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Francisco Matias

PORTO VELHO, 99 ANOS DE INSTALAÇÃO


PORTO VELHO, 99 ANOS DE INSTALAÇÃO  - Gente de Opinião

Por Francisco Matias (*)

1.Hoje é feriado em Porto Velho. É um dos dois feriados dedicados ao município. O primeiro refere-se à criação, ocorrida no dia 02 de outubro de 1914 e que completará 100 anos daqui a dez meses. Será a festa do primeiro centenário do município. Não é o motivo deste feriado municipal de 24 de janeiro. Portanto, nesta data, 24 de janeiro de 2014, o município de Porto Velho,RO, completa 99 anos de instalação político-administrativa. Quase um século, mas não é um século e não se está comemorando a criação, e sim a instalação do município. Este momento histórico, que enseja a data de hoje, ocorreu no dia 24 de janeiro de 1915. Na época, o mundo vivenciava a 1ª guerra mundial, o 1º. ciclo da borracha entrava em sua fase de declínio e a empresa The Madeira-Mamoré Railway Company, anglo-canadense, ditava as normas de vida e de morte na região do alto e médio Madeira, e no vale do Mamoré. Naquele dia, “no lugar denominado Porto Velho, Estado Amazonas”, como está contido na “Acta da Sessão Solene da Instalação do município”, tomaram posse o major R/1 do exército, Fernando Guapindaia de Souza Brejense, no cargo de superintendente, equivalente ao de prefeito. Tomaram posse na mesma data os intendentes José Jorge Braga Vieira, Luzitano Correa Barretto, Antonio Sampaio, Manuel Félix de Campos, e José Zacharias Camargo, todos nomeados pelo governo do estado do Amazonas, que viriam a ser os primeiros vereadores do município, todos nomeados pelo governador Jônathas de Freitas Pedrosa, do estado do Amazonas. Na mesma solenidade foram empossados os suplentes José de Pontes, Achilles Reis, Alderico Castilho, Horácio Bilhar e Alfredo Clímaco de Carvalho. Na época, convém frisar, o estado do Amazonas não tinha em sua administração prefeitos e vereadores. A prefeitura era a Superintendência e a câmara municipal a Intendência, onde atuava o Conselho Municipal. Estava constituído o poder político do município de Porto Velho, que nasceu sem ter uma cidade como sede, e sem o domínio de suas próprias terras.

2.Eram nove horas da manhã de domingo, naquele 24 de janeiro chuvoso, mas a natada sociedade porto-velhense se fez presente à solenidade de posse do primeiro superintendente,  afinal, era um evento da mais elevada importância, protagonizado por um militar prestigiado, como era o major Guapindaia, um dos oficiais que participaram da guerra do Acre (1903-1909) em sua fase peruana. O primeiro prefeito(superintendente) assumiu disposto a cumprir e fazer cumprir a Lei  nº  757, de 02.10.1914, que criou o município. Presente à solenidade de instalação estava o senhor Abel Macedo, um dos chefões da Madeira-Mamoré, que representava o poder de fato na região que compreendia os limites dos estados do Amazonas e do Mato Grosso, e na zona de influência da ferrovia Madeira-Mamoré. Este era o grande problema para a municipalidade que se instalava, com adicional de dificuldades contido no próprio ato de criação, como se verá a seguir.

3.A Lei que criou o município de Porto Velho, de autoria do deputado estadual Pedro de Alcântara Barcellar, contém apenas três artigos:no artigo segundo, a lei autorizava ao superintendente a “entrar em acordo com o governo federal, com a Madeira-Mamoré, e com os proprietários de terras”. E para quê esse acordo? “...Para a fundação imediata da povoação”. Quer dizer: seria preciso muita negociação para fazer funcionar o novo município amazonense e integrar a povoação ao mapa político do estado do Amazonas. A tarefa que não seria nada fácil para o superintendente e os intendentes empossados naquele domingo histórico, mesmo porque a povoação existia informalmente, sem ter passado à sede de distrito e, desse modo, à condição de vila. Para piorar a situação, era dividida em dois complicados núcleos de povoamento. O primeiro, situado nas cercanias da estação inicial Madeira, era denominado Porto Velho of the Madeira River, fundado no dia 4 de julho de 1907, sob influência norte-americana. O segundo núcleo, estava se formando à jusante da rua Divisória (atual avenida Presidente Dutra), com o nome Porto Velho de Santo Antonio. Ao superintendente Guapindaia caberia a missão de unificar as duas povoações e fundar uma só: Porto Velho.

4.Então não havia uma povoação fundada? Segundo a leique criou o município, não. Havia o quê? Um aglomerado de casas e pontos de comércio e serviços dividido por uma geopolítica de difícil entendimento. De um lado, a parte estrangeira controlada pela empresa Madeira-Mamoré que havia implantado uma estrutura de dominação territorial, política e cultural. De outro, um povoado que crescia desordenadamente, sempre em conflito com o pensamento madeiro-mamoreano do qual estava se tornando dependente. Por isso um major. Um oficial do Exército para realizar a “fundação do povoado de Porto Velho”, com plenos poderes para “entrar em acordo...”. Mas, o major Guapindaia sabia que não poderia ceder muitos anéis sob pena de perder os dedos da administração que inaugurava. Por isso, foi comedido em seu discurso de posse. Disse ele, no início de sua fala: “...Era com grande desvanecimento que tinha a honra de, nestas longínquas paragens, inaugurar o município de Porto Velho...” e arrematou: “...o município será senhor das terras que ocupa..”.

5.O major Guapindaia, por certo não sabia das dificuldades existentese que até os dias de hoje fazem de Porto Velho um município sem terras públicas. Por certo não sabia da força e do poder da Madeira-Mamoré, e nem do objetivo final do Tratado de Petrópolis, firmado em 1903. Talvez não soubesse do poder dos seringalistas, notadamente dos irmãos bolivianos Suarez y Hermanos, poderosos proprietários de vários seringais nos vales do Madeira e do Jamary. E disse, lá pelo meio do discurso “que agradecia a gentil solicitude da Madeira-Mamoré”. Ele não sabia que de gentil e solícita a Madeira-Mamoré não tinha nada.E ali, naquela manhã de domingo, 24 de janeiro de 1915, começava a funcionar o município de Porto Velho, pertencente ao estado do Amazonas, cujo principal motivo para sua criação foi a necessidade de o governo nacionalizar a região, bastante influenciada pelos estrangeirismos da Madeira-Mamoré.

6.Dentre os porto-velhenses convidados para a solenidade de instalação do município, estavam Abdon Jacob Atallah, Alfredo Baptista Leal, Chucre Jacob, Amadeu Pereira da Silva e o Dr. Joaquim Augusto Tanajura, funcionário do SPI, prefeito do vizinho município de Santo Antonio e delegado honorário dos índios do alto Madeira, que, dois anos depois, viria a se tornar o primeiro superintendente de Porto Velho, eleito pelo voto direto.

7.Portanto, neste 24 de janeiro de 2014, vamos relembrar a posse do primeiro administrador do município de Porto Velho, instalado há 99 anos, sem ter uma cidade como sede. Na época, a povoação era apenas um lugar, um núcleo urbano, nem sequer era vila. Era uma “longínqua paragem”, como disse o Major Guapindaia. Mas, passados 99 anos, o município de Porto Velho está a anos-luz  daquele que Guapindaia veio administrar, em extensão territorial, economia, sociedade, política e importância geopolítica regional. Quem sabe, o Major Guapindaia esteja feliz, sorrindo por trás do bigode onde quer que esteja...Talvez.

Historiador e analista político(*)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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