liderados pela Associação dos Produtores e Comunidades da BR-319 e Alto Mucuim (APROCOM), eles chegaram a fechar a rodovia federal para conseguir o benefício da energia elétrica.

 

 

SEGURANÇA DO KM 42 DEVERIA
SER ORGULHO DA PM RONDONIENSE

 

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O Posto do IDARON no Km 42 é o único lugar onde há investimento do Estado em segurança

 

Assim como a luta pela continuação da obra de extensão da rede de energia, a comunidade vive às turras com o Governo de Rondônia, que de tempos em tempos ameaça retirar o serviço de segurança do Posto do IDARON (Agência de Defesa Sanitária de Rondônia), instalado no Km 42, sob a alegação da necessidade de fazer contenção de gastos, “e justo com a segurança”.

É preciso esclarecer que por toda área da BR-319, sob a jurisdição do Estado de Rondônia, o Posto do IDARON no Km 42 é o único lugar onde há investimento do Estado em segurança, dois policiais por turno, que dependem do auxílio alimentação para continuar servindo ali.

Esses policiais, liderados pelo sargento João Josué Fernandes, muito admirado na região pelo trabalho que realiza, utilizando seu próprio automóvel, já que a polícia não dispõe de uma viatura de apoio, fazem um trabalho que deveria ser motivo de orgulho da PM rondoniense.

O sargento Josué, como é conhecido, com seus comandados, além do serviço de segurança que presta às instalações do IDARON, atende a toda a população da zona rural e também das Vilas do 46 e Assuanópolis. Ali, nas instalações do próprio posto, ele já protagonizou cenas admiráveis ou inacreditáveis – já prendeu assassino e já fez até parto, e por isso ganhou a confiança e o respeito de todos.

Hoje, contudo, a comunidade luta para manter esse pequeno e único serviço de segurança na região, e para isso pretende se organizar, como fez pela energia, e ir ao governador Confúcio Moura, para saber de suas razões, para tirar o auxílio alimentação dos PMs do Posto do IDARON. “Esta é uma medida de justiça”, sentencia Plínio Cella, presidente da APROCOM.


ORIENTAÇÃO PARA MANTER E DISSEMINAR O
SENTIMENTO PRESERVACIONISTA NO CAMPO

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O trator que destoca e recupera as capoeiras
é o mesmo que aceira as áreas protegidas
 

 


Sob orientação da Associação dos Produtores e Comunidades da BR-319 e Alto Mucuim (APROCOM), nenhum produtor rural realiza mais desmatamento para plantação de suas lavouras, e buscam na recuperação das áreas degradadas (antigas áreas de pastagem encapoeiradas) a alternativa de produção, e nessas capoeiras eles fazem a destoca, limpeza e semeadura.

Mas todos os entrevistados são unânimes a afirmar que sem o apoio oficial para subsidiar pelo menos a aquisição de calcário, é impossível sobreviver na região.

“Não há como produzir aqui se não houver um trabalho exemplar de correção de solo e adubação adequada”, afirma o produtor Plínio Cella, presidente da associação, um dos mais importantes incentivadores do não desmatamento e da recuperação das áreas degradadas, e líder do projeto de não da emissão de dióxido de carbono, e que tenta viabilizar o projeto de aquisição dos créditos de carbono.

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O projeto de compra de créditos de carbono, na verdade, é mais uma tentativa de organizações ligadas à Organização das Nações Unidas (ONU), que buscam com isso, limitar ou diminuir a emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) na atmosfera. Vender créditos de carbono é, em outras palavras, ganhar dinheiro protegendo as florestas de que tem domínio, mantendo-as em sua forma original. Além de zelar pela manutenção da floresta o interessado deve cadastrar-se em alguma organização credenciada ao Governo. Em caso positivo até as multas por devastação podem ser abatidas com a venda dos créditos de carbono. A intenção da ONU e suas instituições é de revolucionar o pensamento e a prática preservacionista, tanto assim que quer cobrar dos países desenvolvidos e “poluidores” a responsabilidade destes com o meio ambiente. Assim, os países desenvolvidos deverão estimular a redução da emissão de gases causadores do efeito estufa (GEE) em países em desenvolvimento, como o Brasil, através do mercado de carbono, adquirindo os créditos de carbono provenientes destes.

 

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Agricultores falam das pragas e da necessidade corrigir o solo
para conter o avanço de pragas como o cipó de fogo

 

O solo de acidez elevada limita a produção de culturas como milho, arroz e feijão, entre outras, e ao mesmo tempo faz proliferar de forma assustadora muitas espécies de ervas daninhas que sufocam qualquer tipo de plantio de lavoura. A reclamação dos agricultores recai sobre as pragas (ervas daninhas) de aptidão excepcional em solo ácido, que se sobressaem na área que vai da balsa até o km 140 aproximadamente.

Segundo contam, as pragas do lacre (vismia cayennensis) e do cipó de fogo (cissus erosa) são terríveis, e em apenas um ano são capazes de inviabilizar qualquer plantação. “O melhor jeito de acabar com elas é corrigindo do solo, pois elas só se dão onde a terra é fraca”, ensina Chico Mineiro, que trava uma luta desproporcional com as ervas, armado apenas de uma enxada e uma foice duas caras bem amoladas.

 

 

GRANDES FAZENDAS JÁ FORAM ÁREAS
TOMADAS PELO LACRE E CIPÓ DE FOGO

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A região dos campos que se inicia a partir do Km 100, e que parecia sem aptidão para qualquer tipo de cultura, hoje está coberta com arroz, soja e milho, numa cena que enche os olhos de quem vê, e que se repete a cada safra.
 


Nas fazendas de recursos as áreas tomadas pelo lacre e pelo cipó de fogo foram recuperadas e transformadas em lavouras e pastagens que hoje engordam grandes boiadas, responsáveis pelo abastecimento de carne de parte dos mercados de Humaitá, Manaus e Porto Velho. Mas as grandes fazendas implantadas por toda a extensão da rodovia federal hoje não trabalham apenas com a engorda de boi.

A diversificação dos métodos e de utilização produtiva desta região foi introduzida por fazendeiros com tradições distintas, e por isso hoje é possível ver ao longo da BR-319 até Humaitá grande plantações de lavouras, onde sobressaem a soja e o arroz
.

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Plínio e suas filhas ketlen e Suelen, do Sul para a BR-319, tornando-a mais produtiva e bonita
 

Famílias inteiras que vieram, principalmente da região sul do País, trabalham unidas, e vão formando uma nova cultura local, com seus costumes e valores, tornando a vida na BR-319 mais produtiva e bonita sob todos os aspectos.

Nesta bonita região dos campos da BR-319, é preciso esclarecer que, além da correção de solo, os agricultores foram obrigados a abrir longos dutos a céu aberto (valas) para escoar o excesso de água das chuvas. “Tudo isso a gente foi aprendendo no dia a dia, juntando experiência com necessidade”, explicou o catarinense Enos Cella, o maior produtor de soja, milho e arroz região.

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Milho
 
Soja


CRIAÇÃO DE PEIXES GERANDO RENDA
 

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 Pequenos e grandes reclamam da falta de incentivo oficial
 

A experiência da diversificação das culturas – algo que deu certo na região - motivou não só os grandes fazendeiros, mas os pequenos produtores também, que mesmo diante de grandes dificuldades, estão abrindo uma nova frente produtiva por toda BR-319, com a criação de peixe, atividade de consumo e que gera renda para muitos.

É possível constatar, hoje, que alguns  pequenos produtores rurais  conseguiram construir pequenos tanques, e passaram a criar espécies de pescado menos exigentes em manejo, como a tilápia e o prirarucu, dada à falta de apoio oficial, capaz de incentivar a produção de espécies mais nobres, de maior rentabilidade. “Por isso criamos aqui apenas tilápia, para nosso consumo e pouca venda”, afirmou Raimundo Ferreira da Silva (Fazenda Porto Seguro), afirmando que a experiência com tambaqui e outros peixes mais nobres tem dado muito prejuízo em outras propriedades da vizinhança, decorrentes da falta de conhecimento das técnicas de manejo e outros entraves operacionais próprios da criação de peixes.

A ausência oficial neste caso, também, não foi por falta de interesse e procura dos produtores rurais, pois diretores da APROCOM, Plínio Cella, José Pereira Dantas, Vilmar Colleti, Edilson Almeida, Adelírio Guterres, e um grupo e associados reuniram por duas vezes com o secretário Municipal da Agricultura, José Wildes, a quem entregou, sob protocolo, um bem elaborado projeto para construção de tanques.

O secretário alimentou as esperanças de tantos associados, e chegou a sugerir algumas modificações no projeto, feitas pela equipe técnica da Secretaria, para que fosse atendido a um modelo padrão daquele órgão. A Associação promoveu as modificações, conforme sugerido, mas mesmo assim o projeto não avançou, e nem resposta ao protocolo a Prefeitura deu à APROCOM.

Para a direção da entidade de defesa dos produtores rurais da região, este é mais um exemplo do pouco caso do Poder Público com os trabalhadores rurais e comunidades da BR-319 e Alto Mucuim. “Aqui, para ser ouvido, a gente tem que adotar uma atitude radical, como fechar a BR-319, por exemplo,” disse Plínio Cella, presidente da APROCOM.

 
 

PEIXE E GADO, UM NEGÓCIO
BOM E DE FUTURO NA BR-319
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Tanque de criação de peixe

 
  Gado Nelore de qualidade


 

Mas existem grandes fazendeiros de peixes espalhados pela rodovia federal, com criação e produção planejadas. É o caso de Plínio Cella e Vilmar Colete. Ambos são unânimes em afirmar que a criação de peixe é um negócio realmente bom, ligeiramente diferente da criação de gado, visto que num espaço infinitamente pequeno, se comparado ao da criação de gado, é possível produzir centenas de toneladas de peixes, sem o complicador dos danos ambientais, e com uma rentabilidade proporcional superior à criação de gado.

Esses fazendeiros, contudo, fazem questão de deixar claro, que a criação de gado continua sendo um negócio também de boa rentabilidade. A diferença para eles está no tamanho da área envolvida e nos custos de manutenção. “A dificuldade de quem entra no negócio da criação de peixe se estabelece no primeiro ano, devido aos investimentos que precisam ser feitos para a montagem da estrutura”, afirmou Vilmar Colete, ressaltando os gastos com abertura e tratamento dos tanques, aquisição de alevinos e mão-de-obra, sem considerar os custos com ração que são permanentes.

LEITINHO DAS CRIANÇAS
E BEZERROS TRONCUDOS

 
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  O que falta na região produtiva da BR-319 é incentivo oficial, é a presença do Poder Público 
 

A moda disseminada no Brasil afora nas pequenas propriedades, na área da criação de gado (pequenos rebanhos) chegou também à BR-319. Contrariando da literatura especializada e a própria assistência técnica (in)disponível, os pequenos proprietários rurais, ao longo dos anos vêm adotando a solução mais lucrativa para eles no processo da pecuária, promovendo sempre o cruzamento de vacas cruzadas (mestiças leiteiras) com touros da raça nelore. O resultado é sempre bezerros fortes e troncudos (pesados).

Na outra ponta, os grandes fazendeiros (pecuaristas) nem querem ouvir falar em boi que não seja branco, e estão cobertos de razão, haja vista os investimentos que eles fazem na melhoria dos seus plantéis, aplicando tecnologias que influem na qualidade e produtividade do rebanho. Mas do ponto de vista dos pequenos também há razão, visto que desta mistura nascem bezerros mais espertos (de manejo fácil), mais pesados, e de porte avantajado, que facilita a venda, o que assim se justifica.

Entre os especialistas há quem concorde e quem rechace esta opinião, mas para o veterinário Manoel Francisco de Oliveira, o pequeno produtor, pela experiência que carrega, acabou se tornando um “expert” em driblar dificuldades, e por consequência adota sempre medidas que, do seu ponto de vista, são mais adequadas, mais lucrativas. Ele concorda que o cruzamento do nelore com o leiteiro certamente produzirá animais bem mais pesados, o que realmente significa maior lucratividade. Entretanto, alerta que o leite vai diminuir na geração futura, já que o nelore historicamente não é leiteiro, tampouco é de manejo semelhante.

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Pequenos proprietários promovem o cruzamento de vacas mestiças
com touros da raça nelore e o resultado, bezerros bem pesados

 

A Fazenda Porto Seguro, na BR 319, no Município de Porto Velho, é um exemplo de pequena propriedade, de criação ainda incipiente, mas que já descobriu a importância da cruza do nelore com o leiteiro. “É um gado manso, pesado e muito fácil de lidar”, afirma Raimundo Ferreira da Silva.

Por tudo isso, há de se concluir que promover a mistura entre as raças – nelore com leiteiro -, não é de todo um desastre e tampouco um negócio da China. Na verdade, há perdas e ganhos. Se de um lado vai diminuir a produção de leite na geração futura do rebanho, por outro lado o pequeno produtor rural negocia melhor sua produção (bezerros), com maior lucratividade. “E depois não há dificuldade em negociar fêmeas desmamadas por fêmeas mestiças da mesma idade”, garante Seu Raimundo.

Como se vê, é um negócio, uma estratégia de produção no campo arraigado na cultura produtiva brasileira. Para Seu Raimundo, com muito esforço é possível viver ali, ressaltando que é preciso compreender (conhecer) a terra e o tempo, para empregar a força disponível no lugar e momento apropriados.

Na opinião geral o que falta na região produtiva da BR-319 é incentivo oficial, é a presença do Poder Público para fazer sua parte, como ocorre nos países desenvolvidos e em outros estados brasileiros, para estimular a produção e consequentemente promover a fixação do homem. “Muitos dos vizinhos e trabalhadores que tinham lotes e até um gadinho aqui venderam baratinho tudo que tinham e foram embora, sem força para enfrentar as dificuldades”, lembrou o agricultor.
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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