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Francisco Matias

Porto Velho: 100 anos de história


1. Ás vésperas de completar 100 anos de existência, a partir de uma vila ferroviária projetada pelo empreendimento Madeira-Mamoré, às margens do rio Madeira, em pleno território do estado do Amazonas, no início do século XX, a cidade de Porto Velho do século XXI é a mais antiga de Rondônia, mas padece de uma rara enfermidade: amnésia histórica. Um tipo raro dessa doença que se alastra nas divergências, na falta de registros, no sectarismo e no descaso oficial, o que a torna ainda mais grave do que de fato é. Porto Velho não conhece o seu fundador nem a data de sua fundação. Não quer conhecer. Não a deixam conhecer. A cidade nem se toca que não é mais aquela vila ferroviária, mas uma das quatro cidades mais populosas da região norte (perde apenas para Manaus, Belém e Ananindeua,PA). Porto Velho não desempenha, com força política, seu verdadeiro papel como a capital do Estado de Rondônia, que é de fato e de direito.

2. Neste mês, Porto Velho entra no círculo das cidades centenárias do Brasil, o que deveria ser motivo de orgulho e festejos. Mas não é. A doença que lhe tira a memória lhe impede de reconhecer que a vila ferroviária que lhe deu origem foi projetada aos moldes do velho oeste norte-americano, no dia que o grupo de empreiteiras May, Jeckill & Randolph bateu simbolicamente um prego de prata marcando o quilômetro Zero da ferrovia Madeira-Mamoré. Era 4 de julho de 1907, data do Independence Day dos EUA. Nada mais madeiro-mamoreano. Nada mais Porto Velho City. Era assim a vila que nascia chamada Porto Velho de Santo Antonio, localizada no porto amazônico conhecido, desde a guerra do Paraguai, como Porto Velho dos Militares. Uma vila-oficina, com todo o complexo da ferrovia transferido da vila de Santo Antonio, entre abril de 1906 e abril de 1907. É esta Porto Velho que nasceu falando inglês, lendo jornais como o The Porto Velho Times e o The Marconigran, que os que defendem a amnésia histórica querem manter no limbo de sua própria existência, e o governo do Estado e a Prefeitura do município estimulam esta linha de raciocínio provinciano e sectarista, contribuindo, mesmo sem saber, para o eterno esquecimento do seu passado.

3. Para ter uma idéia da Porto Velho dividida e mergulhada em sua própria história, esta coluna apresenta um poema, escrito em 1967, por Widness Theófilo de Souza, intitulado “PORTO VELHO”: Porto Velho, de velho não tem nada/ Ás vezes é Porto – obra ainda não começada/ Porto Velho poeirenta, lamacenta, distante, obscura – terra de gente boa, desonesta também: engolem cheques, fazem falcatruas, traficam, trambicam, vão para o Rio gastar – voltam./Quem bebe da água do rio Madeira!/Quanta ilusão!! Terra de cego. Eles iludem, roubam/ Fazem o que fizeram de novo/Passam por bons na língua do povo/Porto Velho indiferente a ministros, generais, presidentes, deputados, até reis – todos são iguais./Na Varanda Tropical bebem Whisky, conversam/Ninguém olha, ainda mais se a hora é da sesta./Porto Velho internacional – Baby, Galdeano, até Leopoldo foi esquecido./Triste engano pensar que em Porto Velho se é importante./Ora veja!/Em Londres, fria, se dá mais nota, destaque a um estrangeiro de diferente sotaque que Porto Velho a um rei./Porto Velho fleumática/Tudo passa./Também pudera!/Nasceste, tiveste teu berço de sepulturas/A morte estava com a vida/O nascimento marcado pelo destino trágico/Nada te perturba./Crises políticas, estudantes, cassações.Nada./Que terrível notícia de longe pode ser levada das coisas que longe passam, até aquele sertão./Porto Velho é o Batalhão, é Samuca, Chop-Chop, Coary de Iracema/É lage antes um esteio. Tranqüilidade em cena eterna, muda./É Reo sem crimes/Milagre no meio do mato plantado. É plasmodium, falcíparus, vívax, aedes aegyptus/Sei lá./Porto Velho às vezes é saudade/Saudade ruim/De coisas ruins/Saudade é assim.

4. Este poema, escrito por um moribundo há quatro décadas, retrata uma época, mas também o presente. O poeta Widness Theóphilo de Souza morreu no Rio Grande do Norte vitimado pela malária, contraída na construção da REO, que ele chama “reo-sem crimes” na época da implantação do 5º BEC. A Varanda Tropical a que ele se refere era o espaço do Porto Velho Palace Hotel, prédio que hoje abriga a Unir-Centro, mas que já foi também Clube Rio Madeira; o Rei, é o rei Leopoldo, da Bélgica, que visitou Porto Velho em 1967. O presidente foi o marechal Castelo Branco. O poema, escrito quando Porto Velho tinha 60 anos de existência, reflete uma cidade em busca de si mesma, do seu registro de nascimento, do reconhecimento histórico. Os dramas e as indiferenças são próprias desta cidade, na época em que o poema foi escrito e nos dias atuais, quando a cidade completa, neste 04 de julho de 2007, um século de fundação. Salve a vila ferroviária de Porto Velho de Santo Antonio. Viva a cidade de Porto Velho,RO.

Fonte: Francisco Matias
Historiador e Analista

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