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Francisco Matias

PORTO VELHO, 97 ANOS DE INSTALAÇÃO POLÍTICA


 
Por Francisco Matias (*)

 

1.O município de Porto Velho,RO, completa neste 24 de janeiro 2012, 97 anos de instalação político-administrativa. Este momento histórico ocorreu no ano de 1915, época em que o mundo vivenciava a 1ª guerra mundial, o ciclo da borracha entrava em sua fase final e a empresa The Madeira-Mamoré Railway Company ditava as normas de vida e de morte na região do alto e médio Madeira. Naquele dia, “no lugar denominado Porto Velho, Estado Amazonas”, como está contido na “Acta da Sessão Solene da Instalação do município”, tomaram posse o major R/1 do exército, Fernando Guapindaia de Souza Brejense, no cargo de superintendente, equivalente ao de prefeito, e os intendentes (cargos equivalentes aos de vereador), José Jorge Braga Vieira, Luzitano Correa Barretto, Antonio Sampaio, Manuel Félix de Campos, e José Zacharias Camargo, todos nomeados pelo governo do estado do Amazonas. Na mesma solenidade foram empossados os suplentes José de Pontes, Achilles Reis, Alderico Castilho, Horácio Bilhar e Alfredo Clímaco de Carvalho. Na época, convém frisar, o estado do Amazonas não tinha em sua administração prefeitos e vereadores. A prefeitura era a Superintendência e a câmara municipal a Intendência, onde atuava o Conselho Municipal. Estava constituído o poder político do município de Porto Velho, que nasceu sem ter uma cidade como sede, e sem o domínio de suas próprias terras.

2.Eram nove horas da manhã de domingo, naquele 24 de janeiro chuvoso, mas a natada sociedade porto-velhense se fez presente à solenidade de posse do primeiro superintendente,  afinal, era um evento da mais elevada importância, protagonizado por um militar prestigiado, como era o major Guapindaia, um dos oficiais que participaram da guerra do Acre, em sua fase peruana,  e disposto a cumprir e fazer cumprir a Lei  nº  757, de 02.10.1914, que criou o município de Porto Velho. Presente à solenidade de instalação e posse estava o senhor Abel Macedo, um dos chefões da Madeira-Mamoré, que representava o poder de fato na região que compreendia os limites dos estados do Amazonas e do Mato Grosso, e na zona de influência da ferrovia Madeira-Mamoré. Este era o grande problema para a municipalidade que se instalava. A Lei que criou o município contém apenas três artigos: no artigo 2º a lei autorizava ao superintendente a “entrar em acordo com o governo federal, com a Madeira-Mamoré, e com os proprietários de terras”. E para quê esse acordo? “...Para a fundação imediata da povoação”. Quer dizer: seria preciso muita negociação para fazer funcionar o novo município amazonense. A tarefa que não ia ser nada fácil para o superintendente e os intendentes empossados naquele domingo histórico, mesmo porque a povoação existia e era dividida em duas partes. A primeira, nas cercanias da estação inicial Madeira, era denominada Porto Velho of the Madeira River. A segunda, à jusante da rua Divisória (atual avenida Presidente Dutra), com o nome Porto Velho de Santo Antonio. Ao superintendente Guapindaia coube a missão de unificar as duas povoações e fundar uma só: Porto Velho.

3.Então não havia uma povoação fundada? Segundo a leique criou o município, não. Havia o quê? Um aglomerado de pessoas divididas por uma geopolítica de difícil compreensão. De um lado, a parte estrangeira controlada pela empresa anglo-canadense Madeira-Mamoré que havia implantado uma estrutura de dominação territorial, política e cultural. De outro, um povoado que crescia desordenadamente, sempre em conflito com o pensamento madeiro-mamoreano do qual estava se tornando dependente. Por isso um major. Um oficial do Exército para realizar a “fundação do povoado de Porto Velho”, com plenos poderes para “entrar em acordo...”. Mas, o major Guapindaia sabia que não poderia ceder muitos anéis sob pena de perder os dedos da administração que inaugurava. Por isso, foi comedido em seu discurso de posse. Disse ele, no início de sua fala: “...Era com grande desvanecimento que tinha a honra de, nestas longínquas paragens, inaugurar o município de Porto Velho...” e arrematou: “...o município será senhor das terras que ocupa..”. Epa! Guapindaia, por certo não sabia das dificuldades existentes e que até os dias de hoje fazem de Porto Velho um município sem terras. Por certo não sabia da força e do poder da Madeira-Mamoré, e nem do objetivo final do Tratado de Petrópolis, firmado em 1903. Talvez não soubesse do poder dos seringalistas, notadamente dos irmãos Suarez y Hermanos, proprietários de vários seringais no Madeira e no Jamary. E disse, lá pelo meio do discurso “que agradecia a gentil solicitude da Madeira-Mamoré”. Ele não sabia que de gentil e solícita a Madeira-Mamoré não tinha nada.

4. E ali, naquela manhã de domingo, 24 de janeiro de 1915,começava a funcionar o município de Porto Velho, pertencente ao estado do Amazonas, cujo principal motivo para sua criação foi a necessidade de o governo nacionalizar a região, bastante influenciada pelos estrangeirismos da Madeira-Mamoré. Dentre os porto-velhenses que foram convidados para a posse do superintendente Guapindaia, estavam Abdon Jacob Atallah, Alfredo Baptista Leal, Chucre Jacob, Amadeu Pereira da Silva e o Dr. Joaquim Augusto Tanajura, funcionário do SPI e delegado honorário dos índios do alto Madeira, que, dois anos depois, viria a se tornar o primeiro superintendente de Porto Velho, eleito pelo voto direto. Portanto, neste 24 de janeiro de 2012, vamos relembrar a posse do primeiro administrador do município de Porto Velho, criado e instalado sem ter uma cidade como sede. Na época, a povoação era apenas um lugar, um núcleo urbano, nem sequer era vila. Era uma “longínqua paragem”, como disse o Major Guapindaia. Mas, passados 97 anos, o município de Porto Velho está longe de ser aquele que Guapindaia veio administrar, em extensão territorial, economia, sociedade, política e importância geopolítica regional. Quem sabe, o Major esteja feliz, sorrindo por trás do bigode por onde quer que esteja...Talvez.

Historiador e analista político(*)

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