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Francisco Matias

PORTO VELH0-AMAZONAS, O CEMITÉRIO E A HISTÓRIA - 1


Por Francisco Matias*
 

1.O CEMITÉRIO DOS INOCENTES - O município de Porto Velho, criado no dia 2 de outubro de 1914 e instalado em 24 de janeiro de 1915, tem como distrito-sede a cidade de Porto Velho, criada no dia 7 de setembro de 1919, quase cinco anos depois do município. Por algum motivo, o legislador que elaborou a lei nº 757/1914 que dispôs sobre a criação do município, esqueceu de elevar a povoação à categoria de cidade. Talvez as circunstâncias da época não permitissem, mesmo porque a cidade que se denomina hoje Porto Velho era dividida em duas povoações. De um lado, Porto Velho of the Madeira River, implantada a partir das edificações construídas pelo consórcio May, Jekkil and Randolph, construtor da ferrovia Madeira-Mamoré, inaugurada no dia 4 de julho de 1907, em homenagem ao Independence Day.

2.A outra, surgida espontaneamente à jusante do território demarcadopelos norte-americanos, conhecida como Porto Velho de Sato Antonio, que foi se formando a partir de 1908, após a expedição da ordem de serviço pelo governo federal, oficializando o início das obras da Madeira-Mamoré. Ocorre que onde há vida há morte. Para enterrar seus mortos, a Madeira-Mamoré abriu um campo que denominou Cemitério da Candelária. Do lado brasileiro, o superintendente Major Guapindaia escolheu, em 1915, uma faixa de terra de 50mx50m, ao longo da avenida Englesing (atual Almirante Barroso), na divisa dos estados do Mato Grosso e Amazonas. Não tinha problema. Era um local afastado do centro da povoação e, ao fundo, ficava apenas uma pequena vila de negros chamada “Vila Mucambo”.

3.Mas, surgiu um leve problema. O nome. Como seria chamado o cemitério? Ficou acertado que seria dado o nome do primeiro defunto, ou defunta, a ser enterrado(a) naquele campo. Estranhamente, o primeiro enterro foi de dois gêmeos recém nascidos. Não escolher o nome de um dos dois.  Prego batido, ponta virada. Seria CEMITÉRIO DOS INOCENTES. Nada melhor. Nada mais apropriado. Esta é a razão do nome do mais antigo campo santo de Rondônia, localizado  no centro antigo da cidade de Porto Velho e tem sido utilizado por famílias tradicionais que enterram seus entes queridos em velhos jazigos, no misterioso Cemitério dos Inocentes, nas proximidades da avenida Almirante Barroso, à frente do não menos antigo bairro do Mocambo, na cidade de Porto Velho, estado de Rondônia.

4.O propósito deste artigo, como o de todos, é contribuir para a memória histórica deste município e do Estado, a partir da revelação de fatos, personalidades e empreendimentos que constituem os mitos fundantes, materiais e imateriais deste rincão da Amazônia. Não se deve esquecer que no ano que vem Porto Velho, o município, completará um século de criação. Por isso, sua formação histórica, que se confunde com o Brasil, a Amazônia, os EUA, Inglaterra, França, Grécia, Bolívia, Peru, Antilhas, Síria, Líbano, Chipre, Portugal e Espanha, precisa que se traga à luz alguns fatos que, por algum motivo, ficaram perdidos nos barracos do esquecimento madeiro-mamoreano.

5.O CEMITÉRIO DOS INOCENTES é um desses mitos fundantes, onde se confunde a vida e a morte, a dor e o amor, a saudade e o esquecimento, a história de cada um, de famílias e de pioneirismo. Apesar de inaugurado em 1915, os túmulos com registro mais antigos, e talvez os mais esquecidos, datam de 1917. Um deles é o de João Carvalho de Freitas e o outro, de Luiz Monteiro Maia Filho, ao que parece, membros de famílias do primeiro ciclo da borracha, ou comerciantes locais. Mas, apesar de ter servido para desova de cadáveres ao longo de sua existência, o cemitério guarda a memória de pessoas e famílias ilustres e, por isso, tem alguns defuntos célebres, dos quais se destacam: o poeta maranhense Vespaziano Ramos (nome de rua no centro da cidade), que morreu por volta de 1920 após ter passado por seringais na região de Ariquemes, contraído várias malárias e, ao que parece, uma tuberculose. É o túmulo mais visitado.

6.Outro poeta famoso está ali enterrado. É Oderlo Serpa, o Beleza, assessor de um governador do Território Federal do Guaporé. Apesar de poeta, versado em letras e funcionário do primeiro escalão de governo, Oderlo Serpa tomava umas e outras nos bares da cidade e se envolveu numa briga com um certo Antonio Coalhada, ferindo-o com um tiro. O tempo passou e. um ao depois, estava o poeta bebericando no bar Avenida, situado na 7 de Setembro, quando chegou Antonio Coalhada. Após breve discussão, o desafeto cravou-lhe uma facada no estômago. Uma só. E Oderlo Beleza Serpa morreu ali mesmo e foi fazer parte do rol das celebridades sepultadas no Cemitério dos Inocentes.

Historiador e escritor regional(*)

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