Por Francisco Matias(*)
1. O estado de Rondônia constitui-se em uma megarregião formada por 52 municípios constituídos por 185 distritos.Desses, 52 são cidades e, portanto, distritos-sedes. O município de Porto Velho possui 14 distritos, sendo cinco com acesso fluvial – Calama, São Carlos, Nazaré das Farinhas, Conceição de Galera e Demarcação -, oito rodoviários – Jacy-Paraná, União Bandeirante, Mutum-Paraná, Abunã, Fortaleza do Abunã, Vista Alegre do Abunã, Extrema e Nova Califórnia – e o mais importante deles, a cidade de Porto Velho, onde funciona a capital. Reportemo-nos agora a região conhecida como Ponta do Abunã, onde estão localizados os distritos porto-velhenses de Fortaleza do Abunã, Vista Alegre do Abunã, Extrema e Nova Califórnia, e vamos nos situar, nos dois últimos. Localizados na BR 364, sentido Acre, esses dois distritos foram palco, em 1987, de uma pequena guerra civil não-declarada entre os estados de Rondônia e do Acre. Naquela época, o governo acriano destacou tropas de sua Polícia Militar para ocupar “a manu militari” as duas pequenas, promissoras e abandonadas vilas de Extrema e Nova Califórnia, sem importar-se com os limites determinados, notadamente pelo traçado da linha geodésica Cunha-Gomes, de 1875, que dividia o Brasil da Bolívia, no Mato Grosso.
2.A reação do governo de Rondônia demorou, mas ocorreu, sendo mobilizadas tropas da Polícia Militar rondoniense para expulsar os PM acrianos da Ponta do Abunã. Nesse cenário de guerra na fronteira, policias militares de ambos os Estados ficaram nariz com nariz, pega-não-pega, parecendo a Guerra do Acre, ocorrida no começo do século XX. Foi um “Deus-nos-acuda” naquele final de década quando o regime militar morria e estava nascendo a democracia plena no Brasil. A situação somente foi contornada com a intervenção de tropas do Exército, a retirada das tropas invasoras e a inclusão do problema no texto da constituição federal de 1988, favorecendo ao estado de Rondônia. Pois bem. Duas décadas depois, a Ponta do Abunã pode se tornar independente do município de Porto Velho e ficar muito mais rondoniense, na medida em que tramita na Assembléia Legislativa projeto de lei que dispõe sobre a criação de um município na região, com a provável designação Extrema de Rondônia, ideia melhor para designar o novo município. Extrema de Rondônia? Sim. Talvez o autor do projeto queira aproveitar a denominação do distrito de Tancredo Neves, conhecido popularmente por Extrema, o que é válido, mas, diga-se de passagem, muito complicado (vide Porto Velho e porto velho). Tancredo Neves é a designação oficial do distrito que todos chamam de Extrema. Mas, ao que parece ninguém ainda tomou conhecimento.
3.Seja como for, a criação desse município será de uma grande importância estratégica para a manutenção do domínio rondoniense sobre a Ponta do Abunã, contra os ímpetos do Acre de ocupar de fato - e de direito - aquela região. Se algo não for feito poderemos ouvir novamente o rugir do Acre sobre o solo rondoniense, apoiado, certamente, por uma boa parte dos que moram nos dois distritos porto-velhenses. Por este e outros motivos, a questão não se resume à administração porto-velhense. Ora, tome-se como fator geopolítico desagregador os 390 quilômetros de distância que separam os dois distritos da cidade de Porto Velho. Para ter uma idéia, a vila de Nova Califórnia fica mais distante da sede do município do que a de Guajará-Mirim ou Ji-Paraná, o que tem contribuído para aumentar as distâncias históricas e geopolíticas, na mesma proporção que as aproximam da cidade de Rio Branco, capital do Acre. Não é segredo pra ninguém que investidores daquele estado, estimulados pelo governo, adquirem grandes extensões de terras na região, investem na atividade pecuária e em empreendimentos urbanos como se estivessem no Acre. Como também não é segredo que a maioria das relações socioeconômicas de Extrema e Nova Califórnia é com a cidade de Rio Branco e não com a de Porto Velho.
4.Contudo, é bom frisar que a criação deste e de outros dezesseis municípios propostos para Rondônia, enfrenta a barreira da emenda constitucional nº 15, que dispõe sobre o impedimento dos estados legislarem sobre fusão ou desmembramento territorial, apesar de ter havido a criação de 57 municípios por este Brasil a fora depois da edição deste dispositivo constitucional. Portanto, as cenas que vimos de fechamento da BR 364, com a população reivindicando a emancipação da Ponta do Abunã, incluindo as populações indígenas da região e a fuga de policiais rodoviários federais destacados para desobstruir a BR 364, ainda poderá ocorrer. E por falar na fuga dos PRF, eles estavam certíssimos. Afinal, se ficassem o bicho pegava, se reagissem o bicho comia. Fugindo, evitaram o surgimento de um novo Eldorado dos Carajás ou de uma nova Corumbiara. Seja como for, a reivindicação é justa, tendo em vista as distâncias geopolíticas que separam a região de Porto Velho e aproximam, perigosamente, de Rio Branco. É um caso a pensar.
Historiador e analista político(*)
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)