Quarta-feira, 2 de maio de 2012 - 12h38
Por Francisco Matias(*)
1.Este ano a ferrovia Madeira-Mamoré completa seu primeiro centenário (1912-2012). As comemorações serão realizadas em duas fases: a primeira, no dia 30 de abril, data em que o consórcio May, Jekill & Randoplh, em 1912, entregou a ferrovia pronta, na altura da cachoeira Guajará-Mirim, no lado brasileiro da fronteira Brasil-Bolívia. Era o ponto final de uma epopéia que envolveu todo tipo de aventura humana, empresarial e política. Mas, porém, todavia, contudo, a segunda fase das comemorações deverá ocorrer no dia 1º. de agosto, data em que, no mesmo ano, o primeiro trem percorreu todo o trecho da ferrovia, da estação Mamoré, no estado do Mato Grosso, à estação Madeira, na povoação de Porto Velho, estado do Amazonas, município de Humaitá. Vamos entender este lado da história. A construção efetiva da estrada de ferro Madeira-Mamoré, 1907-1912, esteve vinculada a dispositivos do Tratado de Permuta de Territórios e Outras Compensações, celebrado entre o Brasil e a Bolívia na cidade de Petrópolis, no dia 17 de novembro de 1903. Por este acordo diplomático, a Bolívia vendeu a região que hoje forma o estado do Acre ao Brasil, por 2 milhões de libras esterlinas, e recebeu porções de terra no Mato Grosso, entenda-se na altura da cachoeira de Santo Antonio (atual município de Porto Velho) e em Vila Bela da Santíssima Trindade, no Mato Grosso, integrantes da primeira parte do tratado, no disposto em “permuta de territórios”. No dispositivo do Tratado que corresponde a “outras compensações”, o governo brasileiro pagou o valor em libras esterlinas, em duas prestações semestrais, e ficou obrigado a construir a ferrovia Madeira-Mamoré.
2.Pois bem. Apesar do início das obras em 1907, o contrato de arrendamento do governo brasileiro à empresa The Madeira-Mamoré Railway Company somente seria elaborado no dia 24 de abril de 1909, com base no decreto-lei nº 7.344, de 25 de fevereiro desse ano, depois de aprovado pelo Congresso Nacional. Portanto, dois anos depois do início das obras, a empresa e o governo selavam o pacto de arrendamento por 60 anos, a contar da data da inauguração da ferrovia. Contudo, somente no dia 1º de junho o contrato foi assinado pelas duas partes, empresa e governo. E o 1º. de agosto? Pois é. A burocracia da época era mais burocrática do que hoje e, para piorar, o mundo não estava ainda globalizado. As informações demoravam e, muitas vezes, as decisões ocorriam ao arrepio dos documentos autorizativos. Foi este o caso. As obras foram encerradas no dia 30 de abril, mas a inauguração somente ocorreu no dia 1º de agosto, dois meses depois da assinatura e do registro do contrato de arrendamento que versava sobre a exploração dos serviços ferroviários, hidroviários, comerciais e gerenciais da ferrovia pela empresa norte-americana The Madeira-Mamoré Railway Company, cujo proprietário era o megaempresário Percival Farqhuar.
3.O primeiro trem partiu da estação terminal Mamoré em direção à estação terminal Madeira. Antes da partida houve a solenidade de inauguração. Havia muita gente (considerando-se os padrões da época) diante da pequena e improvisada estação terminal Mamoré. Dentre os presentes estavam os três donos do consórcio May, Jekill & Randolph, que concluiu a obra. Estavam autoridades e empresários bolivianos, dentre os quais, D. Nicolas Suarez Calhaú, conhecido como o “Colosso Boliviano”, devido à sua vasta fortuna e seu pool de empresas. Autoridades do Mato Grosso e do Amazonas também se fizeram presentes, além de operários, técnicos e maquinistas da ferrovia. No entanto, duas ausências se fizeram notar. E eram justamente os dois principais convidados: o engenheiro Percival Farqhuar, maior acionista da empresa, e o presidente da República, marechal Hermes da Fonseca, que havia confirmado presença, mas dissuadido por seu ministro da Fazenda, J. J. Seabra (inimigo figadal de Farqhuar), mudou a agenda e foi para Salvador,BA, lançar a candidatura do próprio Seabra ao governo daquele Estado. O telegrama comunicando a mudança dos planos do presidente pegou Farqhuar de surpresa em seu escritório no Port of Pará, em Belém. Por isso, ele cancelou a viagem que faria até Porto Velho, de navio, e até a estação Guajará-Mirim, de trem.
4.De todo modo, a solenidade de inauguração ocorreu e, entre discursos, aplausos, risos e lágrimas, os donos do consórcio construtor, todos norte-americanos, dirigiram-se a um ponto da ferrovia para cumprir um ritual muito utilizado na construção de vias férreas nos EUA: colocar, simbolicamente, um prego de ouro no último dormente. O chamado “cravo de ouro” era indispensável e a inauguração só seria inauguração se fosse cravado no último dormente aquele prego de ouro. E isto ocorreu naquela manhã do dia 1º de agosto de 1912. Afinal, a Madeira-Mamoré era a primeira estrada de ferro construída fora dos EUA com tecnologia, recursos humanos e equipamento, completamente norte-americanos. Era, portanto, motivo de orgulho nacional americano, pois. Por isso, os empreiteiros Robert H. May, Arthur B. Jekyll e John Randolph, proprietários do consórcio May, Jekyll & Randolph estavam muito felizes. Mas precisavam de um efeito simbólico humano. Um operário, para juntamente com a esposa de Robert H. May, cravar o prego, ou pregar o cravo de ouro.
5.Voltemos ao ano de 1907, que marca o início das obras da Madeira-Mamoré. Nesse ano, centenas de nordestinos aportaram no povoado de Santo Antonio do Rio Madeira. A maioria foi recrutada para trabalhar na construção da ferrovia. É o caso do cearense Antonio Silva, 25 anos de idade, que desembarcou em Santo Antonio no início de abril de 1907. Um mês depois ele pode assistir à chegada dos norte-americanos e acompanhou a transferência da estação inicial de Santo Antonio para o porto amazônico, situado sete km à jusante da cachoeira de Santo Antonio, localizado no estado do Amazonas. Desse modo, a ferrovia, a partir de 20 de maio de 1907, passou a ter seu marco zero em terras do estado do Amazonas, município de Humaitá, no antigo porto amazônico, já denominado “porto velho”. Antonio Silva passou a fazer parte do quadro de operários da empresa e acompanhou a construção par e passo. Estava na estação terminal naquele 1º de agosto de 1912. Era um dos poucos operários brasileiros presentes. Talvez por isso mesmo, ele foi escolhido por Mr. Robert H. May para colocar o cravo de ouro no último dormente. “o prego pesava 250 gramas. Foi uma cerimônia simples, presenciada por poucos trabalhadores, pelos empreiteiros norte-americanos. “Eu bati o prego junto com a esposa do empreiteiro”, declarou Antonio Silva ao jornalista a escritor Manoel Rodrigues Ferreira, em entrevista de 1959, na cidade de Porto Velho. O cravo de ouro encerrou a solenidade. Estava inaugurada a ferrovia Madeira-Mamoré. Viva! Hurra! Hurra!. Chegava ao fim a maior epopéia ferroviária do mundo. Mas, outra estava apenas começando: o trágico funcionamento da ferrovia Madeira-Mamoré.
Historiador e analista político*
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