Jamais pensei que depois dos 50 fosse começar a fazer coisas que nunca me imaginei fazendo. Correr, por exemplo: eis uma atividade que me dava calafrios no passado e hoje aquece meus dias. Comecei em ritmo lento e à medida que a quilometragem aumenta o prazer transpira junto. Mas foi outra nova prática que me inspirou a falar sobre amizade. A vida toda com uma certa gastura de mexer com terra não me impediu de iniciar o plantio de pimenta. Sim, isso mesmo, as pimentinhas nos vasos entraram em minha rotina. Enquanto cuidava delas me peguei pensando na necessidade que temos de cultivar bem os relacionamentos. Mais especificamente, os amigos.
Claro que a vida muda e nos leva a mudar de lugares, cidades e, naturalmente, de amizades. Muitas delas ficaram lá naquele passado onde eu não corria nem cuidava de plantas, outras permanecem vivas, apesar da distância. E há aquelas novas que brotam, florescem, nos influenciam, cativam e dão frutos. Nem todos saborosos e maduros, mas isso também passa pelo modo como cuidamos do outro.
Levados cada vez mais a um mundo egocêntrico e frágil, temos aprendido a viver, comer, dormir, passar o tempo sem muito esforço. O suor do rosto que pouco serve para grande parte das atividades atualmente, fica longe de ser um ingrediente saudável para a manutenção de relacionamentos. Uma pena! O não-esforço pelo amigo pode representar um nenhum-esforço dele num dia de solidão e medo da gente. Tudo é cultivo. Até as Escrituras tratam da semeadura e como podemos colher bem se o plantio e o cuidado forem efetivos, verdadeiros, puros e permanentes.
Planta que brota só na superfície não aguenta vento, sol e tempestade
E como saber se estou cultivando bem essa amizade?
Primeiro é preciso definir bem o conceito. Não são os 152 conhecidos do face ou metade disso do insta que você pode chamar de amigos. O poeta já dizia que amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves. Referindo-se a uma antiga expressão da língua portuguesa que se referia ao hábito da monarquia de guardar os objetos mais valiosos a quatro chaves, na verdade, na mão de quatro funcionários diferentes. O numero sete foi incorporado à expressão por conta de sua conotação cabalística. Aquela coisa de ser o numero da perfeição. “Por favor guarde isso a sete chaves”, diziam os antigos patrícios, incorporando isso aos segredos que compartilhavam com os amigos de verdade.
Ora, se amigos são tão valiosos, quer dizer que são caros. Merecem um olhar atento. Um cuidado constante. Não necessariamente diário. Lembre-se das plantas. Nem todas precisam ser regadas todo dia. Aliás, veja lá se não está aguando demais. Muita conversa em cima do jardim pode murchar até o cacto mais resistente. É preciso conhecer com quem estamos lidando. Qual a medida da atenção. Aprender a ouvir, a sentir, a compreender o tipo da terra, o tempo do crescimento, a necessidade de luz e de sombra. Como a plantinha da amizade está se desenvolvendo.
Vai que você esqueceu que ela existe, ou existiu um dia.
Não, não é o whatsapp que vai resolver isso. Ele pode até encaminhar o reencontro. Mas não da pra ele substituir o abraço, a voz presente, o silêncio de uma comunicação não-verbal de quem se conhece de verdade. Jamais o belo aparelho que você carrega no bolso terá as folhas bem verdes e o fruto saboroso.
Pense bem! Reflita! Como anda o seu jardim de amigos? Vai me dizer que essas plantas todas são de plástico?
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)