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Francisco Matias

O 13 DE MAIO E AS COTAS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES



Por Francisco Matias*

1.No último  domingo, 13 de maio de 2012, o Brasil parou para comemorar uma data muito importante: O DIA DAS MÃES. Não é uma comemoração específica do 13 de maio, mas do segundo domingo do mês. Muito justo. Dia das mães à parte, a data do 13 de maio foi, no entanto, completa, ideológica e propositadamente esquecida: o dia em que a princesa regente Izabel de Bragança, no exercício  do governo imperial do Brasil, sancionou a lei que dava libertação aos escravos. A Lei Redentora. A Lei Áurea. Esta foi uma lei que seu pai, o imperador D. Pedro II, fez de tudo para não assinar, inclusive, estava em viagem à Europa, no estilo de alguns políticos que preferem se ausentar para não protagonizarem determinadas ações. Seja como for, o Brasil comemorou – ou pelos menos deveria ter comemorado - os 124 anos da redenção de um povo e da abolição de um regime escravista dos mais duradouros e cruéis, que, além de apoio legal, jurídico e político, contava com o beneplácito e a cumplicidade da Igreja católica. Chegava ao fim a escravidão no Brasil, último país a libertar seus negros escravos.  

2.Neste mais de um século, o negro brasileiro ainda não foi completamente inserido no contexto sociopolítico nacional e o racismo individual e, às vezes, coletivo, ainda persiste. Preconceito e racismo são próprios da humanidade. Na história mundial, não foram – e nem são – só os negros submetidos a este tratamento vil. Recentemente, a imprensa tem divulgado a utilização de trabalho escravo em fazendas e outros empreendimentos. Aqui em Rondônia, esta prática ocorreu aos borbotões - e ainda ocorre -. Vez ou outra, a polícia descobre, aqui ou acolá, um desses malditos bolsões de “trabalho análogo ao escravismo”. Mas, nada se assemelha aos tempos da escravidão e ao comportamento da sociedade escravocrata da época. A abolição da escravatura naquele 13 de maio de 1888, uma segunda-feira,  foi precedida de outras leis que, antes de mais nada, prepararam os senhores feudais para o que viria depois, com milhares de negros nas ruas, nas zonas rurais, sem emprego, sem leitura, sem saberem sequer calçar botas, pois até usar tamancos era proibido. E foi assim, com um quadro de estupefação, que a Lei Áurea libertou os escravos. 

3.Passados 124 anos, qualquer estudo mostra que a massa populacional que tem pouca educação, pouco acesso a cargos públicos ou privados, e até mesmo às universidades públicas é formada, em sua maioria, por negros descendentes, não do escravismo, mas da forma como foram jogados no mercado e no seio de uma sociedade que jamais os aceitou. Mas, a questão das cotas para negros nas universidades públicas é uma forma de racismo, de reconhecimento ideológico da incapacidade da pessoa negra em concorrer em patamar de igualdade com pessoas brancas. A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, STF, pela constitucionalidade das cotas, não pode ser discutida, nem recorrida, mas sim obedecida. Nem por isso pode ser considerada justa. A constitucionalidade das cotas não deixa de esconder questões que o STF - e a ideologia nacional do momento - parecem não perceber. Ora, se a pessoa negra (agora chamada afro-brasileira, ou, “melhor ainda”, afro-descendente) não pode concorrer nos vestibulares com pessoas brancas, com certeza não é por ser menos dotada intelectualmente. O problema está onde a justiça não quer ver e os adeptos ideológicos das cotas não querem mostrar de jeito nenhum: a condição socioeconômica da maioria das famílias negras, impedidas por racismo e preconceito, de ascenderem economicamente. São pobres por herança política e, por isso, moram nas zonas mais carentes e estudam – quando podem estudar – em escolas públicas. Ocorre que, nos últimos anos, o ensino público tem se revelado, em estatísticas oficias e extraoficiais, com baixo aproveitamento de ensino e aprendizado. O Brasil recebeu uma das menores notas entre os países que integram a ONU. O conjunto de regras impostas “democraticamente” à sociedade brasileira, ofusca uma questão maior: a partidarização, a ideologização e a politização do ensino público, seja nas escolas de ensino fundamental, médio ou nas universidades. O problema é que, nestas instituições de ensino, não estudam apenas negros e negras, mas fazem parte deste quadro, brancos e brancas que, vivendo na mesma condição socioeconômica, padecem dos mesmo males que residem na deficiência do ensino e aprendizado, com ampla vantagem para as escolas da rede privada. Desse modo, os defensores ideológicos das cotas para negros deveriam partir para o cerne do problema: a escola pública e o tempo de aula que boa parte dos professores desperdiça quando se transformam ideologicamente em doutrinadores e politizadores.

4.Poderiam aproveitar e perguntar aos jovens negros e negras, cujas famílias podem pagar escolas da rede privada, se eles, apenas por serem da raça negra, necessitam das cotas para passar no vestibular. Poderiam aproveitar e perguntar a alguns grupos de abnegados professores da rede pública, que conseguem praticar o binômio ensino e aprendizado e, destarte, estimular o ingresso de jovens, negros e brancos, nas universidades públicas, se o sistema de cotas é necessário quando o Estado se faz presente,  a escola pública cumpre de fato sua função e os professores realmente ensinam e avaliam se os alunos realmente estão tendo bom aproveitamento.  Poderiam, também, pesquisar sobre a evasão escolar, quais as razões, onde estão as falhas dentro da escola para o elevado número de jovens, negros e brancos, que são matriculados e fogem da escola e, muitas vezes, este fato sequer é registrado nos órgãos de controle. Enquanto estas e outras medidas políticas não forem aplicadas, nem as cotas irão resolver, porque afinal, na ideologia mandante “neste país”, não se sabe mais o que é ser negro ou negra. Será a pessoa de pele escura? Apenas isso? Se for assim, a questão é de cor e não de raça. As cotas são segregacionistas e remetem a questão negra brasileira ao lugar que alguns poucos, mas poderosos, tanto querem: o maniqueísmo político-ideológico.

Escritor regional. Negro*.

Porto Velho, 17 de maio 2012.

124 anos da abolição da escravatura

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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