Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Francisco Matias

Porto Velho, 96 anos de instalação política




1. O município de Porto Velho completa neste 24 de janeiro, 96 anos de instalação, fato político ocorrido no ano de 1915, época em que o mundo vivenciava a 1ª guerra mundial, o ciclo da borracha estava em seus momentos finais e a empresa anglo-canadense The Madeira-Mamoré Railway Company ditava as normas de vida e de morte na região do alto e médio Madeira. Naquele dia, “no lugar denominado Porto Velho, Estado Amazonas”, como está contido na “Acta da Sessão Solene da Instalação do município”, tomaram posse o major Fernando Guapindaia de Souza Brejense, no cargo de superintendente, e os intendentes José Jorge Braga Vieira, Luzitano Barretto, Antonio Sampaio, Manuel Félix de Campos e José Z. Camargo, como Intendentes,  e seus respectivos suplentes: José de Pontes, Achilles Reis, Alderico Castilho, Horácio Bilhar e Alfredo Clímaco de Carvalho. Estava constituído, portanto, o poder político de um município que nasceu sem ter uma cidade como sede, sem comarca e sem o domínio de suas próprias terras. Na época, convém frisar, o estado do Amazonas não tinha em sua administração prefeitos e vereadores. Eram, portanto, superintendentes e intendentes. A prefeitura era a Superintendência e a câmara municipal a Intendência, onde se reunia o Conselho Municipal. De todo modo, o novo poder público nestes com fins da Amazônia tinha em mãos uma batata muito, mas muito quente pra descascar.

2. Eram nove horas da manhã de domingo e a chuva era torrencial, mas a natada sociedade se fez presente à solenidade de posse do primeiro superintendente, realizada em um prédio da Madeira-Mamoré, situado na avenida Amazonas (atual Barão do Rio Branco). Afinal, era um evento da mais elevada importância, protagonizado por um militar prestigiado, como era o major Guapindaia, um dos oficiais que participou da guerra do Acre,  e disposto a cumprir e fazer cumprir a Lei  nº  757, de 02.10.1914, que criou o município de Porto Velho. Presente à solenidade de instalação estava o senhor Abel Macedo, um dos chefões da Madeira-Mamoré, que representava o poder de fato na região que compreendia os estados do Amazonas e do Mato Grosso, na zona de influência da ferrovia Madeira-Mamoré. Este era o grande problema para a municipalidade que se instalava. A Lei que criou o município contém apenas três artigos: no artigo 2º autorizava ao superintendente a “entrar em acordo com o governo federal, com a Madeira-Mamoré, e com os proprietários de terras”. E para quê esse acordo? “...Para a fundação imediata da povoação”. Quer dizer: seria preciso muita negociação para fazer funcionar o novo município amazonense. Tarefa que não ia ser nada fácil para o superintendente e os intendentes empossados naquele domingo histórico.

3. Então não havia uma povoação fundada? Segundo a leique criou o município, não. Havia o quê? Um aglomerado de pessoas divididas por uma geopolítica de difícil compreensão. De um lado, a parte estrangeira controlada pela empresa Madeira-Mamoré que havia implantado uma estrutura de dominação territorial, política e cultural. De outro, um povoado que crescia desordenadamente, sempre em conflito com o pensamento madeiro-mamoreano do qual estava se tornando dependente. Por um oficial do Exército para realizar a “fundação do povoado de Porto Velho”, com poder legal para “entrar em acordo...”. Mas o major Guapindaia sabia que não poderia ceder muitos anéis para manter os dedos da administração que inaugurava. Por isso, foi comedido em seu discurso de posse. Disse ele, no início de sua fala: “...Era com grande desvanecimento que tinha a honra de, nestas longínquas paragens, inaugurar o município de Porto Velho...” e arrematou: “...o município será senhor das terras que ocupa..”. Epa! Guapindaia, por certo não sabia das dificuldades existentes e que até os dias de hoje fazem de Porto Velho um município sem terras. Por certo, o superintendente não sabia da força e do poder da Madeira-Mamoré, de um lado, e dos seringalistas do outro, notadamente a empresa boliviana Suarez y Hermanos, proprietária de vários seringais no Madeira e no Jamary. E disse, lá pelo meio do discurso “que agradecia a gentil solicitude da Madeira-Mamoré”. Ele não sabia que de gentil e solícita a Madeira-Mamoré não tinha nada.

4. Naquela manhã de domingo, 24 de janeiro de 1915,começava a funcionar o município de Porto Velho, pertencente ao estado do Amazonas, cujo principal motivo para a criação foi a necessidade de o governo nacionalizar a região, bastante influenciada pelos estrangeirismos da Madeira-Mamoré. Dentre os porto-velhenses que foram convidados para a posse do superintendente Guapindaia, estavam Abdon Jacob Atallah, Alfredo Baptista Leal, Chucre Jacob, Amadeu Pereira da Silva e o Dr. Joaquim Augusto Tanajura, funcionário do SPI e delegado honorário dos índios do alto Madeira, que, dois anos depois, viria a se tornar o primeiro superintendente de Porto Velho, eleito pelo voto direto. Portanto, neste 24 de janeiro de 2011, vamos relembrar a posse do primeiro administrador do município de Porto Velho, criado e instalado, repita-se, sem ter uma cidade como sede. Na época, a povoação era apenas um lugar, um núcleo urbano, nem sequer era vila. Era uma “longínqua paragem”, como disse Guapindaia.

Gente de Opinião

Fonte:  Francisco Matias - Historiador e analista político

Gentedeopinião   /  AMAZÔNIAS   /  RondôniaINCA   /   OpiniaoTV / Eventos
 Energia & Meio Ambiente   /   YouTube  / Turismo   /  Imagens da História

 

 

Historiador e analista político(*)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 O JANTAR DO CONDOR. O ALMOÇO DA ABRIL.  O HOSPITAL DO AMOR - Por Francisco Matias

O JANTAR DO CONDOR. O ALMOÇO DA ABRIL. O HOSPITAL DO AMOR - Por Francisco Matias

 Governador Confúcio Aires Moura, do estado de Rondônia   1.Novembro passou e dezembro entrou. O ano caminha para o seu final. Mas existe o risco de n

PORTO VELHO 103 ANOS - Por Francisco Matias

PORTO VELHO 103 ANOS - Por Francisco Matias

1.Hoje, dia 2 de outubro de 2017 completam-se 103 anos da criação do município de Porto Velho. Na manhã daquele 2 de outubro de 1914, no Palácio Rio N

O JORNAL ALTO MADEIRA E A HISTÓRIA - PARTE II

  1. Continuando com a série o Alto Madeira e a história, relatando a saga deste centenário em fase de adormecimento, este escriba lança novas matéria

O JORNAL ALTO MADEIRA E A HISTÓRIA- PARTE I

O JORNAL ALTO MADEIRA E A HISTÓRIA- PARTE I

    1. A propósito do anúncio publicado nas redes sociais dando conta de que o jornal ALTO MADEIRA vai encerrar suas atividades no final deste mês de

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)