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Francisco Matias

MADEIRA-MAMORÉ – ETERNOS CONFLITOS (II)


1. A Madeira-Mamoré, dito simplesmente desta forma, lembra imediatamente a ferrovia com seus dramas e conflitos que a eternizaram na memória e fizeram sua fama mundo afora. De Ferrovia do Diabo, Ferrovia da Morte e Ferrovia dos Trilhos de Ouro, a Madeira-Mamoré mais parece uma casa fantasmagórica do que um monumento à vida, a Rondônia e á humanidade. “...Em sua construção morreram tantos operários quantos são os seus dormentes...”, escrevem alguns estudiosos do assunto sem levar em conta o fato de a ferrovia ter 343 mil dormentes, de Triângulo a Triângulo, ou seja, de Porto Velho a Guajará-Mirim. Logo, é impossível que tenham perecido tantos trabalhadores. Mas, fica o mito para atrair mais conflitos aos seus mistérios. E assim, a Madeira-Mamoré sobrevive da morte, e morre a cada ano que passa.

2. Erradicada em 1972, seis anos após o início do processo executado pelo 5º BEC, a Madeira-Mamoré carregou nos seus trens sua própria extinção ao ser utilizada no transporte de máquinas e material para a construção da rodovia BR 425, que lhe enterrou de vez. Quem sabe aí resida o epíteto “A Ferrovia da Morte”, pois matou a si mesma sob o silêncio da maioria da sociedade porto-velhense da época. Hoje, passados 35 anos, os apitos dos trens nas estações ainda soam na memória de muitos daqueles que sobreviveram ao 10 de julho de 1972. No entanto, hoje em dia, a Madeira-Mamoré não sabe a quem pertence, se ao governo federal, ao estadual ou aos municipais. Silenciosamente, a Madeira-Mamoré parece apenas uma ferrovia que liga o nada a lugar nenhum, um trem sem horário ou destino, um trem-fantasma que recebe à noite, na reta do Abunã, os fantasmas daqueles que perderam a vida em sua tortuosa construção.

3. Um dos graves e atuais conflitos da Madeira-Mamoré diz respeito ao seu tombamento, ocorrido em 28.12.2006. A Madeira-Mamoré agora é patrimônio público nacional. Está no Livro de Tombos e sob a administração do IPHAN, do ponto de vista de sua preservação histórica, e do Ministério do Planejamento, na condição de patrimônio histórico nacional. Mas, o que foi realmente tombado? A Madeira-Mamoré é que não foi, cara pálida! Não no que se entende por complexo madeiro-mamoreano. O que está tombado é somente o complexo da cidade de Porto Velho. A Estação Inicial Madeira. Só isto. O restante, ou seja, as estações intermediárias de Jacy-Paraná, Mutum-Paraná e Abunã, que estão no município de Porto Velho; Araras e Vila Murtinho, em Nova Mamoré; Iata, Iatinha e a Estação Terminal Mamoré, em Guajará-Mirim, não foi tombado. Ops! Mas, estas estações não pertencem ao complexo Madeira-Mamoré? Se assim for, por que não foram incluídas no processo de tombamento? Eternos Conflitos.

4. Agora o IPHAN e a prefeitura estão se digladiando para tocar em frente o projeto de revitalização do complexo Porto Velho da Madeira-Mamoré. De um lado, o prefeito Roberto Sobrinho acusa o superintende do IPHAN, Beto Bertagna de “atravancar” o projeto. Mas, o buraco é mais em baixo. O projeto de revitalização da Madeira-Mamoré, em Porto Velho, defendido pelo prefeito, contempla a estranha construção de duas quadras poliesportivas e uma de esportes aquáticos, bem no meio da História. Eis mais um conflito que tem tudo para se eternizar e fazer a municipalidade devolver os quase três milhões de reais liberados para a obra de revitalização. Devolver dinheiro é sinal de incompetência. O projeto de revitalização deve ser alterado. É necessário compreender que a Madeira-Mamoré não é uma obra qualquer. Não patrimônio de uma administração, do prefeito e nem do homem forte do IPHAN. É do povo de Porto Velho, de Nova Mamoré, de Guajará-Mirim, de Rondônia, do Brasil, do Mundo e do Futuro. Revitalizá-la não significa desfigurá-la, erradicá-la uma vez mais. Que se superem as questões político-ideológicas, que se deitem nos trilhos os “faniquitos” e se mantenham as estruturas físicas e o ambiente histórico. A Madeira-Mamoré não deve ser transformada em praça de esportes, mas em um lugar de contemplação para que os jovens rondonienses de hoje e de amanhã possam compreender melhor suas origens históricas, e, desse modo, respeitar a amar o seu passado.

Fonte: Francisco Matias
Historiador e Analista

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