Segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012 - 13h03
Por Francisco Matias(*)
1. O presidente Getúlio Vargas havia instalado o Estado Novo, em 1937, e, com isto, implantou a Ditadura Vargas, que funcionou de 1937 a 1945. Era, portanto, o grande ditador, mas tinha algumas lacunas que não estavam preenchidas neste novo concerto político brasileiro. Uma delas era a situação do general R/l Cândido Mariano da Silva Rondon. Militar que construiu sua carreira longe da caserna, desbravador por natureza, cientista por vocação e militar por determinação. Mas era um animal ferido em seus próprios sentimentos. E o culpado era o poderoso marechal Juarez Távora, ministro da Viação e dos Negócios Interiores, que, no início da Revolução de 1930 o classificou como insubordinado, corrupto e esbanjador do dinheiro público, por haver “desperdiçado grandes somas de recursos financeiros, materiais e humanos, na construção das Linhas e Estações Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas”. Dizia Távora que “aquilo era uma obra para as onças e para os índios”. No desenrolar dos acontecimentos, o general Rondon foi preso no Rio Grande do Sul e exonerado das Forças Armadas, na patente de general de Divisão, a um passo de ser promovido a Marechal. O mundo desabou sobre “o homem que tinha na sola dos pés o mais longo caminho já percorrido”. Tudo estava desmoronando. Seu prestígio internacional, sua carreira, seu nome. Tudo desmoronou.
2. Por isso, onze anos depois, o magoado e aposentado general Rondon não aceitou que o seu nome fosse dado ao Território, uma homenagem vinda exatamente do governo que o humilhou, prendeu e abortou sua carreira militar quando estava para ser promovido à mais alta patente do Exército. Rondon manifestou sua negativa através de telegrama enviado ao militar Aluízio Pinheiro Ferreira, em Porto Velho, que o havia substituído na direção do 3º. Distrito Telegráfico do Mato Grosso e agora era o presidente da nacionalizada empresa Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. E foi justamente o tenente-coronel Aluízio Pinheiro Ferreira quem levou pessoalmente a negativa do quase homenageado Cândido Mariano da Silva Rondon ao ministro Juarez Távora, no Palácio do Catete, Rio de Janeiro, DF. Negativas aceitas. Se não podia ser Rondônia, qual nome poderia ter um Território Federal localizado em sete Bacias Hidrográficas? -Território Federal do Guaporé, com sede na cidade amazonense de Porto Velho. Prego batido, ponta virada. O Território iria estender-se ao Amazonas e iria envolver Porto Velho, Lábrea, Canutama; ao Mato Grosso, incorporando Alto Madeira, Guajará Mirim e uma porção territorial de Vila Bela.
3.Mas, o mundo iria mudar três anos depois. A ditadura do Estado Novo caiu com o final de 2ª. Guerra Mundial, em 1945. O Território Federal do Guaporé, agora contava apenas com os municípios de Porto Velho e Guajará Mirim e buscava novos rumos políticos e econômicos. No ano de 1946, o Brasil passou a ser governado pelo marechal Eurico Gaspar Dutra, o ex-presidente Getúlio Vargas era senador por três Estados e deputado federal por oito. O coronel Aluízio Pinheiro Ferreira era o primeiro governador do Território e estava prestes a fazer mais uma jogada de mestre: deixar o governo e eleger-se a deputado federal distrital. Para isso, havia indicado ao presidente Dutra o nome do coronel Joaquim Vicente Rondon como seu substituto. Mais uma vez, prego batido, ponta virada. Joaquim Vicente Rondon era o novo governador e, logo mais seria deputado federal e se transformaria no mais vigoroso adversário político do caudilho Aluízio Pinheiro Ferreira, do início a meados da década de 1950.
4.A década de 1950 encontrou o general Rondon esquecido em um canto do Brasil, vivendo em um modesto apartamento no Rio de Janeiro, sobrevivendo de sua pensão como general R/1, cercado por cimento, portas e concreto, longe de seus largos espaços nas florestas, das tendas, das marchas e dos seus legionários. Aqui, acolá dava uma entrevista, fazia uma palestra, era lembrado. E quando isso acontecia, contava sua vida, sua História. Mas, não falava de sua principal frustração: a patente de General e não a de Marechal. Na virada da década, o Brasil havia mudado de novo para não mudar demais. O ex-presidente, ex-ditador e ex-senador Getúlio Vargas foi eleito democraticamente a presidente da República e, no Território Federal do Guaporé, os cutubas/getulistas reelegeram o coronel Aluízio Pinheiro Ferreira para o segundo mandato de deputado federal distrital. Em 1954 ocorre o suicídio do presidente Vargas, o consequente declínio do getulismo e eleições nacionais. Neste cenário, uma nova liderança política surgia no Território Federal do Guaporé. Seu nome: Joaquim Vicente Rondon. Seu projeto político era desbancar a poder dos Cutubas, representado pelo líder Aluízio Pinheiro Ferreira, seu padrinho e agora, adversário. E foi o que deu. Neste ano, os Peles-Curtas derrotaram os Cutubas e elegeram Joaquim Vicente Rondon a deputado federal distrital. Sua posse ocorreu em 1955, final da segunda fase da Era Vargas, que terminaria sob o governo do presidente Café Filho. A partir de sua diplomação e posse, o deputado Joaquim Vicente Rondon chamou a si a responsabilidade de corrigir um erro político e uma falha histórica. Decidiu que iria colocar o velho general Rondon em seu verdadeiro lugar na História do Brasil.
Historiador e analista político(*)
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